Publicado no blog A Bem da Nação:
JÁ SE PODE DIZER BEM DE PASSOS
COELHO?
Cai mal dizer "bem" de
Passos Coelho: os bem pensantes enervam-se e o ar do tempo desaconselha. A má
fé vigente tomará estas minhas pobres palavras como um despropósito que destoa
do coro dos dias.
Faz
hoje um ano o governo foi enterrado. Tal como a Torre de Pisa, todos os mundos
– o político e os outros – se inclinavam só para um lado: naquele belo dia de
verão, o Executivo tinha acabado, a maioria tinha-se desfeito.
Gaspar
saíra na véspera, deixando carta e menos de 24 horas depois, Portas, sem aviso
prévio e irrevogavelmente, imitou-lhe o gesto. Deixando comunicado.
Havia
meses que – relembremo-lo – Gaspar acordara com Passos Coelho o nome da sua sucessora
e organizadamente foi isso que ocorreu: o Governo aprovara, o PM propôs o nome
de Maria Luis, o Presidente da Republica aceitou-o, Vitor Gaspar saíra a 1 de
Julho, a posse seria a 2.
O
Presidente, apanhado no princípio da tarde desse 2 de Julho em cerimónias
oficiais que o impediam de atender o telemóvel, voltou nesse dia a ser apanhado
– mas pela surpresa. Não gostou, nem esqueceu: os estados de alma de Paulo
Portas mergulharam Cavaco Silva num cenário de (quase) irracionalidade
politica, deixando-o a vogar numa "impossível" situação de incerteza,
o que em politica é dizer o pior.
Não
fora Passos Coelho e teria desabado a tempestade perfeita. Não desabou, apesar
da desconfiança e dos presságios, das apostas e dos vaticínios de fim de ciclo.
O primeiro-ministro não deixou. Sem perder a cabeça ou a bússola, sem lhe
ocorrer aquele tique nosso conhecido do "abalar", sem cair na aflição
ou no desnorte, tomou em mãos a ocorrência e ao fazê-lo impediu – entre outras
coisas – um segundo resgate. Com as fatais – inimagináveis? – consequências que
daí adviriam.
Passos
mostrou estofo e sentido da política. E sentido de Estado, claro está. Não é
qualquer um que, naquele incêndio, domestica os acontecimentos e os
"ocupa" politicamente, elegendo um desfecho a seu favor. De caminho –
e eis o que também não é de somenos – mostrou quem mandava na coligação e quem
era o chefe da maioria. Já fizera o mesmo aquando da 7ª avaliação da Troika,
mas fizera-o longe de nós, nos bastidores do país. O dia 2 de Julho ditou-lhe o
palco e colocou-o sob os holofotes das instituições. Ao final do dia as
oposições á esquerda e os opositores dentro do PSD ainda esperavam em surdina
que ele fosse a Belém com uma corda ao pescoço invocar "falta de
condições", mas o primeiro-ministro nunca – que me lembre – se afogou no
mar das oposições nem se impressionou por aí além com barões fora de jogo.
Depois, claro, choveram
"ah" e "oh" de espanto face ao "patriotismo" de
Passos Coelho. Como se ele tivesse nascido para a política nesse 2 de Julho ou
a sua liderança na acção e actuação do Governo (pesem embora erros e excessos
que tantas vezes critiquei) não relevassem justamente dessa mesma endurance e
resiliência.
(Agora, há dias, em tom menor é
certo, também houve umas golfadazinhas de admiração por Pedro Passos Coelho ter
vetado a entrega de mais ajudas financeiras ao BES. Voltei a espantar-me:
piores cegos são os que nunca querem ver? Mesmo a um palmo de distância?)
Cai
mal dizer "bem" de Passos Coelho: os bem pensantes enervam-se e o ar
do tempo desaconselha a bondade. A má fé vigente tomará estas minhas pobres
palavras como um despropósito que destoa do coro dos dias e da pretensão
intelectual com que o primeiro-ministro é habitualmente radiografado.
Paciência. Já se eu gesticulasse a favor de António Costa – pessoa que me é
muito simpática, de resto – seria bem vinda e o mundo seria perfeito.
Mas se há algo que tenha aprendido
é que esta coisa dos "dois pesos e duas medidas" é uma regra sem
excepção: à esquerda tudo é permitido, desde o ter licença de existir, direito
de cidadania, poder de ditar das regras, distribuir voz. A direita tem sempre
de (lhe?) pedir licença.
E pensar que já passaram 40 anos
disto.
PS:
Sobre o segundo resgate a que aludi acima, ocorreu-me agora de repente
relembrar alguns passos de uma saga que nunca existiu mas que durante meses e
meses nos foi sempre vendida como uma certeza irrefutável: o "segundo
resgate" foi anunciado em todas as televisões sem excepção; previsto por
todos os jornais – num deles com data, fonte e primeira página; brandido nas
rádios; assustadoramente desejado por jornalistas e comentadores; usado pelas
oposições como um trunfo contra o governo; falado nas elites e nos meios bem
informados (?) como um mero fait divers.
Até
hoje não houve segundo resgate (e ao primeiro dispensou-se a última fatia) Mas
também não houve mais nada: ninguém se importou com o que disse, avisou,
ameaçou, prometeu, garantiu, jurou. Ninguém veio dizer "enganei-me".
Ao menos, "precipitei-me". Não sei se o ressentimento, a fragmentação,
a imbecilidade, toldam os espíritos ou induzem a cegueira. Talvez induzam. E,
por outro lado, ninguém tirou consequência alguma – consequência política seria
talvez pedir muito… – sobre o facto de não ter havido a tão anunciada segunda
provação. O que lá vai, lá vai. Gente pouco séria.
2
de Julho de 2014
Maria
João Avillez
Um artigo revelador de grande
inteireza de carácter, pelo desassombro com que ousa dizer bem de alguém de
quem é de bom tom dizer mal, quer em tom brincalhão, como esse do “Governo
Sombra”, quer em formato de diatribe joco-séria, do estilo “Eixo do Mal”, quer,
de diatribe só séria, ao modo nobre de José Pacheco Pereira, quer de tantos e
variados opositores do seu próprio partido acrescidos de todos os outros de partidos
diversos, mais os comentaristas da opinião pública da Sic ou do espaço de
Opinião Pública dos Jornais. Tudo vomita impropérios contra o Primeiro Ministro,
que, educadamente, mas com firmeza, prossegue numa orientação que as pessoas
honradas diriam necessária.
Maria João Avillez prova que, apesar
dos anúncios e dos anunciantes da desgraça, com troça ou com diatribe, com justificações
ou sem elas, o Governo continua de pé, graças à coragem que tem revelado o tal
sentido de Estado que Avillez acentua. Sem última tranche, sem segundo resgate,
tentando prosseguir corajosamente, apesar do torvelinho causado não só por todos esses
mas por Juízes que estão ali para impor as barreiras necessárias para defender
o tacho próprio, a pretexto de defender o tacho alheio.
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