quarta-feira, 21 de julho de 2010

O queijo

Foi na rádio que ouvi pela primeira vez que Angola ia pagar a Portugal, a curto prazo, às pequenas e médias empresas, a longo prazo, às empresas grandes a quem devia.
Era esse o resultado da visita do nosso venerando PR, que para lá se fez acompanhar de largo séquito de empresários portugueses, não sei se para angariar mais empresas angolanas, se para angariar os pagamentos em débito do governo de Angola ao governo português.
Levei a notícia à minha amiga, que a absorveu a haustos de grata e grada surpresa, na vibração ansiosa de quem deseja o melhor para nós, portugueses, dentro de uma linha de honestidade a eles, angolanos, imputável, bons alunos dos nossos velhos ensinamentos de ocidentais civilizados.
Entretanto, ao chegar a casa, olhei a página de Economia do Expresso, e li lá, escarranchados, alguns garrafais subtítulos informando que Angola iria pagar a Portugal com o dinheiro que Portugal ia previamente emprestar a Angola.
Telefonei à minha amiga, para desfazer as falsas impressões optimistas por mim colhidas no noticiário da rádio e logo difundidas junto dela, e por nós ambas tontamente exploradas com regozijo no café matinal, e regressarmos à realidade comezinha da nossa modéstia pátria, em pátria de tal modo modesta e complexada que a cada passo inventa estratégias para continuar a iludir, fingindo importância que ninguém lhe reconhece, nem mesmo os angolanos que queremos forçosamente que sejam nossos irmãos, enquanto eles se alcunham de povo colonizado e oprimido dantes, para poderem armar em colonizadores opressores agora e não pagarem o que devem, mesmo precisando de nós, por conta do afecto e da língua dantes angariados, e só agora por nós docemente reconhecidos, por conveniência própria nossa.
Concluímos, a minha amiga e eu, que bem podemos equiparar-nos aos bichos da fábula do Esopo, do Fedro e do La Fontaine – a raposa e o corvo - este o que tem o queijo no bico, aquela a que o elogia, mandando-o cantar para provar que é o máximo, aliando a voz à bela plumagem.
Nós queremos ser a raposa aliciadora, os angolanos serão o corvo imbecil, que abre o bico e larga o queijo.
Mas os angolanos não vão nessa, que prezam muito o seu queijo e a sua voz define-se bué diferentemente daquilo que imaginamos no nosso próprio interesse.
Teremos, forçosamente que enfiar o barrete das uvas verdes, de outra triste fábula de desaire para a raposa matreira.

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