E, feita a descrição do povo embrutecido que os chefes levam a seu bel’prazer, contando fábulas ilustrativas, os das chefias dependendo das bases para mais cómoda e eficiente organização governativa, continua a Loucura, no capítulo XXVII, a dissertar sobre a acção dos chefes, sobre cuja “vã glória de se alcançar o mando” os sábios lançam o anátema, que não têm mais que lançar:
XXVII - “Que há de mais insensato, dizem eles, do que lisonjear o povo, para uma candidatura, comprar os seus sufrágios, perseguir os aplausos de tantos loucos, comprazer-se a ser aclamado, fazer-se levar em triunfo como um ídolo ou ver-se em estátua de bronze no centro do forum? Acrescentai a isso a ostentação dos nomes e pronomes, as honras divinas prestadas a um pobre ser humano, as cerimónias públicas onde são enfileirados junto dos Deuses os mais execráveis tiranos. São de tal modo essas loucuras, que um único Demócrito não bastaria para delas troçar.” É certo; mas dessas loucuras nasceram os altos feitos dos heróis que tantas páginas brilhantes erguem às nuvens; elas engendram as cidades, mantêm os impérios, as magistraturas, a religião, os propósitos e os julgamentos dos homens. A vida inteira do herói não é mais do que um jogo de Loucura.”
Será loucura, mas “massaja o ego”, na expressão graciosa da minha amiga, evocando o herói-mor dos novos tempos, o Dr. Mário Soares, que ambas desconhecemos se já tem estátua, mas ambas vimos a ser festejado, qual santo patrono de um qualquer burgo afecto a idolatrias, com colchas às janelas e varandas das casas de uma terra de bom povo agradecido àquele herói que conduziu a pátria ao estatuto libertário em que se encontra agora, para comprazimento dos amantes das liberdades sem restrições.
Quanto a um dos seus sucessores, actual Primeiro Ministro, não temos qualificativo para ele, que não somos sábias, apenas vivemos os escândalos sucessivos de uma governação que, alcançada com o beneplácito público, se diverte a impor normas ou construções ao sabor dos seus radicalismos de governação impertinente e caprichosa. Uma das últimas foi a do encerramento de centenas de escolas, que a Educação do país lhe caiu no goto e nela faz finca-pé, por muito pé cochinho que outros entendem ser.
A última que nos surpreendeu foi sobre os mega-agrupamentos de escolas, e transcrevo o longo texto recebido por mail, que mal me atrevo a reduzir, tão sério me parece o assunto:
«VEM AÍ A GRANDE CONFUSÃO NO ENSINO PÚBLICO
Depois de anos de aceleradas convulsões e transformações nas escolas públicas do nosso país, depois de toda a instabilidade, discórdia e mau ambiente semeados nesta área crucial que é a educação, o governo central surge - já com as actividades lectivas encerradas e sem nada dizer aos diversos agentes educativos - a tentar fazer passar mais uma profunda alteração na organização da rede escolar.
No concelho de Cascais, o governo do PS pretende no imediato constituir dois mega agrupamentos de escolas:
Um com sede na Escola Secundária de S.joão do Estoril e abrangendo a EB 2,3 da Galiza, que irá absorver cerca de 2500 alunos. (!!)
Outro com sede na freguesia de Alcabideche, que incluirá a Escola Secundária Ibn Mucana, o actual Agrupamento de Escolas João de Deus, aque se irá juntar mais tarde a EB 2, 3 de Alcabideche, contituindo uma estrutura quase ingovernável que atingirá perto de 3000 alunos!
Qual o sentido e qual a lógica deste plano que merece a discordância dos directores das escolas, dos seus conselhos gerais, das associações de pais e até da Câmara Municipal de Cascais?
Esta reconfiguração surge depois de meia década de sucessivas reformas e profundas transformações no ensino público em Portugal – muitas delas inconsequentes e inúteis – numa fase em que as escolas muito carecem de estabilidade para desempenharem o seu trabalho.
Agora que as escolas e os agrupamentos – com directores eleitos há apenas um ano - procuram a adaptação possível ao ainda recente quadro legal herdado de ministra M.L. Rodrigues, eis que todas as direcções escolares são mandadas cessar funções, extinguindo-se uma parte e iniciando-se o complexo processo de reconstituição de outras direcções, já à frente de mega agrupamentos.
Com que critério se desbarata, desta forma ligeira, a ordem recente de um ano, acabada de construir – a custo – nas escolas?
Com a imposição dos mega agrupamentos, regressa a confusão e a instabilidade às escolas, prejudicando os agentes educativos no desempenho da sua principal função: transmitir e acessibilizar conhecimentos aos alunos.
Estas medidas, que ignoram as opiniões de quem está em interacção directa com a realidade local e escolar, lançam as escolas num sobressalto, colocando-lhes graves problemas organizacionais, pedagógicos, logísticos e de liderança, trazendo para a ordem do dia questões de poder tão desnecessárias quanto indesejáveis.
