quinta-feira, 1 de julho de 2010

Encomium moriae (11) – Intemporalidade

Às vezes, com a minha amiga, comentamos sobre a extraordinária lucidez revelada por Erasmo nos seus retratos, apoiado, é certo, na profusão de conhecimentos obtidos nos clássicos greco-latinos, e concluirmos, ante uma actualidade que não lhes é superior nos traços, nada tendo evoluído em sentimentos e suas manifestações, a não ser nas contingências do progresso, concluirmos, digo, sobre a universalidade e a intemporalidade do seu livro “O Elogio da Loucura”.
São assim, também, os capítulos seguintes, o XXVIII, sobre os ofícios e sua evolução, proporcionando o progresso da comodidade, graças à loucura vã dos homens que procuram a fama à custa de vigílias e suor, o capítulo XXIX rematando tal conceito pelo considerandum de que, vivendo o sábio, por timidez, refugiado nos livros, é ao louco, “isento de modéstia” que cabe a honra da coragem e do trabalho, donde a conclusão de que à Loucura cabe igualmente o mérito do bom-senso, mau grado os que protestam através do conceito de que “o mesmo é que casar a água e o fogo”.
Surgem assim os exemplos que mostram que “o rei vai nu”, na sua soberba e ostentação, tal como assim se mostram os actores a quem foi tirada a máscara dos seus papéis de importância.
E se um sábio pretende atacar o homem na sua soberba, considerando-o “o mais vil dos escravos”, porque se deixa manipular pelas sensações, logo será atacado como “louco furioso”:

XXIX – “... Tal como é uma extrema tolice exprimir uma verdade intempestiva, é uma autêntica inépcia ser sensato fora de propósito. Age inoportunamente quem não sabe acomodar-se às realidades tal como são, que não obedece aos usos, que esquece esta lei dos banquetes: “Bebe ou vai-te embora!” e que pede que a comédia não seja uma comédia. Tu mostrarás verdadeiro bom-senso, tu que não és mais que um homem, em não procurar saber mais do que os homens, dobrando-te de bom grado à opinião da multidão ou enganando-te complacentemente com ela. “Mas, dir-se-á, isso é uma autêntica loucura!” Não digo o contrário, desde que me concedam que assim se desenrola a comédia da vida.”

É o que diz o nosso provérbio “Maria vai com as outras”, é o que conta Bieito ao seu amigo Gil, na écloga “Basto” de Sá de Miranda, a respeito de um que se resguardou da chuva, ao contrário dos amigos que se espolinharam na chuva e na lama e o atacaram na sua prudência. Vai ele e diz:

“... - É assi que vai?
Não creio logo em meu pai
Se me desta água não molho.

Apaixonado qual vinha,
Achou un charco que farte;
O conselho havido o tinha:
Molhou-se de toda a parte,
Tomou-a como mezinha.
Quantos viram, lá correram:
Um que salta, outro que trota,
Quantas graças aí fizeram!
Logo todos se entenderam:
Ei-los vão numa chacota.

É assim connosco, foi assim connosco, as mudanças de regime não são propícias aos oponentes, como o não são os regimes dos que governam e que concitam inúmeros apoiantes, quaisquer que sejam as loucuras ou inépcias governativas.
Que o oportunismo, o interesse, são as grandes armas para a criação das máscaras da nossa chacota.

2 comentários:

anokas disse...

Olá Berta,

Envio-lhe aqui um Blog que concerteza achará interessante.

Do Prof. Luis Filipe Redes

http://semrede.blogs.sapo.pt/

anokas disse...

Ínteressante a analogia