quarta-feira, 16 de julho de 2014

“Eu vou, eu vou, para casa agora eu vou…”




Um dia, quando se contar a nossa história livre de paixões e de facciosismos ideológicos, talvez um artigo como este, de Pedro de Avillez, que o blog “A Bem da Nação” retirou do Instituto de Democracia Portuguesa, conte para um apuramento sóbrio e exacto desta realidade portuguesa em que nos tornámos, desde que descemos ao inferno dos lixos, segundo empresas drásticas e tenebrosas na hetero-avaliação, desaparecida a modéstia e a imparcialidade na auto-avaliação, naturalmente não tenebrosa porque bem fortalecida economicamente.
A nossa história futura dirá também do que se fez de belo e bom neste país, que, rodando sempre em diminutos caminhos, cortados por uma estrada nacional e outras regionais, se apresenta agora rasgada, como nos outros países, por auto-estradas e espaços de beleza, produção e conforto como não tinha dantes, o que significa que mau grado os muitos desvios, os governantes governaram com os dinheiros alheios para melhorar as condições de vida do nosso país.
É belo e bom este país, temos condições para prosseguir, num caminho de realização e esperança. Este longo artigo de Pedro de Avillez  conta dos sacrifícios, das humilhações, mostra identidades de comportamentos com outros povos, igualmente desmesuradamente gastadores. E aponta no caminho da libertação, revelando que não é falso – ou pelo menos não totalmente falso - o que se conta do renascimento, aliás, o que quase só o Governo conta de resultados positivos da economia actual.
Dois anos de Troika, dois anos de empobrecimento. Mas não passávamos de gaios enfeitados com penas de pavão. Deixemos cair as penas do pavão. Limitemo-nos às nossas. No esforço. Como os anõezinhos da Branca de Neve, de regresso a casa, com os seus instrumentos de trabalho.
O texto de Pedro Avillez:
TRÊS ANOS DE TROIKA
 Em Maio de 2011, o governo do Partido Socialista, chefiado por José Sócrates, pediu um “bail-out” à UE/BCE/FMI, (designados por Troika) porque já não tinha dinheiro para pagar ordenados e para manter a máquina do Estado a funcionar, os bancos portugueses não conseguiam crédito no exterior para equilibrar os balanços e financiar a economia interna e a República Portuguesa não conseguia contratar dívida pública nos mercados financeiros.
Esta situação seguia-se à crise dos títulos de financiamento imobiliário nos EUA que levou a emblemática Lehman Brothers à falência, desencadeando pânico nos mercados de capitais. A desconfiança dos credores e a caça às bruxas começava. Os mercados redobraram de prudência e de exigência nas suas operações de financiamento internacionais.
A situação de endividamento crítico de Portugal surge num momento em que os mercados e a União Europeia discutem outros casos como a Irlanda e a Grécia. A situação extrema da Grécia despoletou a crise de insolvência dos chamados PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), que eram agora privados de acesso ao crédito internacional. Ficavam assim todos em situação de pré-bancarrota.
A situação da gigantesca dívida bancária ligada à especulação imobiliária na Irlanda tinha vindo entretanto a público - sendo o Governo derrubado - e a Irlanda tomou a iniciativa de procurar um resgate internacional. A Espanha era olhada há já algum tempo com desconfiança pois era conhecida a gigantesca e aterradora bolha do seu mercado imobiliário (as multiplicadas e inúmeras recentes construções imobiliárias eram de natureza especulativa, sem comprador ou mesmo utilizador possível!) e os montantes de dívida bancária associada impossíveis de resgatar. A crise foi ainda mais agravada com a publicidade dada às falsas estatísticas e contas públicas Gregas e com o conhecimento das despesas sociais, de generosidade escandalosa, na Grécia, uma economia nacional em que as despesas públicas eram assustadoramente superiores às receitas fiscais do Estado. A publicidade desta situação afectou a credibilidade de gestão das economias europeias periféricas, provocando reacções de preconceito racista e cultural dos países do Norte da Europa, seus parceiros na U.E.
