Um dia, quando se contar a nossa história livre de
paixões e de facciosismos ideológicos, talvez um artigo como este, de Pedro de
Avillez, que o blog “A Bem da Nação” retirou do Instituto de Democracia
Portuguesa, conte para um apuramento sóbrio e exacto desta realidade portuguesa
em que nos tornámos, desde que descemos ao inferno dos lixos, segundo empresas
drásticas e tenebrosas na hetero-avaliação, desaparecida a modéstia e a
imparcialidade na auto-avaliação, naturalmente não tenebrosa porque bem fortalecida
economicamente.
A nossa história futura dirá também do que se fez de
belo e bom neste país, que, rodando sempre em diminutos caminhos, cortados por
uma estrada nacional e outras regionais, se apresenta agora rasgada, como nos
outros países, por auto-estradas e espaços de beleza, produção e conforto como
não tinha dantes, o que significa que mau grado os muitos desvios, os
governantes governaram com os dinheiros alheios para melhorar as condições de
vida do nosso país.
É
belo e bom este país, temos condições para prosseguir, num caminho de realização
e esperança. Este longo artigo de Pedro de Avillez conta dos sacrifícios, das humilhações,
mostra identidades de comportamentos com outros povos, igualmente
desmesuradamente gastadores. E aponta no caminho da libertação, revelando que
não é falso – ou pelo menos não totalmente falso - o que se conta do
renascimento, aliás, o que quase só o Governo conta de resultados positivos da
economia actual.
Dois
anos de Troika, dois anos de empobrecimento. Mas não passávamos de gaios
enfeitados com penas de pavão. Deixemos cair as penas do pavão. Limitemo-nos às
nossas. No esforço. Como os anõezinhos da Branca de Neve, de regresso a casa,
com os seus instrumentos de trabalho.
O
texto de Pedro Avillez:
TRÊS ANOS DE TROIKA
Em Maio de 2011, o governo do
Partido Socialista, chefiado por José Sócrates, pediu um “bail-out” à
UE/BCE/FMI, (designados por Troika) porque já não tinha dinheiro para pagar
ordenados e para manter a máquina do Estado a funcionar, os bancos portugueses
não conseguiam crédito no exterior para equilibrar os balanços e financiar a
economia interna e a República Portuguesa não conseguia contratar dívida
pública nos mercados financeiros.
Esta
situação seguia-se à crise dos títulos de financiamento imobiliário nos EUA que
levou a emblemática Lehman Brothers à falência, desencadeando pânico nos
mercados de capitais. A desconfiança dos credores e a caça às bruxas começava.
Os mercados redobraram de prudência e de exigência nas suas operações de
financiamento internacionais.
A
situação de endividamento crítico de Portugal surge num momento em que os
mercados e a União Europeia discutem outros casos como a Irlanda e a Grécia. A
situação extrema da Grécia despoletou a crise de insolvência dos chamados PIGS
(Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha), que eram agora privados de acesso ao
crédito internacional. Ficavam assim todos em situação de pré-bancarrota.
A
situação da gigantesca dívida bancária ligada à especulação imobiliária na
Irlanda tinha vindo entretanto a público - sendo o Governo derrubado - e a
Irlanda tomou a iniciativa de procurar um resgate internacional. A Espanha era
olhada há já algum tempo com desconfiança pois era conhecida a gigantesca e
aterradora bolha do seu mercado imobiliário (as multiplicadas e inúmeras
recentes construções imobiliárias eram de natureza especulativa, sem comprador
ou mesmo utilizador possível!) e os montantes de dívida bancária associada
impossíveis de resgatar. A crise foi ainda mais agravada com a publicidade dada
às falsas estatísticas e contas públicas Gregas e com o conhecimento das
despesas sociais, de generosidade escandalosa, na Grécia, uma economia nacional
em que as despesas públicas eram assustadoramente superiores às receitas
fiscais do Estado. A publicidade desta situação afectou a credibilidade de
gestão das economias europeias periféricas, provocando reacções de preconceito
racista e cultural dos países do Norte da Europa, seus parceiros na U.E.
Todas
estas economias da Europa do sul tinham estruturas económicas viciadas, que não
lhes permitiam gerar facilmente crescimento nem riqueza para libertar fundos,
para fazer face ao serviço da sua dívida externa. Pior:
tinham criado um aparelho de Estado demasiado grande em relação à sua economia
nacional e gerador de despesa pública crescente, o que sufocava a criatividade
e a produtividade da atividade económica geradora de riqueza. Muitos empregos
tinham sido criados sem critérios de gestão e de preocupação de
sustentabilidade. As despesas sociais de educação, saúde, reforma e pensões,
iam sendo cada vez maiores e eram suportadas por populações que não cresciam.
As suas populações eram cada vez mais desequilibradas, entre nacionais que
trabalhavam e geravam receitas para financiar as instituições do Estado Social
e os nacionais que estudavam ou se iam aposentando, estes dois últimos grupos
cada vez mais numerosos.
Outras
economias ainda mais endividadas que as dos PIGS – as da Grã Bretanha e Itália,
por exemplo – não foram penalizadas pelos mercados porque eram politicamente
mais credíveis, eram consideradas mais capazes de criatividade económica e de
crescimento e capazes de honrar o serviço da sua dívida externa.
A Utopia
da construção de uma Europa Federal e fraterna ficou a nu, pois não houve
qualquer movimento político de apoio aos Estados em crise por parte dos
restantes países da U.E.
A adesão
ao Euro tirou aos países em crise a possibilidade de reequilibrarem as suas
contas com o estrangeiro, através das clássicas desvalorizações da sua moeda. O
Euro deixou de ser uma vantagem para os países mais fracos e ficou patente que
a sua construção beneficiava sobretudo os grandes países com importante
exportação industrial para o resto da zona Euro. Não há inocentes neste
processo. A Alemanha que tanto se indigna com a Grécia não menciona nunca que
exportou oito submarinos (iguais aos dois portugueses) e 400 tanques Leopard
para a pequena economia Grega, tudo financiado pelos bancos alemães que agora
ficaram apavorados com a dívida da Grécia. Os bancos Franceses também ficaram
apavorados pois financiaram as caríssimas exportações para a Grécia de aviões
militares franceses. Será que não havia outras formas de garantir a segurança
do aliado Grego?
Se os
países periféricos foram irresponsáveis na gestão do crédito internacional
contraído, os credores também deviam saber o que andavam a fazer! A banca
internacional não é isenta e deu grandes provas de ganância e de ignorância.
Pouca atenção se tem dado entretanto à qualidade do crédito bancário concedido
no interior das economias na União Europeia. Desse crédito, até há pouco fácil
e generoso, a percentagem do crédito bancário “mal parado” dos bancos europeus
será aterradora… Quando na macro economia se governa “às largas “, não se pode
esperar que na micro economia se seja comedido e escrupuloso….
As
economias dos PIGS foram desclassificadas há três anos pelas Agências de
“rating” internacionais. Portugal passava então a ser classificado de lixo.
A
maioria da população e os políticos mais iniciados ao funcionamento do mundo
económico compreenderam que uma solução de “bail-out” negociada com a Troika,
em que naturalmente o credor impõe as condições ou garantias económicas, seria
a solução preferível e que garantia um futuro Europeu para Portugal. Uma recusa
de pagamento da divida contraída no passado seria de consequências
catastróficas para a população portuguesa. O exemplo doloroso e perlongado da
Argentina ostracizada é um aviso. A saída de Portugal do Euro, para além das
consequências imprevisíveis na permanência de Portugal na U.E., seria de
difícil resolução e levanta inúmeras incertezas graves. Um Portugal
desacreditado, numa caminhada isolada, cairia possivelmente numa situação ainda
mais desastrosa para a economia nacional e sem esperança de um futuro europeu
com potencial de negociação. A Assembleia da República fez cair o governo de
José Sócrates, e as eleições de 5 de Junho de 2011 promoveram um governo de
coligação entre o centrista PSD e o conservador CDS-PP que negociou com a
Troika um empréstimo de 78 mil milhões de euros.
Os
credores do socorro impuseram condições para o “bail-out”, situação normal em
qualquer acordo de quem empresta dinheiro e tenta assegurar-se que receba
depois o reembolso do crédito concedido. Desde a revolução dos ”cravos” de
1974, Portugal já recorreu a dois outros “bail-out”, ambas as vezes sob
Governos presididos por Mário Soares….e como seria de esperar, sempre com
condições duras.
