Falou-se
de cigarros como causadores de males escusados e a minha irmã perguntou à nossa
amiga se os filhos ainda fumavam e, ante a confirmação, a minha irmã, que tem confiança no seu poder persuasivo,
perguntou-lhe por que não tentava corrigi-los. Ainda eu estava a remoer o
alcance da pergunta - os nossos filhos sendo de idades parecidas - quando, nos
seus largos jeitos de resposta pronta, a nossa amiga sacudiu as suas
responsabilidades: «- As mães são as
últimas a conseguir.»
Rimo-nos,
mas já a minha irmã, no seguimento da sua preocupação, explicou que a nossa maior
exportação consiste em medicamentos feitos cá, “mais do que a da cortiça e
do vinho juntos” ouvira na Rádio Renascença e então percebi o porquê de tomarmos
tanta medicação, de tenra data, para a concentração e para a estabilidade
emocional por cá, a par do fortalecimento dos laboratórios, que assim
providenciam, de parceria com as políticas governamentais, tão responsáveis pelos
traumas. Por outro lado, do ponto de vista económico, esse potencial exportador
parecia boa mina que nos ajudaria a erguer da crise.
Chegaram
a minha Paula e a minha neta Catarina, com o seu Nuno a crescer-lhe numa
barriga a pedir já repouso, e houve regozijo em redor. A Catarina é uma mocinha
bondosa e alegre e logo ali encontrou a enfermeira que tratou dela no berçário
quando a Catarina nasceu, e que veio abraçá-la e à mãe, no espanto da maternidade,
que tem sempre algo de milagroso.
E
a propósito de dietas, falou-se de comidas úteis para o desenvolvimento do
bebé, e a Paula contou de um peixe bom e fresco que comprara, e que a Catarina
apreciara.
Eu,
que não percebo de peixes, que me aparecem sempre de olhos baços, expliquei que
vou aos congelados, mas fui perguntando se já alguém comera perca do Nilo, que
parecia um peixe bonito na banca, mas a minha irmã logo contou que comera e não
gostara, acrescentando com energia: «-Deitei um bocado da posta fora, tendo
eu ficado amplamente esclarecida para não me meter em experiências com
percas enganadoras, pois gosto de aproveitar todas as postas.
Foi
então que a conversa girou sobre as descargas poluentes nos rios, a nossa amiga
deu informações, sempre a par dos escândalos que por cá vão, ou mesmo os de
fora.
Logo
a Paula sentenciou que, segundo lhe contara o Pedro - nosso primo, terceiro dela, que estivera em
sua casa durante os dois meses da sua colocação, numa escola de Cascais, por
substituição de um colega doente - e que ela recebera em sua casa, amplamente
satisfeita com o auxílio culinário do
Pedro, que a ajudara a erguer-se de uma depressão, com os seus pratos de
legumes no forno. Explicou, pois, a Paula:
-
Tudo o que a gente come, é melhor não se averiguar donde vem. O Pedro diz que
tudo o que se come tem tanto antibiótico que estamos feitos ao bife.
Patrioticamente
a minha irmã logo defendeu o produto açoriano, parece que baseada num reclame,
que citou: “As vacas felizes dos Açores são do melhor que há”,
fornecendo precisões sobre os produtos por elas fornecidos e logo nos chega a
voz da nossa amiga concludente:
-
Aquilo tem muita pastagem e paisagem.
Mas
já a Paula estava numa de bifes, em defesa do seu pessimismo gastronómico recente:
-
«Os bifes na grelha não assam. Cozem, tanta é a água que deitam.»
A
minha irmã discordou: «Eu grelho numa chapa, e nunca dei por isso.» Mas
também eu pensava que a água provinha do descongelamento. A Paula insiste, com mansidão: «- Aquilo é só
bolhas de água a sair do bife, que até assusta.» E acrescenta, nitidamente convertida
à cozinha vegetariana:
-
O Pedro faz jardineira de cogumelos com ervilhas. Os cogumelos têm mais
proteínas do que a carne».
