É acerca dos Cortesãos que versa o capítulo LVI de “Elogio da Loucura”, em traços tão verrinosos, que não resisto a traduzir, na constatação da perenidade do retrato humano, e do desassombro crítico de Erasmo, com os antecedentes clássicos pesando no seu texto, pejado de referências consagradas – o que nos leva mais longe ainda na mesma constatação de escassa evolução da mente e sensibilidade humanas, mudadas, embora, as circunstâncias trazidas pelo progresso:
LVI- “Que direi das Gentes da Corte? Não há nada mais rasteiro, mais servil, mais estulto, mais vil do que a maior parte deles, e eles não pretendem menos do que o primeiro lugar em toda a parte. Num ponto apenas são muito reservados; contentes por cobrirem o corpo de pedrarias, púrpura, e os diversos emblemas das virtudes e da sabedoria, eles deixam a outros a prática daquelas. Toda a sua felicidade consiste em terem o direito de chamar ao rei “Majestade”, saberem saudá-lo em três palavras, prodigalizar títulos oficiais onde é questão de Serenidade, de Soberania, de Magnificência. Com elas enlambuzam o focinho, recreiam-se na adulação; tais são os talentos essenciais do nobre e do cortesão.
Se olhardes mais de perto, vereis que eles vivem como verdadeiros Feácios, como pretendentes de Penélope; conheceis o fim do verso que Eco vos dirá melhor do que eu. Eles dormem até ao meio dia; um seu padreco assalariado, que espera ao lado da cama, engrola-lhes, mal se levantem, uma missa apressada. Acabado o almoço, o jantar os chama. Depois, são os dados, o xadrez, os adivinhos, os bobos, as mulheres, os divertimentos e as conversatas. A meio, uma ou duas colações; depois, sentam-se novamente à mesa para a ceia, seguida das libações. Desta maneira, sem risco de aborrecimento, transcorrem as horas, os dias, os meses, os anos, os séculos. Eu própria deixo com desgosto estas altas personagens, que se julgam da elite dos Deuses, e se imaginam mais perto deles quando arrastam uma cauda maior. Os grandes, ao desafio, abrem passagem às cotoveladas, para chegarem mais próximos de Júpiter, não aspirando senão a balancear ao pescoço uma corrente mais pesada, alardeando assim, ao mesmo tempo, a força física e a opulência.»
A minha amiga, contudo, encontrou muitas anomalias, muitos anacronismos no retrato apresentado, só simbolicamente aceite como paralelo. As diferenças são mais que muitas, agora não é só comer, dormir e fruir. Também se vive de maquinações e de intrigas, secundados pelos jornalistas, os paparazzi, construtores de mitos. Ainda se repetem, em eco, as doutrinas do chefe, mas pratica-se mais desporto e o próprio PM dá o exemplo, com os seus percursos pedestres antistressantes, que poucos imitadores terá, todavia, e é por isso também que ele se diz sozinho, a puxar, mas sem stress, enquanto os acólitos se empenham com cotovelos e stress, para se chegarem à mesa da pátria, sem precisarem de padre engrolando missas à pressa, pois não há consciência de culpa.
A propósito do desporto dos acólitos, lembrámos até o ex-ministro Deus Pinheiro, no tempo em que se considerava Deus, embora, na altura, fosse apenas deputado europeu, a contar ao Herman José o seu caso pessoal de pessoa saliente e invejada, por, bon vivant, ainda que sem pedrarias à vista, numa pose de simplicidade camarada, ter conversas com outros deputados estrangeiros. Os companheiros, invejosos, viam-no bichanar e imaginavam quão altas seriam as conversas, talvez sobre complicados meandros da desorientada política nacional que poderia querer resolver, em inteligente discurso dedutivo ou, mais ao nosso jeito, pela cunha da nossa humildade. Radiante, explicou ao Herman que aquilo sobre que bichanavam ele e o deputado nórdico, eram apenas as tacadas no golfe, que ambos praticavam.
