sexta-feira, 11 de julho de 2014

Mandou-mo a minha Paula



Eu bem que me sinto meio encabulada por um título tão terra-a-terra para introduzir um artigo que acabei por espreitar no site que também lá vinha http://expresso.sapo.pt/como-um-dia-veremos-acabaremos analfabetos = f877679, mas é um título que representa a clara expressão do que se passou, foi a minha filha que mo mandou, o artigo de Ana Cristina Leonardo sobre a nossa condição futura de analfabetos terminais.
E perguntarão vocês, no vosso acto perlocutório de questionamento que me impõe (ou não) a vontade de esclarecimento e transcrevo da internet: «O acto perlocutório é o acto que tenderia a produzir certos efeitos menos directos sobre o interlocutor: questionamento, medo, convencimento etc; efeitos que podem realizar-se ou não. Por exemplo, ao dar um conselho a alguém (acto ilocutório) do tipo: ‘’Por que você não vai de carro?’’, o enunciador pode estar tentando (e conseguir) levar o destinatário a lhe oferecer uma carona (acto perlocutório).»
Perguntarão, pois, vocês, e repito,  no vosso acto perlocutório incisivo, até talvez ameaçador: Porquê tão violenta asserção ou acto ilocutório assertivo sobre o analfabetismo progressivo?
E eu afanosamente, para maior esclarecimento, no receio da concretização ameaçadora, continuo a transcrever da net a referência aos novos estudos a respeito do redimensionamento da linguagem ( por Austin) no que diz respeito à sua natureza e à sua vocação – a linguagem é uma forma de acção - abandonando assim a concepção de linguagem como representação do mundo e do pensamento.
«A partir do estudo de Austin, Searle (1982) propõe cinco tipos de actos de fala: representativos (que descrevem um facto); directivos (que levam o interlocutor a realizar uma determinada acção futura); comissivos (que engajam o locutor a realizar uma acção futura); declarativos (que tornam efectivo o conteúdo do acto) e expressivos (que expressam um estado psicológico, dentre outras contribuições).»
«Pioneiros da teoria dos actos de linguagem, Austin e seu sucessor Searle, entendendo a linguagem como forma de acção (todo dizer é um fazer), começaram a observar e a teorizar sobre a forma como os homens praticam diferentes acções através da linguagem. Mostraram assim que toda a enunciação constitui um acto (negar, jurar, prometer, sugerir etc) que visa modificar uma situação.»
Mas eu desisto de pretender esclarecer, vem na internet, e só direi a coisa simples de que esses actos de fala têm ligação com o verbo latino loqui que significa falar e deu locutor, ilocutório, alocutário,  etc.
Estudos muito valiosos, diremos nós, mas profundamente rebuscados para ensinarmos e exigirmos dos alunos que, ao invés de apreciarem a linguagem dos textos que lêem, na sua dimensão humanística e gramatical, serão obrigados a explicitar as intencionalidades que presidem a actos de fala que se escondem nos enunciados ilocutórios, complicando e embrutecendo, num snobismo pueril de alarde teorizador, que justifica o título do artigo de Ana  Cristina Leonardo. Daí a indignação nele transparente, indignação não contra os sábios linguistas que assim discorreram sobre os valores da linguagem como acção, mas contra os seus propaladores pedagógicos de bisturis deslumbrados, provavelmente já ignorantes das tais leituras humanísticas, e apenas debruçados sobre o sexo dos anjos, não inócuo mas definitivamente oco, em direcção ao analfabetismo final: 

«Como um dia veremos acabaremos analfabetos…»
«Marguerite Yourcenar disse, e eu reproduzo, que temos obrigação de morrer menos estúpidos do que nascemos. É uma máxima que tento respeitar. A semana passada, em resultado da polémica sobre o Exame Nacional de Português do 12º ano, onde, ao que parece, e vá lá saber-se como, Lídia Jorge foi confundida com Almeida Faria, fiquei menos estúpida (se bem que involuntariamente). Fiquei a saber, e cito, que "os actos ilocutórios podem ser assertivos ou compromissivos". Aprendi também que existem, cito, "actos ilocutórios directos" e, cito, "actos ilocutórios indirectos". A estes somam-se ainda, cito, "os actos locutórios e, cito, os "actos perlocutórios". Vejamos mais algumas coisas que aprendi: "o acto perlocutório corresponde aos efeitos que um dado acto ilocutório produz no alocutário". Perguntar-me-ão (ou não): O que é alocutário? Pois bem. Um alocutário é aquele a quem se destina o enunciado da fala (nos CTT chama-se a isto destinatário), por oposição ao locutor que é aquele que fala ao alocutário (...) Talvez citar a Infopédia online (Porto Editora) traga alguma aclaração ao assunto. Diz assim: " (...) o alocutário deve interpretar um enunciado tendo em conta o conteúdo proposicional do acto proferido e, também, todos os marcadores da força ilocutória presentes na situação comunicativa em que é proferido." Juro que não fui eu quem escreveu isto! Chegada aqui, senti-me catapultada, se me permitem, para um tempo antigo  (...) no qual, para recorrer às sábias palavras de Jim Hankinson, "a pouca filosofia que existia na Europa sofreu uma viragem depressivamente teológica, centrando-se em disputas tais como se Deus era Uma Pessoa em Três ou Três Pessoas Numa, (...) e quantos anjos podem dançar na cabeça de um alfinete (no caso improvável de desejarem fazê-lo)". Neste caso a viragem não foi teológica, é escatológica. Não é escolástica, é gástrica. Encomiástica. Proplástica. Toponomástica. Pleonástica. Isso! Ou nada.»
Ana Cristina Leonardo, Expresso, 28 de junho de 2014

Um comentário:

Anônimo disse...

Aprendi imenso com a tua pesquisa. Não é que me interesse muito saber este tipo de coisas, acho que daqui a bocado já nem me lembro... mas faz-me rir.

Paula