Mas
a minha irmã, que também arrisca nessas comidas que, quanto a mim, limitada que
sou às sopas e aos pratos que já a minha mãe fazia, sem mariquices de perdas de
tempo, confirmou a sua cultura dietista:
-
Eu costumo fazer com alho francês, com cogumelos, beringela…
A
Paula lembrou mais uma vez os pratos recentes que aprendera:
-
O Pedro faz alho francês à Brás. Não se sente a falta do bacalhau.
Eu
mal tinha tempo de saborear por reflexão tanta culinária que nunca provei, entretida
a tirar notas que conhecimentos de estenografia facilitariam.
A
conversa virou para Carlos Carranca, pessoa que ultimamente faz parte das
nossas preocupações, pois está doente. Mas desta vez a Paula vinha documentada
com notícias e, sobretudo, com imagens no seu telemóvel de uma bela serenata
que os seus alunos de teatro lhe fizeram, um desses alunos cantando a canção
que Carlos Carranca costumava cantar com Luís Goes - “Cantiga para quem
sonha”. Uma linda voz a do aluno, uma linda homenagem a dos seus alunos,
que me fez voltar a escutar, em casa, Luís Goes, e a transcrever a letra canção,
da Internet, com os votos de recuperação da sua saúde. Carlos Carranca é marido da Rosa, colega da Paula, é pessoa
bem conhecida nos meios intelectuais, encontro na Internet largas referências a
ele e até mesmo um seu comentário a Luís Goes e à mesma canção, e que
igualmente transcrevo:
Cantiga para quem sonha por Luís
Goes
Tu que tens dez réis de esperança e de amor
grita bem alto que queres viver.
Compra pão e vinho, mas rouba uma flor.
Tudo o que é belo não é de vender.
Não vendem ondas do mar
nem brisa ou estrelas, sol ou lua cheia.
Não vendem moças de amar
nem certas janelas em dunas de areia.
Canta, canta como uma ave ou um rio.
Dá o teu braço aos que querem sonhar.
Quem trouxer mãos livres ou um assobio
nem é preciso que saiba cantar.
Tu que crês num mundo maior e melhor
grita bem alto que o céu está aqui.
Tu que vês irmãos, só irmãos em redor,
crê que esse mundo começa por ti.
Traz uma viola , um poema,
um passo de dança, um sonho maduro.
Canta glosando este tema,
Em cada criança há um homem puro.
Canta, canta como uma ave ou um rio.
Dá o teu braço aos que querem sonhar.
Quem trouxer mãos livres ou um assobio
nem é preciso que saiba cantar.
Letra - Leonel Neves
Música - João Gomes
Canta - Luiz Goes
grita bem alto que queres viver.
Compra pão e vinho, mas rouba uma flor.
Tudo o que é belo não é de vender.
Não vendem ondas do mar
nem brisa ou estrelas, sol ou lua cheia.
Não vendem moças de amar
nem certas janelas em dunas de areia.
Canta, canta como uma ave ou um rio.
Dá o teu braço aos que querem sonhar.
Quem trouxer mãos livres ou um assobio
nem é preciso que saiba cantar.
Tu que crês num mundo maior e melhor
grita bem alto que o céu está aqui.
Tu que vês irmãos, só irmãos em redor,
crê que esse mundo começa por ti.
Traz uma viola , um poema,
um passo de dança, um sonho maduro.
Canta glosando este tema,
Em cada criança há um homem puro.
Canta, canta como uma ave ou um rio.
Dá o teu braço aos que querem sonhar.
Quem trouxer mãos livres ou um assobio
nem é preciso que saiba cantar.
Letra - Leonel Neves
Música - João Gomes
Canta - Luiz Goes
«A
sua obra é um monumento humano. É obra moça. Não exibe velhices precoces, é
fruto de uma personalidade riquíssima, de uma sensibilidade invulgar e de uma
visão plural da vida.
–
É através de ti, da tua voz, das tuas interpretações, dos teus poemas, que
Coimbra ultrapassa os limites da cidade, vai mais longe. Vai ao encontro de
quem sonha, do homem só, adquire sangue novo.
Os
labirintos da nossa alma profunda percorrem as suas canções. São pedaços de
nós, de Portugal, de uma paisagem física e humana que visceralmente somos.» (Carlos Carranca) Cascais
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