LVI- “Que direi das Gentes da Corte? Não há nada mais rasteiro, mais servil, mais estulto, mais vil do que a maior parte deles, e eles não pretendem menos do que o primeiro lugar em toda a parte. Num ponto apenas são muito reservados; contentes por cobrirem o corpo de pedrarias, púrpura, e os diversos emblemas das virtudes e da sabedoria, eles deixam a outros a prática daquelas. Toda a sua felicidade consiste em terem o direito de chamar ao rei “Majestade”, saberem saudá-lo em três palavras, prodigalizar títulos oficiais onde é questão de Serenidade, de Soberania, de Magnificência. Com elas enlambuzam o focinho, recreiam-se na adulação; tais são os talentos essenciais do nobre e do cortesão.
Se olhardes mais de perto, vereis que eles vivem como verdadeiros Feácios, como pretendentes de Penélope; conheceis o fim do verso que Eco vos dirá melhor do que eu. Eles dormem até ao meio dia; um seu padreco assalariado, que espera ao lado da cama, engrola-lhes, mal se levantem, uma missa apressada. Acabado o almoço, o jantar os chama. Depois, são os dados, o xadrez, os adivinhos, os bobos, as mulheres, os divertimentos e as conversatas. A meio, uma ou duas colações; depois, sentam-se novamente à mesa para a ceia, seguida das libações. Desta maneira, sem risco de aborrecimento, transcorrem as horas, os dias, os meses, os anos, os séculos. Eu própria deixo com desgosto estas altas personagens, que se julgam da elite dos Deuses, e se imaginam mais perto deles quando arrastam uma cauda maior. Os grandes, ao desafio, abrem passagem às cotoveladas, para chegarem mais próximos de Júpiter, não aspirando senão a balancear ao pescoço uma corrente mais pesada, alardeando assim, ao mesmo tempo, a força física e a opulência.»
A minha amiga, contudo, encontrou muitas anomalias, muitos anacronismos no retrato apresentado, só simbolicamente aceite como paralelo. As diferenças são mais que muitas, agora não é só comer, dormir e fruir. Também se vive de maquinações e de intrigas, secundados pelos jornalistas, os paparazzi, construtores de mitos. Ainda se repetem, em eco, as doutrinas do chefe, mas pratica-se mais desporto e o próprio PM dá o exemplo, com os seus percursos pedestres antistressantes, que poucos imitadores terá, todavia, e é por isso também que ele se diz sozinho, a puxar, mas sem stress, enquanto os acólitos se empenham com cotovelos e stress, para se chegarem à mesa da pátria, sem precisarem de padre engrolando missas à pressa, pois não há consciência de culpa.
A propósito do desporto dos acólitos, lembrámos até o ex-ministro Deus Pinheiro, no tempo em que se considerava Deus, embora, na altura, fosse apenas deputado europeu, a contar ao Herman José o seu caso pessoal de pessoa saliente e invejada, por, bon vivant, ainda que sem pedrarias à vista, numa pose de simplicidade camarada, ter conversas com outros deputados estrangeiros. Os companheiros, invejosos, viam-no bichanar e imaginavam quão altas seriam as conversas, talvez sobre complicados meandros da desorientada política nacional que poderia querer resolver, em inteligente discurso dedutivo ou, mais ao nosso jeito, pela cunha da nossa humildade. Radiante, explicou ao Herman que aquilo sobre que bichanavam ele e o deputado nórdico, eram apenas as tacadas no golfe, que ambos praticavam.
Não é, pois, como antigamente, digo bem. Agora contam-se as historiazinhas dos nossos gozos existenciais aos apresentadores televisivos, além de se escreverem autobiografias sobre as nossas existências de sucesso.
Julgamos, no entanto, que quem paga tudo isso é quem serve. Já era assim, e nisso não não mudámos. Intemporal.
Julgamos, no entanto, que quem paga tudo isso é quem serve. Já era assim, e nisso não não mudámos. Intemporal.
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