Pretende-se juntar debaixo da alçada de um só director meninos de 4 e 5 anos do ensino pré-escolar e os jovens de 17 e 18 anos do 12º ano.
No concelho de Cascais, como em vários pontos do país, já é sensível a consternação de vários sectores da comunidade educativa, entre pais, funcionários, educadores, alunos, directores e professores.
Porque não consultam as escolas, as associações de pais, os agentes educativos as Juntas de Freguesia e as comunidades do concelho, acerca de uma problemática que lhes diz, em primeiro lugar, respeito?
Como se ignora a Carta Educativa do Concelho de Cascais – documento aprovado em Assembleia Municipal, fundamentado em estudos, em dados consistentes e no conhecimento da realidade demográfica e sociológica concelhia – e se vêm impor com esta ligeireza medidas que lançam as escolas de novo na instabilidade e no conflito?
Senão vejamos :
- O gigantismo dos novos agrupamentos inviabiliza a gestão de proximidade e o contacto directo da direcção escolar com a realidade diversa das várias escolas e o conhecimento das pessoas, realidades e contextos particulares de cada escola.
- As proporções dos mega Agrupamentos dificultam ou mesmo comprometem a criação de uma identidade e uma cultura próprias de agrupamento, essenciais à afirmação de um projecto pedagógico consistente, indispensável à obtenção de bons resultados escolares.
- Não foram tidos na devida consideração e quantificados os custos pedagógicos que a entrada em mais um período de alterações profundas e instabilidade dentro das escolas vem provocar, depois da febre reformista dos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009 que arrastou para a tensão e para a conflitualidade o mundo da educação.
- Esta alteração na estrutura dos agrupamentos tal como existiam até agora, vem abalar a sua recém construída coesão e vem comprometer o trabalho de criação de uma identidade própria, de um projecto e de uma cultura próprias, desenvolvidos passo a passo ao longo dos últimos 6 ou 7 anos.
- O argumento da articulação pedagógica entre ciclos, que alguns evocam, é inconsistente, já que a articulação pedagógica entre ciclos tanto pode realizar-se eficazmente entre escolas de um mesmo agrupamento como entre escolas não agrupadas. A prática das escolas documenta ambas as situações, pelo que a experiência tem demonstrado que não é forçoso agrupar para articular os ciclos.
- Os Conselhos Gerais das escolas e agrupamentos - que nem um quarto do seu mandato cumpriram ainda – e os directores e respectivas direcções - que tomaram posse há cerca de um ano - terão agora que interromper o seu trabalho e cessar funções, tendo que constituir-se novas equipas directivas e ser formulados novos projectos educativos. Todo este processo constitui um desperdício do trabalho recentemente realizado nas escolas/agrupamentos e um dispêndio desnecessário de esforços e de horas de trabalho.
- Se vamos agrupar escolas, será do mais elementar bom-senso que comecemos por considerar:
(1) o critério de proximidade geográfica,
(2) as características sociológicas e culturais do meio envolvente;
(3) a afinidade das culturas escolares dos estabelecimentos abrangidos;
(4) a compatibilidade dos projectos pedagógicos assumidos pelas escolas em questão.
- Neste processo, vários projectos, coordenações e práticas pedagógicas que vêm patenteando, ano após ano, resultados de excelente nível nas provas de aferição a nível nacional, são obrigados a reformular-se e a adaptar-se a gigantismos e complexidades comprometedoras da qualidade de resultados até aqui registados.
- A identidade, a união, o projecto comum unificador a cultura própria de cada escola e de cada agrupamento – laboriosamente apurados e definidos ao longo dos últimos anos – são neste processo irresponsavelmente ignorados e atirados fora.
- A constituição de agrupamentos – nos casos em que tenha lugar – deve ser um processo partilhado e acompanhado pelas comunidades em que se inserem e não um processo artificial realizado a partir de gabinetes e alheio aos interesses pedagógicos e comunitários.
- Não é portanto admissível que não tenham sido escutados as direcções das escolas, os pais, os professores e os autarcas, nem tenha sido tido em consideração o meio social, a cultura e o projecto educativo de cada escola, nos planos de constituição de novos agrupamentos apresentados.
A oposição a esta medida está a provocar um crescente movimento de protesto em Cascais, existindo uma enorme expectativa de agentes educativos e de autarcas sobre a posição que o Presidente da Câmara irá tomar.
Numa matéria crucial para a educação no nosso concelho, será que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Cascais terá a coragem política de tomar uma posição de firme recusa desta medida, à semelhança do que estão a fazer outras autarquias por todo o país como as de Oeiras, Amadora?»
É este o herói, não de batalhas campais, mas batalhador segundo os seus critérios ambiciosos de comandante desejoso da estátua de que fala Erasmo, é este o herói que, com as suas fábulas de enfeitiçar o povo, consegue perpetuar a sua coroa de louros, num pobre país de mentecaptos, parasitas e aduladores, muito embora vozes de protesto se ergam, aqui e além, apontando o desastre, caso do documento acima transcrito, tão inútil como as vozes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário