Um artigo de Rui Ramos, (do blog A Bem da Nação), daqueles
que nos parecem sóbrios e justos, como expressão de razões ditadas pelo bom
senso. Mas hoje vigoram as democracias espalhafatosas que acodem pelos
coitadinhos, porque estes, mais pobrezinhos, não aceitam a preponderância dos vizinhos
mais ricos e inteligentes, danificando-lhes as vedações e por isso merecendo
violentas retaliações. E o Ocidente finge que apoia os pobrezinhos, para
mostrar bons sentimentos, no fundo agradado de que Israel vá defendendo as suas
vedações por meio de retaliações de mais longo alcance.
Obrigados a
aceitar os princípios da democracia sensível aos Jobs, qual Galileu ficticiamente
convertido às razões inquisitoriais que lhe impunham o desdizer-se, intimamente
apoiando – envergonhadamente – as razões poderosas de um Israel abastado e moderno,
tais somos nós, os Ocidentais da hipocrisia e da lamechice, no nosso “e pur si
muove” recôndito, a favor do rico, mantedor solitário e corajoso da nossa paz
ocidental.
GUERRA
E MORAL NO MÉDIO ORIENTE
Quanto tempo pode um
Estado democrático de direito, como Israel, sobreviver a uma guerra sem fim?
Para já, tem os meios necessários. Mas se um dia lhe faltarem, não teremos
muito tempo para o lastimar
«O chamado "conflito
do Médio Oriente" está connosco há décadas. Nem por isso se tornou mais
claro. Pelo contrário, tudo parece hoje um pouco mais confuso, como sugere a
tendência para reduzir a questão a uma contabilidade macabra: as operações
militares israelitas, segundo fontes em Gaza, terão provocado até agora 200
mortos; o Hamas, apesar dos seus esforços (mais de 1200 mísseis disparados), só
conseguiu matar um israelita. Logo, tratemos de nos indignar e marchar contra
Israel.
É absurdo. Imaginemos,
por exemplo, o princípio aplicado à II Guerra Mundial. Em meados de 1944, os
Aliados ocidentais iniciaram o bombardeamento sistemático das cidades da
Alemanha; ao mesmo tempo, a Alemanha flagelava o sul de Inglaterra com mísseis.
Os bombardeamentos anglo-americanos terão feito, aceitando os números de Jorg
Friedrich, 600 mil vítimas civis, incluindo 76 mil crianças; os mísseis alemães
mataram cerca de 9 000 pessoas.
Vamos dizer que as
democracias ocidentais eram piores do que a ditadura nazi? Não: vamos dizer
que, com mais recursos, puderam causar maiores danos. Os nazis conduziam então
o extermínio da população judaica da Europa e projectavam instalar uma ordem
racial em que a maioria dos europeus seria classificada como seres inferiores.
Era isso que os diferenciava dos Aliados, não os resultados das respectivas
campanhas aéreas em 1944-1945.
Podemos (e devemos)
lamentar o uso de certos meios. Mas a distinção moral entre forças combatentes
não se faz na frente de combate. Aí, a regra para bons e para maus é
infelizmente a mesma: tentar causar o maior prejuízo possível ao inimigo. Se
pretendermos separar moralmente Israel e o Hamas, pensemos antes no rapto e
assassinato dos três adolescentes israelitas em Junho. Em represália, um
adolescente árabe teve a mesma sorte. Ora, o governo de Israel condenou o
homicídio do jovem árabe e identificou e prendeu os seus autores. Do outro
lado, o Hamas nem sequer foi capaz de condenar o
assassinato dos três jovens israelitas, cujo rapto um seu porta-voz terá mesmo louvado. Eis aqui dois
padrões de moral e de direito. E se não vemos tudo aquilo de que o regime
intolerante e misógino do Hamas é capaz, é apenas porque não tem os recursos de
Israel. Se tivesse, Israel já não existiria.
Perante a proposta
egípcia de cessar-fogo, o Hamas deixou claro que prefere a guerra. A sua
estratégia é óbvia: confrontar o Estado judaico com um dilema: ou Israel
continua a controlar territórios e populações fora das suas fronteiras,
aviltando-se numa ocupação sem nobreza e sem futuro, como acontece na
Cisjordânia, ou retira, como fez no sul do Líbano e em Gaza, apenas para ver
movimentos como o Hamas ou o Hizbollah converterem essas áreas em bases de
guerra e sujeitarem os habitantes aos "martírios" da sua propaganda.
O governo de Israel diz
que o objectivo da corrente operação militar em Gaza é estabelecer a paz
"de uma vez por todas" (expressão usada pela embaixadora de Israel em
Portugal, num artigo publicado ontem). Mas nenhuma operação militar deste tipo,
devido aos limites humanitários e aos constrangimentos diplomáticos que Israel
aceita, será alguma vez decisiva. A grande questão é saber quanto tempo pode um
Estado democrático e de direito, como Israel, sobreviver a uma guerra sem fim.
Por enquanto, tem os meios materiais necessários. Mas até quando? É que se um
dia lhe faltarem, não teremos muito tempo para lastimar Israel.»
17/7/2014
Rui Ramos
in Observador
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