Todas estas economias da Europa do sul tinham estruturas económicas viciadas, que não lhes permitiam gerar facilmente crescimento nem riqueza para libertar fundos, para fazer face ao serviço da sua dívida externa. Pior: tinham criado um aparelho de Estado demasiado grande em relação à sua economia nacional e gerador de despesa pública crescente, o que sufocava a criatividade e a produtividade da atividade económica geradora de riqueza. Muitos empregos tinham sido criados sem critérios de gestão e de preocupação de sustentabilidade. As despesas sociais de educação, saúde, reforma e pensões, iam sendo cada vez maiores e eram suportadas por populações que não cresciam. As suas populações eram cada vez mais desequilibradas, entre nacionais que trabalhavam e geravam receitas para financiar as instituições do Estado Social e os nacionais que estudavam ou se iam aposentando, estes dois últimos grupos cada vez mais numerosos.
Outras economias ainda mais endividadas que as dos PIGS – as da Grã Bretanha e Itália, por exemplo – não foram penalizadas pelos mercados porque eram politicamente mais credíveis, eram consideradas mais capazes de criatividade económica e de crescimento e capazes de honrar o serviço da sua dívida externa.
A Utopia da construção de uma Europa Federal e fraterna ficou a nu, pois não houve qualquer movimento político de apoio aos Estados em crise por parte dos restantes países da U.E.
A adesão ao Euro tirou aos países em crise a possibilidade de reequilibrarem as suas contas com o estrangeiro, através das clássicas desvalorizações da sua moeda. O Euro deixou de ser uma vantagem para os países mais fracos e ficou patente que a sua construção beneficiava sobretudo os grandes países com importante exportação industrial para o resto da zona Euro. Não há inocentes neste processo. A Alemanha que tanto se indigna com a Grécia não menciona nunca que exportou oito submarinos (iguais aos dois portugueses) e 400 tanques Leopard para a pequena economia Grega, tudo financiado pelos bancos alemães que agora ficaram apavorados com a dívida da Grécia. Os bancos Franceses também ficaram apavorados pois financiaram as caríssimas exportações para a Grécia de aviões militares franceses. Será que não havia outras formas de garantir a segurança do aliado Grego?
Se os países periféricos foram irresponsáveis na gestão do crédito internacional contraído, os credores também deviam saber o que andavam a fazer! A banca internacional não é isenta e deu grandes provas de ganância e de ignorância. Pouca atenção se tem dado entretanto à qualidade do crédito bancário concedido no interior das economias na União Europeia. Desse crédito, até há pouco fácil e generoso, a percentagem do crédito bancário “mal parado” dos bancos europeus será aterradora… Quando na macro economia se governa “às largas “, não se pode esperar que na micro economia se seja comedido e escrupuloso….
As economias dos PIGS foram desclassificadas há três anos pelas Agências de “rating” internacionais. Portugal passava então a ser classificado de lixo.
A maioria da população e os políticos mais iniciados ao funcionamento do mundo económico compreenderam que uma solução de “bail-out” negociada com a Troika, em que naturalmente o credor impõe as condições ou garantias económicas, seria a solução preferível e que garantia um futuro Europeu para Portugal. Uma recusa de pagamento da divida contraída no passado seria de consequências catastróficas para a população portuguesa. O exemplo doloroso e perlongado da Argentina ostracizada é um aviso. A saída de Portugal do Euro, para além das consequências imprevisíveis na permanência de Portugal na U.E., seria de difícil resolução e levanta inúmeras incertezas graves. Um Portugal desacreditado, numa caminhada isolada, cairia possivelmente numa situação ainda mais desastrosa para a economia nacional e sem esperança de um futuro europeu com potencial de negociação. A Assembleia da República fez cair o governo de José Sócrates, e as eleições de 5 de Junho de 2011 promoveram um governo de coligação entre o centrista PSD e o conservador CDS-PP que negociou com a Troika um empréstimo de 78 mil milhões de euros.
Os credores do socorro impuseram condições para o “bail-out”, situação normal em qualquer acordo de quem empresta dinheiro e tenta assegurar-se que receba depois o reembolso do crédito concedido. Desde a revolução dos ”cravos” de 1974, Portugal já recorreu a dois outros “bail-out”, ambas as vezes sob Governos presididos por Mário Soares….e como seria de esperar, sempre com condições duras.
Este empréstimo foi organizado sob condição de cortes nas despesas do Estado, reflectidas nos Orçamentos anuais do Estado Português, que implicavam reduções nos valores dos salários dos empregados públicos, reduções de benefícios de aposentação, cortes em instituições e serviços oficiais, privatização do capital social de grandes empresas no sector empresarial do Estado (grandes utilizadoras de crédito nacional e internacional). Implicavam também uma série de reformas estruturais da Educação, da Justiça, da Saúde, e da legislação do trabalho. Foi estabelecido um calendário de redução progressiva dos níveis de défice orçamental, com a meta de 2,5% do PIB em 2015 e da redução da divida pública que terá que cair para 60% do PIB em 2035, como sucede aliás para todos os membros da U.E.
Contudo, o Governo PSD–CDS não conseguiu fazer uma grande parte das projectadas reformas do Estado. Estas reformas não foram encetadas com determinação no início da acção deste Governo, quando havia mais predisposição para a população e grupos de pressão em aceitar reformas perante o estado de choque em que o país acordava. O Governo hesitou em fazer face à resistência esperada. Mais tarde, foi já tarde. A acção do Governo concentrou-se sobretudo numa política de austeridade e privatizações, com algumas reformas estruturais limitadas. O Estado Social teve poucas reformas e pouco se fez para garantir a sua sustentabilidade. Mas a Administração Pública reduziu despesas e os défices do Estado deverão estar já na casa dos 4,5% para 2014. A dívida pública que atingia em Dezembro de 2013 a percentagem de 129% do PIB, também iniciou a sua descida.
Mas para além dos cortes da despesa do Estado e de racionalização de Serviços, alguma coisa foi conseguida na procura de investimento do estrangeiro e de incentivos á exportação que cresceu de 30 para 40 % do PIB. A economia abriu-se mais para o mundo e pela primeira vez desde há dezenas de anos as exportações ultrapassaram as importações. O flagelo do desemprego começou a cair, descendo do máximo de 17,8% em 2013 para os atuais 15,1%, e finalmente o crescimento económico regressou (1,5% ao ano) após uma ausência de mais de dez anos.
A oposição política e os Sindicatos de obediência PC recusaram participar nas negociações com a Troika e foram sempre combatendo as decisões do Governo de coligação. Os media, que normalmente são de militância de “esquerda”, fizeram na sua quase totalidade sempre crítica às decisões do Governo, naturalmente impopulares e dolorosas. No entanto, salvo a excepção em 15 de Setembro de 2012, uma marcha de protesto não partidária, os protestos de rua foram só os organizados pelo PCP, o BE e outras formações da extrema-esquerda, nunca foram violentos e as greves não tiveram expressão e adesão de maior. Não tiveram sucesso em fazer o Governo alterar as medidas de reformas estruturais, de privatizações e de cortes de despesas sociais. Aqui, só o Tribunal Constitucional conseguiu dificultar as acções do Governo.
Na sua grande maioria, embora irritados e descontentes com os cortes nos rendimentos salariais e de reforma, com a austeridade imposta e suas consequências no desemprego, na agravada fiscalidade e consequente desaceleração da actividade económica, os portugueses aceitaram os sacrifícios em nome de um futuro melhor.
A intervenção da Troika terminou a 17 de Maio de 2014, após três anos de muitos sacrifícios do povo português. A economia portuguesa sai mais aligeirada e um pouco mais flexível. A consciência dos portugueses da necessidade de reformar o Estado e de construir uma economia sustentável é uma grande conquista destes anos de sacrifício. A confiança dos mercados, importante pois não pode haver crescimento sem financiamento e o mercado interno é muito insuficiente em recursos de financeiros mobilizáveis. O respeito internacional foi conquistado, o que reforça a voz do país na UE e nos organismos internacionais.
Após o trauma político e económico sofrido pelos portugueses nestes últimos três anos, Portugal tem agora, com menor intervenção de organismos internacionais de tutela e maior disciplina orçamental, que definir a sua ambição nacional e decidir o seu modelo social e económico. Mas estes objectivos não podem ser determinados apenas em círculos partidários políticos, têm que ser objecto de amplo debate nacional e garantido por largos e legitimados acordos consensuais.
 21 Maio, 2014
 Pedro de Avillez
In Instituto da Democracia Portuguesa

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