Este
empréstimo foi organizado sob condição de cortes nas despesas do Estado,
reflectidas nos Orçamentos anuais do Estado Português, que implicavam reduções
nos valores dos salários dos empregados públicos, reduções de benefícios de
aposentação, cortes em instituições e serviços oficiais, privatização do
capital social de grandes empresas no sector empresarial do Estado (grandes
utilizadoras de crédito nacional e internacional). Implicavam também uma série
de reformas estruturais da Educação, da Justiça, da Saúde, e da legislação do
trabalho. Foi estabelecido um calendário de redução progressiva dos níveis de
défice orçamental, com a meta de 2,5% do PIB em 2015 e da redução da divida
pública que terá que cair para 60% do PIB em 2035, como sucede aliás para todos
os membros da U.E.
Contudo,
o Governo PSD–CDS não conseguiu fazer uma grande parte das projectadas reformas
do Estado. Estas reformas não foram encetadas com determinação no início da
acção deste Governo, quando havia mais predisposição para a população e grupos
de pressão em aceitar reformas perante o estado de choque em que o país
acordava. O Governo hesitou em fazer face à resistência esperada. Mais tarde,
foi já tarde. A acção do Governo concentrou-se sobretudo numa política de
austeridade e privatizações, com algumas reformas estruturais limitadas. O
Estado Social teve poucas reformas e pouco se fez para garantir a sua
sustentabilidade. Mas a Administração Pública reduziu despesas e os défices do
Estado deverão estar já na casa dos 4,5% para 2014. A dívida pública que
atingia em Dezembro de 2013 a percentagem de 129% do PIB, também iniciou a sua
descida.
Mas para
além dos cortes da despesa do Estado e de racionalização de Serviços, alguma
coisa foi conseguida na procura de investimento do estrangeiro e de incentivos
á exportação que cresceu de 30 para 40 % do PIB. A economia abriu-se mais para
o mundo e pela primeira vez desde há dezenas de anos as exportações
ultrapassaram as importações. O flagelo do desemprego começou a cair,
descendo do máximo de 17,8% em 2013 para os atuais 15,1%, e finalmente o
crescimento económico regressou (1,5% ao ano) após uma ausência de mais de dez
anos.
A
oposição política e os Sindicatos de obediência PC recusaram participar nas
negociações com a Troika e foram sempre combatendo as decisões do Governo de
coligação. Os media, que normalmente são de militância de “esquerda”, fizeram
na sua quase totalidade sempre crítica às decisões do Governo, naturalmente
impopulares e dolorosas. No entanto, salvo a excepção em 15 de Setembro de
2012, uma marcha de protesto não partidária, os protestos de rua foram só os
organizados pelo PCP, o BE e outras formações da extrema-esquerda, nunca foram
violentos e as greves não tiveram expressão e adesão de maior. Não tiveram
sucesso em fazer o Governo alterar as medidas de reformas estruturais, de
privatizações e de cortes de despesas sociais. Aqui, só o Tribunal
Constitucional conseguiu dificultar as acções do Governo.
Na sua
grande maioria, embora irritados e descontentes com os cortes nos rendimentos
salariais e de reforma, com a austeridade imposta e suas consequências no
desemprego, na agravada fiscalidade e consequente desaceleração da actividade
económica, os portugueses aceitaram os sacrifícios em nome de um futuro
melhor.
A
intervenção da Troika terminou a 17 de Maio de 2014, após três anos de muitos
sacrifícios do povo português. A economia portuguesa sai mais aligeirada e um
pouco mais flexível. A consciência dos portugueses da necessidade de reformar o
Estado e de construir uma economia sustentável é uma grande conquista destes anos
de sacrifício. A confiança dos mercados, importante pois não pode haver
crescimento sem financiamento e o mercado interno é muito insuficiente em
recursos de financeiros mobilizáveis. O respeito internacional foi
conquistado, o que reforça a voz do país na UE e nos organismos
internacionais.
Após o
trauma político e económico sofrido pelos portugueses nestes últimos três anos,
Portugal tem agora, com menor intervenção de organismos internacionais de
tutela e maior disciplina orçamental, que definir a sua ambição nacional e
decidir o seu modelo social e económico. Mas estes objectivos não podem ser
determinados apenas em círculos partidários políticos, têm que ser objecto
de amplo debate nacional e garantido por largos e legitimados acordos
consensuais.
21 Maio, 2014
Pedro de Avillez
In Instituto
da Democracia Portuguesa
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