sábado, 11 de março de 2017

Esprit de finesse



«O coração tem razões que a razão desconhece», disse-o Pascal e eu repito, para comentar com eficácia racional a argumentação de João Miguel Tavares a respeito do obstáculo posto pelo PS à exigência do PSD, de transparência na questão da referida troca de mensagens entre Carlos César e Mário Centeno. Na sua qualidade de jornalista, mas também na de cidadão de olhos abertos e de defensor, para o nosso país, de princípios de inteireza moral, João Miguel Tavares ataca o PS, que põe obstáculos a que a verdade se apure.
Eu julgo que António Costa e os seus acólitos, em vez das razões pedidas, ditadas por um espírito cartesiano, que tem a ver com os meandros cerebrais, envereda pelas vias da sua habitual finura política, condicionada pelos impulsos sanguíneos do seu batimento cardíaco em concomitância, é certo, com as razões da sua razão voluptuosa do poder.
Eu só acho que, quanto a isso, nada temos a esperar, hélas! nem de uns nem de outros. Já desde os primórdios do 25 de Abril se ouvia falar de transparência, com muita severidade de exigência, acusando-se o regime anterior de falta dela. Os princípios da moral não estão consignados na Constituição como regras a cumprir-se. E mesmo que estivessem! Somos povo pacífico, não de finesse mas de finura na arte de escapar às exigências da moral. Daí que quem está no poder se favoreça, com os seus biscates de governança segundo a tal finura eficaz, que proporciona tranquilidade na rede do poder estabelecido.
 Democracia? Julgo que é sempre a ditadura que nos comanda, mesmo no rotativismo dos partidos no poder. Tudo como dantes… Aliás, neste momento, é o povo quem mais ordena dentro da nossa cidade. E estamos a preparar alunos nas escolas para que seja pior ainda o nosso caos futuro.

De que tem medo o PS?
João Miguel Tavares
Público, 18 de Fevereiro
Confrontado com o anúncio da constituição de uma nova comissão de inquérito à CGD, desta vez abarcando o período de administração de António Domingues, o Partido Socialista respondeu de imediato com um ataque preventivo. Carlos César afirmou que o PS não irá aceitar diligências numa futura comissão que desrespeitem “o que diz a constituição”, pois “o cumprimento da lei não está confinado às circunstâncias políticas”. Adoro quando os políticos enchem a boca de grandes princípios apenas para justificar intenções rasteiras. Traduzindo por miúdos, aquilo que César quer dizer é apenas isto: o PS vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que nunca seja conhecida a troca de SMS entre António Domingues e Mário Centeno.
Ora , até mesmo para quem, como eu, acredita que o que aconteceu na Caixa foi uma série de equívocos que acabaram por tomar uma dimensão catastrófica, e que no inicio deste processo ninguém estava realmente mal-intencionado, este fechar de linhas do PS em torno de Centeno(e de Costa? E de Marcelo?), com o auxilio do Bloco e do PCP, querendo impedir a todo o custo um direito de escrutínio e vigilância que é obviamente uma das tarefas fulcrais do Parlamento, já começa a pisar a linha vermelha  daquilo que é democraticamente aceitável. Como  ontem lembrou o CDS, ainda há uma semana o PS garantia, todo impante, que as acusações que recaíam sobre o ministro das Finanças eram uma “montanha que pariu um rato”. Há dois dias, quando o PSD e CDS viram bloqueada a sua tentativa de aceder aos SMS, com o argumento de que a actual comissão de inquérito não se debruçava sobre a administração de António Domingues, Carlos César convidou a direita a criar uma nova comissão protestativa, para averiguar esse período. Agora que essa comissão é anunciada, regressa o argumento de que o acesso a comunicações privadas é inconstitucional.
Comunicações privadas? Mas quais comunicações privadas? Trocas de SMS sobre assuntos do Estado, entre o presidente de um banco público e o ministro das Finanças, são comunicações privadas porquê? Por serem feitas por um telemóvel muito provavelmente pago com os nossos impostos? E por mail já não são privadas? Num smartphone de última geração, qual é realmente a diferença entre um mail e um SMS? Ou ainda se exige papel de 25 linhas, carta registada e o timbre do Ministério das Finanças para uma comunicação ser declarada como oficial? Esta discussão é patética. Só falta o PS invocar Marshall McLuhan e fazer cartazes a anunciar: ”O meio é a mensagem”. Sim, o PSD e o CDS agarram-se à Caixa por politiquice, porque encontraram uma brecha na muralha governativa fácil de atacar, ainda que o assunto tenha pouca relevância para o futuro do país. Chama-se a isso “estar na oposição”.
Mas aquilo que o PS está a fazer chama-se obstrução política, uma espécie de filibuster “tuga” com o único objectivo de impedir que o Parlamento e os portugueses saibam aquilo que têm o direito de saber. Mais: tendo em conta os seis anos de José Sócrates, e a opção de António Costa em reintegrar vários dos seus ministros, o PS tem particulares responsabilidades em questões de transparência.
António Costa não é, felizmente, nem Sócrates, nem na seriedade, nem no modo de fazer política. Mas esta atitude do PS, e este seu nível de argumentação, é igualzinho àquele que tivemos de suportar entre 2005 e 2011. Mais disso não, muito obrigado. Já chega. Quanto mais o PS quer esconder, mais nós queremos saber.

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