Um jovem indignado contra a manipulação do pensamento
pretendida por indivíduos que, provavelmente, o que têm no seu próprio
pensamento não são mais do que estereótipos ou lambedelas de falsos saberes,
provenientes não de verdadeiro aprofundamento cultural, mas de pingos de
convenções que não permitem mais do que o marrar no seu preconceito,
desinteressados da autenticidade da pesquisa racional que a esses passa ao
largo, apesar de os ditos de quem se fala pertencerem a uma universidade de
Ciências Sociais. Não esqueço velhos tempos de Coimbra e conferências dadas por
artífices do saber, quantas vezes de bastante idade, alguns estrangeiros, que
estudantes perturbavam, saindo da sala de conferência a meio, em grupo ou
solitariamente, sala onde provavelmente entraram por a terem confundido com
qualquer evento lúdico da sua prática estudantil. Foi assim nos meus tempos de ontem,
mas já Verney, séculos antes, condenava a palhaçada de tanta da nossa pretensão
a uma prática cultural anquilosada e viciosa, e, um século depois, a Geração de
Setenta de finais de oitocentos bem se esforçou por lhe alargar os horizontes,
mas não resultou, num país onde se permite ainda hoje - mais do que ontem - a
prática de crime a coberto de praxes que põem a nu a nossa falta de respeito e
educação, verificável também nas praias que estrangeiros por vezes se entretêm
a limpar-nos, para nos fornecerem lições que não pretendemos seguir, os nossos
areais extensos possibilitando o encobrimento da nossa incúria manhosa e tosca.
O artigo de João Miguel Tavares, na sua
indignação que outros articulistas igualmente manifestaram, a respeito do
boicote à conferência de Jaime Nogueira Pinto, aponta desassombradamente um
caminho de maior racionalidade e lisura:
VINTE E QUATRO PALERMAS E UM DIRECTOR MEDROSO
Publico, 9 de Março de 2017
João Miguel Tavares
Comecemos
por relativizar as coisas: foram 24 estudantes. Não foram 2400,nem
240.Foram 24. Vinte e quatro tontos que numa RGA na
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas votaram favoravelmente uma moção que
exigia o cancelamento da reserva da sala onde se iria realizara conferência de
Jaime Nogueira Pinto. Como é que 24 pessoas conseguiram tal coisa numa
faculdade que tem quase cinco mil alunos? Simples: participando numa RGA
onde, pelos vistos, só havia membros da associação de estudantes e seus amigos.
Como a inexistência de quorum não impede a tomada de decisões, 0,5% dos
alunos da FCSH conseguiram desprestigiar uma faculdade inteira e inaugurar em
Portugal a censura de esquerda nos meios universitários. Primeira lição
a tirar deste caso: a deserção cívica é o primeiro passo para os
extremistas imporem a sua lei.
Segunda
lição a tirar deste caso: a luta pela liberdade de expressão é
um dos combates mais sérios e necessários dos nossos dias. Aquilo
que se está a fazer em nome de uma agenda progressista é promover o exercício
da censura nos espaços que nasceram para estimular o debate intelectual livre.
Ler a acta da RGA que impediu Nogueira Pinto de falar, o conteúdo da
moção que aprova e a subsequente justificação da associação de estudantes é
chocante, desde logo porque encaixa como uma luva na vergonhosa cultura dos trigger
warnings e atenta contra a mais básica lição de John Stuart Mill:
silenciar uma opinião é roubar a humanidade do seu mais valioso
património, pois se essa opinião estiver errada perdemos uma oportunidade de
denunciar a sua falsidade.
Numa
das primeiras justificações que apresenta para a sua decisão censória, a
associação de estudantes da FCSH afirmou esta coisa extraordinária: ”Por
sermos, efectivamente, uma universidade onde a liberdade do pensamento e o
pensamento crítico são promovidos, não compactuamos com eventos apresentados
como debate sob égide de propaganda ideológica dissimulada de cariz
inconstitucional.” Que é como quem diz: promovemos a liberdade de
pensamento e de crítica desde que as pessoas pensem como nós. Ora
,estes estudantes, tão preocupados com o fascismo e com a
“inconstitucionalidade” do grupo que promoveu a conferência de Jaime
Nogueira Pinto, está a decalcar a argumentação inscrita na Constituição
fascista de 1933.
Também
ela garantia “a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma”,
exceptuando aqueles ”factores que desorientem contra a verdade, a justiça, a
moral e o bem comum”. É por isso que extrema direita e extrema esquerda são
duas faces de uma mesma moeda: uns gostam de Salazar, outros copiam os seus
métodos.
Mas
nada disto teria sido possível sem o lastimável papel do director da FCSH.
Receoso de que o evento pudesse “ desviar-se para extremos que não interessam”,
Francisco Caramelo deixou cair a conferência, prometendo que “chegará
o momento em que a instituição, no quadro de um debate mais alargado,
considerará oportuno” voltar a convidar Jaime Nogueira Pinto. Esta é a
terceira lição a tirar do caso: à deserção cívica e ao desprezo pela
liberdade de expressão junta-se a cobardia intelectual. É uma vergonha ver o
director de uma faculdade portuguesa deixar espezinhar o direito ao debate
livre e ao exercício da palavra para evitar empurrões e insultos. A liberdade
na FESH está a ser vendida a um preço demasiado baixo.
Mas
o artigo de João Miguel Tavares lembra-me um que escrevi (in “Pedras
de Sal”, 1974) - “Quem são os carrascos?”, de resposta
a uma tentativa (dos democratas moçambicanos) - bem sucedida - de boicote à
minha colaboração “fascista” no jornal Notícias. Dele transcrevo o 1º e
o 4º parágrafos que um estado de espírito de repúdio tornou parecido com o de JMT:
«Quem
são os carrascos? : A folha informativa nº 10 dos nossos Democratas, (25/5/74),
ataca um artigo da «Tribuna Livre» de 20 do corrente o qual, por ser meu, me
proponho defender dentro da independência de pensamento que sempre norteou os
meus actos e cujo direito reivindico:
…..3º-
Exigem os nossos Democratas que essas vozes se calem, em nome dos “Direitos
Fundamentais do Homem. Creio bem que entre esses direitos se conta exactamente
o da liberdade de expressão, antes reprimida - embora não totalmente - e agora
permitida. Pergunto, pois, aos nossos Democratas, em nome de que princípio
exigem o silêncio dessas vozes, apenas porque contrariam as suas. Será que a
liberdade concedida não poderá
manifestar-se senão dentro do seu programa democrático? Mas isso seria uma
incompreensível adesão dos seus princípios aos princípios fascistas! Não me
parece justo que eles assim se queiram identificar com o regime tão
energicamente repudiado!...»
Não
se muda assim, ora essa!! Qual Salazar! Qual carapuça!
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