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serão inutilidade, tal a engenhosidade do texto de Bagão Félix, prova de
responsabilidade na sua fogosidade verbal de extrema seriedade, apesar da
alacridade que provoca, na generalidade.
ABSTRACCIONALIDADE…SEM INTENCIONALIDADE
António Bagão
Félix
Público, 10 de
Março de 1917
Pouco
a pouco, mas já com expressão significativa, eis que está na moda de certas
cabeças- dadas a criar neologismos de pretenso elitismo e absolutamente
desnecessários e injustificados - a produção de substantivos rebuscados,
se possível difíceis de entender para o comum dos mortais. Não certamente
daqueles que escrevem nas sms ou que são exportados para o descritivo de contas
offshores. Refiro-me a substantivos abstratos cavalgados em cima de
adjectivos que, por sua vez, derivam de substantivos bem mais usuais. Seguem a
regra de , através daquela sequência, juntar ao adjectivo o sufixo “(i)dade”
que , em tese, exprime a noção de qualidade, condição ou situação. Por
exemplo, contexto / contextual/ contextualidade. Muito recentemente e a
título de exemplos, pudemos ouvir várias declarações mediáticas expressando
este modismo linguístico. O resultado não foi o que nós queríamos, mas não
tivemos a culpabilidade. O substantivo culpa gerou o adjectivo
culpável e este - em segunda geração-pariu o substantivo culpabilidade. Uma
outra frase que tive ocasião de ouvir na televisão: Vamos falar agora de um
caso que hoje mereceu noticiabilidade no jornal… Brilhante, esta
noticiabilidade. Há poucos dias , a propósito dos dez mil milhões em
paraísos fiscais, um membro do governo afirmou que não tinha indícios…de que
tenha havido intencionalidade de…
Em
alguns casos até se pode perceber alguma subtil diferença entre os dois tipos
de vocábulos, desde que usados no contexto adequado. E se alguns casos a
palavra até existe e está devidamente dicionarizada, o seu uso transmite uma
ideia de complicar o que se deveria dizer de modo bem mais escorreito e
directo.
Alguém
diz em casa, gosto da confortabilidade deste sofá, em vez de “conforto
deste sofá”? Ou hoje sinto uma grande irritabilidade por causa de…,em
vez de “irritação”? Ou dir-se-á a um filho estudante que a sua asnidade
só se ultrapassa com muito estudo?
Para
quê usar palavras complicadas (e quase sempre sem sentido) quando temos à nossa
disposição vocábulos bem mais simples e amigos? Já não nos bastam os
neologismos estrangeiros e os abusos do “siglês” com que, diariamente, somos
confrontados?
Bem,
ficaria mal comigo se não acabasse este texto sem dar algumas “sugestões” para
quem goste do complicómetro linguístico e queira aumentar o seu manancial de
substantivos abstratos de abastança silábica. Começo por pedir desculpa pela “informatibilidade”
de os referir sem “contextualidade”. Aí vão uns tantos: aspectividade,
afeccionabilidade, alternabilidade, artificiosidade, fundibilidade, futurabilidade,
negabilidade, possessibilidade, gannciosidade, preservabilidade, prescritibilidade,
pressionabilidade, garbosidade, partibilidade, retributividade, substitutibilidade,
vivenciabilidade, volumosidadade, procrastinibilidade, reabsorvibilidade, readaptabilidade,
coordenatividade, dolorosidade, bravosidade, capacitividade, analiticidade. A
quais destes substantivos dá o leitor a devida “aceitabilidade ou
preferenciabilidade nesta situacionalidade?
Para
que o brilhantismo seja maior, nada melhor que tudo seja envolto numa
arquitectura organizacional e sistémica não disrutptiva, sujeita a procedimento
concursal, tendo em consideração uma perspectiva integracional,
multifocal e societal e uma maturação resiliente de empoderamento agilizadamente
proactivo, mas alocado num contexto de geometria variável.
Desculpem-me
a “complexificação”, que ao que julgo consiste em complicar o que é complexo.
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