Como Vasco Pulido Valente põe
a questão no seu artigo do Público de 6/7/14, historiando os factos da nossa
sobrevivência a partir da independência do Brasil, creio que o que nos define
como povo – pesem embora os status de outras nações eleitas para a luta
armada da sua definição inquieta ou de extremismos de diferenciação entre os
seus próprios povos – o que nos define o status é esse de uma infância
permanente, que nos põe dependentes quer de outros povos quer de outros mitos,
chamem-se eles Ourique, Sebastião, Santo António ou mesmo Fátima, sem querer
com isso menosprezar as crenças dos crentes, tão respeitáveis como as
descrenças dos não crentes, num universo de obscuras incertezas e
incompreensões que nos manipula, como joguetes de definitiva ignorância em
relação àquilo que somos.
Eu não gostaria de viver em
países onde a guerra ou as discrepâncias sociais são o pão nosso de cada dia.
Mas por aqui a nossa guerra de desordens e desrespeitos e apelos, de gritos e
esclarecimentos não aceites mutuamente, de “actos ilocutórios e
perlocutórios” de ridícula roupagem teórica, isentos da prática cultural ou
física que distingue outros povos mais trabalhadores e disciplinados, essa nossa
guerra também nos deixa timoratos, numa perspectiva de derrota final, após essa
constatação de infância dependente, que Vasco Pulido Valente magistralmente
esclarece, historiando as etapas cronológicas de apelo ao consenso, que é o
móbil do discurso actual de Cavaco Silva:
«Desde o princípio do século XIX que a força divide os portugueses e que a
fraqueza, com alguma dificuldade, os junta.» …. «A guerra civil como meio de
resolver hoje os problemas domésticos não parece prática. Resta a união da
fraqueza. Cavaco não se engana, apesar de que será ele o principal excluído.»:
«No Conselho de Estado, o dr. Cavaco voltou a pedir
“diálogo”, “entendimento” e “consenso”. O que de certeza não espantou ninguém.
Desde o princípio do século XIX que a força divide os portugueses e que a
fraqueza, com alguma dificuldade, os junta. Porquê? Porque não há nenhuma força
independente autónoma na sociedade capaz de aguentar sozinha uma crise ou uma
catástrofe nacional. O movimento independentista do Brasil reforçou, primeiro,
a Monarquia e, a seguir, a revolução de 1820, em que entrou a facção “realista”
e a facção “liberal”. Tudo isto para a Pátria se regenerar e sobreviver. Não se
regenerou e sobreviveu, como de costume, na miséria e na discórdia interna. Mas
ficou a esperança do dia miraculoso em que se fizesse a tão esperada “união
nacional”.
Depois da grande guerra “civil” (1832-1834), D. Pedro
e, quando ele morreu, D. Maria tentaram desesperadamente fabricar um Governo em
que entrassem os principais representantes do “radicalismo” e da “moderação”.
Não conseguiu; e dali em diante, com peripécias de vário género e espécie,
começou uma guerra civil larvar, que duraria até 1851. Exausto e sob a tutela
das Potências, Portugal aceitou então um condomínio pacífico entre as partes em
conflito (a segunda “Regeneração”), dominado por Rodrigo da Fonseca e, mais
tarde, Loulé e Fontes Pereira de Melo. Mas, quando as coisas não corriam bem,
como não correram por causa da guerra do Paraguai (1864-1870), que desvalorizou
e diminuiu as remessas do Brasil, os dois bandos que se alternavam no Governo
não hesitaram em se misturar numa extraordinária aliança a que chamaram a
“Fusão”.
Com a bancarrota de 1892, o rei continuou a cumprir os
preceitos formais, que regiam a convivência partidária, distribuindo por cada
partido a sua ração, enquanto o regime tranquilamente se afundava. Para não se afundar
com ele, D. Carlos criou um partido novo, contra o qual a “rua” e os políticos
se coligaram. D. Carlos e o filho, como se sabe, acabaram a tiro e D. Amélia
abriu um período que ela esperava de “Acalmação”; um país fraco não aguentava
um Governo forte. Mas, para mal dele, foi obrigado a aguentar: a ditadura do
partido jacobino, dito “Democrático” e, no fim, durante 50 anos, Salazar. A
guerra civil como meio de resolver hoje os problemas domésticos não parece
prática. Resta a união da fraqueza. Cavaco não se engana, apesar de que será
ele o principal excluído.»
Um comentário:
Aprendi imenso com a tua pesquisa, gostei muito que tivesses aproveitado o compromisso assertivo da outra autora para um trabalho tão elucidativo. Já sabes que daqui a cinco minutos não me lembro de nada, o que prova que o conteúdo é mesmo de relevo e mexe até com os professores de Português.
"A tua Paula" que não consegue comentar o teu blog.
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