sábado, 5 de julho de 2014

Um texto de Maria João Avillez


Publicado no blog A Bem da Nação:

JÁ SE PODE DIZER BEM DE PASSOS COELHO?
 Cai mal dizer "bem" de Passos Coelho: os bem pensantes enervam-se e o ar do tempo desaconselha. A má fé vigente tomará estas minhas pobres palavras como um despropósito que destoa do coro dos dias.
Faz hoje um ano o governo foi enterrado. Tal como a Torre de Pisa, todos os mundos – o político e os outros – se inclinavam só para um lado: naquele belo dia de verão, o Executivo tinha acabado, a maioria tinha-se desfeito.
Gaspar saíra na véspera, deixando carta e menos de 24 horas depois, Portas, sem aviso prévio e irrevogavelmente, imitou-lhe o gesto. Deixando comunicado.
Havia meses que – relembremo-lo – Gaspar acordara com Passos Coelho o nome da sua sucessora e organizadamente foi isso que ocorreu: o Governo aprovara, o PM propôs o nome de Maria Luis, o Presidente da Republica aceitou-o, Vitor Gaspar saíra a 1 de Julho, a posse seria a 2.
O Presidente, apanhado no princípio da tarde desse 2 de Julho em cerimónias oficiais que o impediam de atender o telemóvel, voltou nesse dia a ser apanhado – mas pela surpresa. Não gostou, nem esqueceu: os estados de alma de Paulo Portas mergulharam Cavaco Silva num cenário de (quase) irracionalidade politica, deixando-o a vogar numa "impossível" situação de incerteza, o que em politica é dizer o pior.
Não fora Passos Coelho e teria desabado a tempestade perfeita. Não desabou, apesar da desconfiança e dos presságios, das apostas e dos vaticínios de fim de ciclo. O primeiro-ministro não deixou. Sem perder a cabeça ou a bússola, sem lhe ocorrer aquele tique nosso conhecido do "abalar", sem cair na aflição ou no desnorte, tomou em mãos a ocorrência e ao fazê-lo impediu – entre outras coisas – um segundo resgate. Com as fatais – inimagináveis? – consequências que daí adviriam.
Passos mostrou estofo e sentido da política. E sentido de Estado, claro está. Não é qualquer um que, naquele incêndio, domestica os acontecimentos e os "ocupa" politicamente, elegendo um desfecho a seu favor. De caminho – e eis o que também não é de somenos – mostrou quem mandava na coligação e quem era o chefe da maioria. Já fizera o mesmo aquando da 7ª avaliação da Troika, mas fizera-o longe de nós, nos bastidores do país. O dia 2 de Julho ditou-lhe o palco e colocou-o sob os holofotes das instituições. Ao final do dia as oposições á esquerda e os opositores dentro do PSD ainda esperavam em surdina que ele fosse a Belém com uma corda ao pescoço invocar "falta de condições", mas o primeiro-ministro nunca – que me lembre – se afogou no mar das oposições nem se impressionou por aí além com barões fora de jogo.
 Depois, claro, choveram "ah" e "oh" de espanto face ao "patriotismo" de Passos Coelho. Como se ele tivesse nascido para a política nesse 2 de Julho ou a sua liderança na acção e actuação do Governo (pesem embora erros e excessos que tantas vezes critiquei) não relevassem justamente dessa mesma endurance e resiliência.
 (Agora, há dias, em tom menor é certo, também houve umas golfadazinhas de admiração por Pedro Passos Coelho ter vetado a entrega de mais ajudas financeiras ao BES. Voltei a espantar-me: piores cegos são os que nunca querem ver? Mesmo a um palmo de distância?)
Cai mal dizer "bem" de Passos Coelho: os bem pensantes enervam-se e o ar do tempo desaconselha a bondade. A má fé vigente tomará estas minhas pobres palavras como um despropósito que destoa do coro dos dias e da pretensão intelectual com que o primeiro-ministro é habitualmente radiografado. Paciência. Já se eu gesticulasse a favor de António Costa – pessoa que me é muito simpática, de resto – seria bem vinda e o mundo seria perfeito.
 Mas se há algo que tenha aprendido é que esta coisa dos "dois pesos e duas medidas" é uma regra sem excepção: à esquerda tudo é permitido, desde o ter licença de existir, direito de cidadania, poder de ditar das regras, distribuir voz. A direita tem sempre de (lhe?) pedir licença.
 E pensar que já passaram 40 anos disto.
PS: Sobre o segundo resgate a que aludi acima, ocorreu-me agora de repente relembrar alguns passos de uma saga que nunca existiu mas que durante meses e meses nos foi sempre vendida como uma certeza irrefutável: o "segundo resgate" foi anunciado em todas as televisões sem excepção; previsto por todos os jornais – num deles com data, fonte e primeira página; brandido nas rádios; assustadoramente desejado por jornalistas e comentadores; usado pelas oposições como um trunfo contra o governo; falado nas elites e nos meios bem informados (?) como um mero fait divers.
Até hoje não houve segundo resgate (e ao primeiro dispensou-se a última fatia) Mas também não houve mais nada: ninguém se importou com o que disse, avisou, ameaçou, prometeu, garantiu, jurou. Ninguém veio dizer "enganei-me". Ao menos, "precipitei-me". Não sei se o ressentimento, a fragmentação, a imbecilidade, toldam os espíritos ou induzem a cegueira. Talvez induzam. E, por outro lado, ninguém tirou consequência alguma – consequência política seria talvez pedir muito… – sobre o facto de não ter havido a tão anunciada segunda provação. O que lá vai, lá vai. Gente pouco séria.
2 de Julho de 2014
 Maria João Avillez


Um artigo revelador de grande inteireza de carácter, pelo desassombro com que ousa dizer bem de alguém de quem é de bom tom dizer mal, quer em tom brincalhão, como esse do “Governo Sombra”, quer em formato de diatribe joco-séria, do estilo “Eixo do Mal”, quer, de diatribe só séria, ao modo nobre de José Pacheco Pereira, quer de tantos e variados opositores do seu próprio partido acrescidos de todos os outros de partidos diversos, mais os comentaristas da opinião pública da Sic ou do espaço de Opinião Pública dos Jornais. Tudo vomita impropérios contra o Primeiro Ministro, que, educadamente, mas com firmeza, prossegue numa orientação que as pessoas honradas diriam necessária.
Maria João Avillez prova que, apesar dos anúncios e dos anunciantes da desgraça, com troça ou com diatribe, com justificações ou sem elas, o Governo continua de pé, graças à coragem que tem revelado o tal sentido de Estado que Avillez acentua. Sem última tranche, sem segundo resgate, tentando prosseguir corajosamente, apesar do  torvelinho causado não só por todos esses mas por Juízes que estão ali para impor as barreiras necessárias para defender o tacho próprio, a pretexto de defender o tacho alheio.



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