sexta-feira, 17 de março de 2017

Mas com muita inventividade



Comentários serão inutilidade, tal a engenhosidade do texto de Bagão Félix, prova de responsabilidade na sua fogosidade verbal de extrema seriedade, apesar da alacridade que provoca, na generalidade.

ABSTRACCIONALIDADE…SEM INTENCIONALIDADE
António Bagão Félix
Público, 10 de Março de 1917
Pouco a pouco, mas já com expressão significativa, eis que está na moda de certas cabeças- dadas a criar neologismos de pretenso elitismo e absolutamente desnecessários e injustificados - a produção de substantivos rebuscados, se possível difíceis de entender para o comum dos mortais. Não certamente daqueles que escrevem nas sms ou que são exportados para o descritivo de contas offshores. Refiro-me a substantivos abstratos cavalgados em cima de adjectivos que, por sua vez, derivam de substantivos bem mais usuais. Seguem a regra de , através daquela sequência, juntar ao adjectivo o sufixo “(i)dade” que , em tese, exprime a noção de qualidade, condição ou situação. Por exemplo, contexto / contextual/ contextualidade. Muito recentemente e a título de exemplos, pudemos ouvir várias declarações mediáticas expressando este modismo linguístico. O resultado não foi o que nós queríamos, mas não tivemos a culpabilidade. O substantivo culpa gerou o adjectivo culpável e este - em segunda geração-pariu o substantivo culpabilidade. Uma outra frase que tive ocasião de ouvir na televisão: Vamos falar agora de um caso que hoje mereceu noticiabilidade no jornal… Brilhante, esta noticiabilidade. Há poucos dias , a propósito dos dez mil milhões em paraísos fiscais, um membro do governo afirmou que não tinha indícios…de que tenha havido intencionalidade de…
Em alguns casos até se pode perceber alguma subtil diferença entre os dois tipos de vocábulos, desde que usados no contexto adequado. E se alguns casos a palavra até existe e está devidamente dicionarizada, o seu uso transmite uma ideia de complicar o que se deveria dizer de modo bem mais escorreito e directo.
Alguém diz em casa, gosto da confortabilidade deste sofá, em vez de “conforto deste sofá”? Ou hoje sinto uma grande irritabilidade por causa de…,em vez de “irritação”? Ou dir-se-á a um filho estudante que a sua asnidade só se ultrapassa com muito estudo?
Para quê usar palavras complicadas (e quase sempre sem sentido) quando temos à nossa disposição vocábulos bem mais simples e amigos? Já não nos bastam os neologismos estrangeiros e os abusos do “siglês” com que, diariamente, somos confrontados?
Bem, ficaria mal comigo se não acabasse este texto sem dar algumas “sugestões” para quem goste do complicómetro linguístico e queira aumentar o seu manancial de substantivos abstratos de abastança silábica. Começo por pedir desculpa pela “informatibilidade” de os referir sem “contextualidade”. Aí vão uns tantos: aspectividade, afeccionabilidade, alternabilidade, artificiosidade, fundibilidade, futurabilidade, negabilidade, possessibilidade, gannciosidade, preservabilidade, prescritibilidade, pressionabilidade, garbosidade, partibilidade, retributividade, substitutibilidade, vivenciabilidade, volumosidadade, procrastinibilidade, reabsorvibilidade, readaptabilidade, coordenatividade, dolorosidade, bravosidade, capacitividade, analiticidade. A quais destes substantivos dá o leitor a devida “aceitabilidade ou preferenciabilidade nesta situacionalidade?
Para que o brilhantismo seja maior, nada melhor que tudo seja envolto numa arquitectura organizacional e sistémica não disrutptiva, sujeita a procedimento concursal, tendo em consideração uma perspectiva integracional, multifocal e societal e uma maturação resiliente de empoderamento agilizadamente proactivo, mas alocado num contexto de geometria variável.
Desculpem-me a “complexificação”, que ao que julgo consiste em complicar o que é complexo.

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