E após ter demonstrado que o homem lhe é devedor no capítulo dos prazeres – “Que seria a vida, com efeito, e mereceria ela esse nome se o prazer faltasse?” (XII) - prossegue a Loucura com a descrição e confronto das idades em que a irracionalidade, a irresponsabilidade e o prazer dominam, (primeira idade, juventude, velhice – (“qui se ressemble s’assemble”, XIII) e o fastidioso da idade da razão e do trabalho, a idade adulta, da preocupação e da responsabilidade.
“Só a Loucura conserva a mocidade e põe em fuga a desgraçada velhice” (XV). Esta ilação e a anterior, que podemos traduzir, segundo as nossas tendências agrárias ou antes, pecuárias, tendências já, de resto, ultrapassadas, por “cada ovelha com sua parelha”, retomo-as como justificativas de uma tal atitude de ausência presidencial no cerimonial fúnebre em torno do nosso Prémio Nobel de Literatura, a pretexto de prometido e terno passeio pelo paraíso açoreano aos netinhos, embora eu veja no acto do nosso Presidente uma justa preocupação de poupança que o identifica com a adulta idade da razão, e mais agora que ele nos aconselhou a fazer férias nacionais, como medida anti-crise.
Mas, retomando os nossos carneiros, ou, à nossa lusa maneira amplificadora, voltando à nossa vaca "fria" - mesmo com o verão à porta - envereda Erasmo em XV pela “clientela” mítica, clientela da Loucura, já se vê, que todos esses deuses “levam a vida fácil, como conta Homero, e ninguém mais os censura”, para, em XVI se debruçar sobre o caso humano:
XVI - «É tempo, à maneira homérica, de deixar os céus e retornar à terra. Não achareis aqui nem alegria, nem felicidade, se eu não intervier. Vede primeiro com que sentido de previdência a Dama Natureza, geratriz e fabricante do género humano, se preocupou em apor a tudo um grão de loucura. Segundo os Estóicos, a Sabedoria consiste em se deixar guiar pela razão, a Loucura em seguir a mobilidade das paixões. Para que a vida dos homens não fosse totalmente triste e aborrecida, deu-lhes Júpiter muito mais paixões do que razão. Em que proporções? É o asse comparado à meia onça (proporção 24 para 51). Além disso, esta razão, relegou-a para um canto estreito da cabeça, abandonando às paixões o corpo inteiro. Enfim, à razão isolada, ele opôs a violência de dois tiranos: a Cólera que detém a cidadela do peito, com a fonte vital que é o coração, e a Concupiscência, cujo império se estende largamente até ao baixo-ventre. Como pode a razão defender-se contra estas duas potências reunidas? O uso comum dos homens mostra-o sobremaneira. Ela apenas pode gritar, até enrouquecer, as orientações do dever. Mas é um rei que enviam às urtigas, cobrindo de injúrias a sua palavra; já farto, ele cala-se e confessa-se vencido.»
A minha razão, aconselha-me a considerar que, no caso dos futebolistas portugueses é sua obrigação jogar bem, como profissionais desse ofício. E quanto a isso, não há paixão que se me imponha.
Não assim à maioria da nossa população, de paixões e afectos acirrados, que envolvem os seus futebolistas, à distância ou mesmo in loco, em festas contínuas de apoio e carinho, incansavelmente, pujantemente, gritadamente, vuvuzeladamente. Um massacre.
A minha razão, confinada a um insignificante triste espaço craniano, confessa-se vencida, completamente estirada nas urtigas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário