quinta-feira, 22 de julho de 2010

“O Corvo e a Raposa”

Esopo foi o primeiro
Que tratou o tema do adulador,
Um ser bem traiçoeiro
Que se serve da fraqueza
De quem precisa de ser elogiado
Para se sentir realizado,
Com muita insegurança e receio
Pelo meio.
Seguiu-se-lhe Fedro, do século primeiro
Que o imitou mas um pouco alterou,
Escolhendo o queijo em vez da carne
Para repasto do corvo
E pondo a raposa a falar
Como psicóloga acabada
Para melhor representar.
Também La Fontaine mudou
O teor da sua história,
Usando a forma dramática
Com personagens vivas e sentimentais
Que nem pareciam os animais
Dos fabulistas originais,
Parecendo seres reais
E sempre muito actuais!

Eis as fábulas, pois:

A fábula segundo Esopo:

“Depois de um pedaço de carne ter roubado
Um corvo numa árvore se pendurou.
Uma raposa o avistou.
Desejando da carne apoderar-se,
Diante dele veio postar-se
E pôs-se a elogiar-lhe a elegância
E o porte de qualidade;
Para mais, nenhum outro pássaro merecia
Mais do que ele, a realeza
Que sem dúvida obteria
Se a sua voz fosse de igual beleza.
O corvo, para lhe provar
Que tinha uma voz capaz
Para a realeza adquirir,
A carne deixou cair
E pôs-se a crocitar
Com muita firmeza.
Então a raposa vá de se precipitar,
Para a carne apanhar,
E assim lhe dizer:
Ó corvo, tivesses tu bons miolos
E nada te faltaria
Para reinares em alegria.
Esta fábula aplica-se aos tolos.

A mesma, segundo Fedro:

Como desejasse um queijo comer,
Por um postigo roubado,
Um Corvo, em alta árvore empoleirado,
Por uma raposa foi assistido

Que começou a dizer:
“- Oh! quanto é grande o brilho das tuas penas!
Quanto encanto, ó Corvo,
No corpo e no rosto andas mostrando!
Tivesses tu voz, ave nenhuma
Em suma,
Te seria superior!”
Mas ele, estulto, a voz desejando

Revelar,
Da boca o queijo soltou,
Que, nos dentes a raposa apanhou
Ávida e astuciosa
Como só a raposa

Sabe ser.
Somente então o pasmo do Corvo desiludido
O fez gemer.

A mesma, segundo La Fontaine:

Mestre Corvo, no seu poleiro
Em cima duma árvore,
Que poderia ser um pinheiro,
Tinha no bico um queijo.
Atraída pelo cheiro,
Dona Raposa,
Maliciosa,
Este discurso lhe fez,
Com o seu ar benazejo:
- “Bom dia, Senhor Corvo!
Como sois bonito
E pareceis radioso!
Na realidade,
Sem falsear a verdade,
Se o vosso canto trinado,
Se parecer com a formosura
Da vossa figura,
Sereis
A fénix dos hóspedes
Deste bosque encantado.
A estas palavras o Corvo, fremente,
Mal cabe em si de contente.
E para mostrar a voz de tal beleza,
Abre o bico com firmeza
E deixa imediatamente
Cair a presa.
A raposa, ágil como uma fera,
Dela se apodera
Dizendo: “Meu bom Senhor,
Sabei que todo o lisonjeiro
Vive à custa de quem o escuta
Com fervor.
Esta lição vale perfeitamente
Um queijo, sem desprimor.
Confuso e envergonhado
O Corvo jurou, embora tardiamente,
Que noutra não voltaria

A cair tão tolamente.


Na nossa fábula de agora
Mais ainda do que outrora
Há quem prefira a carne
Há quem o queijo pretenda
Há quem se deixe tentar
Pelo caviar.
Os pratos são variados
Bem ou mal confeccionados.
Mas as vozes superiores
São as dos tentadores,
Tartufos bons comedores,
E bons aproveitadores
Das fraquezas e vaidades
Dos donos das propriedades.
Nem vale a pena esmiuçar
Tão conhecida é a fábula,
E fácil de exemplificar,
Exercício de tradução,
Meramente de razão,
Para proporcionar prazer
A quem se quiser entreter
A ler.

Nenhum comentário: