O tom de Vasco Pulido Valente.
É historiador, sabe do lamiré que sufraga as suas
notas pessimistas, envolvendo-as num diapasão de longo alcance sonoro. Ele é a
Europa, ele é a América, ele é Paul Krugman paralisando Obama, ele é Cameron
entalado entre o UKIP e a coligação, ele é Hollande desprestigiado, mais
os referendos da Escócia e da Catalunha. «O mundo em que vivemos
desde 1948 começa a cair aos bocados; e não se vê um remédio razoável no
horizonte.»
Um mundo exterior a desfazer-se (sem contar com os
apoios de envergadura dos desastres aéreos ou terrestres provocados pelos mísseis
do terrorismo e das retaliações) e nós, portugueses, acompanhando-o com a
artilharia do derrotismo habitual.
Terão mesmo razão os historiadores e analistas em
serem tão eficientemente destrutivos, que nem sequer param para ouvir as razões
dos governantes, após o seu trabalho que impôs sacrifícios mas que admite
resultados positivos que já se estão a sentir, segundo os governantes e os
analistas ponderados e dos caminhos do bom senso e da rectidão?
Será que Vasco Pulido Valente não mostra o seu lado
sectário, instigando o povo à gritaria e ao desrespeito, sabendo bem que se
este o faz é porque tem quem o instigue e não porque «o tal “povo que
aguenta tudo” não aguentará uma nova dose de “austeridade”.? »
Um Governo em bolandas, os governantes desunhando-se para cumprir, pagando, é claro, a dívida da irresponsabilidade e da ganância, mas o negativismo destes que sabem contribuindo para os desprestigiar. É o que este artigo de Vasco Pulido Valente nos diz, com a sua argúcia e o seu desprezo:
Um Governo em bolandas, os governantes desunhando-se para cumprir, pagando, é claro, a dívida da irresponsabilidade e da ganância, mas o negativismo destes que sabem contribuindo para os desprestigiar. É o que este artigo de Vasco Pulido Valente nos diz, com a sua argúcia e o seu desprezo:
«No deserto»
«Parece que Paul Krugman, o economista querido da esquerda,
percebeu agora que o seu plano para resolver a crise não era politicamente
possível. Entre a direita do Partido Republicano e uma boa parte do seu próprio
partido, Obama está paralisado. Em Inglaterra, Cameron, com o UKIP de um lado e
a coligação do outro, também não se pode mexer. Em França, Hollande é uma
personagem gratuitamente acrescentada à paisagem, a direita democrática
dividida e desprestigiada não se consegue recompor e já se começa a falar no
regresso fatal ao parlamentarismo da IV República. Há ainda o referendo da
Escócia e o referendo da Catalunha, que inevitavelmente vão complicar as coisas
na “Europa”. O mundo em que vivemos desde 1948 começa a cair aos bocados; e não
se vê um remédio razoável no horizonte.
A
desculpa tradicional dos portugueses para as suas desgraças costuma ser a de
que “também sucede lá fora”. Desta vez, não é mentira. A extrema-esquerda, para
efeitos práticos, não existe. O PS, em guerra civil, não inspira confiança a
ninguém: Seguro e Costa, com ligeiras variantes de tom, propõem a mesma receita
utópica de salvação. O PSD e o CDS falharam e o Tribunal Constitucional não se
irá embora amanhã. O Presidente da República, reduzido a pregar o entendimento
e o “consenso” a uma multidão política que se odeia, e a um eleitorado na
miséria, não serve para nada. Pouco a pouco, o país foi ficando ingovernável,
no meio da resignação pública e privada. E não se imagina nenhuma força, ou
conjunto de forças, capaz de restabelecer uma ordem e um desígnio.
Isto
não teria grande importância em tempos normais. Mas sucede que os problemas de
Portugal não se resolveram com o programa de “ajustamento”, que se limitou a um
exercício contabilístico e recuou perante as verdadeiras reformas. Nem o
desgraçado défice se “consolidou” abaixo do que a Europa manda, nem a dívida
diminuiu, nem o “crescimento” e o “pleno emprego” saíram miraculosamente da
cabeça de Passos Coelho. Voltámos, depois de muita gritaria e autêntica
pobreza, à situação de 2010-2011. Com algumas diferenças. O tal “povo que
aguenta tudo” não aguentará uma nova dose de “austeridade”. A direita e o dr.
Cavaco, que em 2011 eram de certa maneira um recurso, perderam a confiança e o
respeito dos portugueses. No deserto de hoje o mínimo solavanco sério é a porta
para um desastre como nunca antes conhecemos.» Público 4/7/2014
Vasco Pulido Valente
Mas não posso deixar de transcrever o texto seguinte –
de Rui Ramos - do blog “A Bem da Nação” que põe também os pontos
nos ii, segundo argumentos reveladores de uma maior solidez temperamental, e
com dados certamente não de mentirinha, mostrando, entre outros, os problemas
das dificuldades governativas que exigiram e vão continuar a exigir a
austeridade: «Mas sábado passado, em Cinfães, o primeiro-ministro revelou que
"nós hoje temos um nível de despesa social maior do que aquele que
tínhamos quando a crise começou". É isto o neo-liberalismo? No Conselho de
Estado de Sexta Feira, Passos Coelho terá explicado que haverá
"mutualização" quando os outros governos europeus entenderem, mas que
isso significará ainda mais restrições à governação em Portugal.»
O artigo de Rui Ramos:
«A IRRESPONSABILIDADE, DOENÇA
INFANTIL DO SOCIALISMO»
«Mundo de
fantasia»
«O
PS prefere confrontos ideológicos de fantasia. Assim, ignora os problemas.
Perante a questão da governação pós-2015, em vez de enfrentar a dificuldade,
finge ter infinitas hipóteses à esquerda.
Se
há um documento revelador da estranha fase por que está a passar o PS, é a
extraordinária entrevista de João Cravinho de sábado passado.
Cravinho, antigo ministro de António Guterres, discorre sobre a maré alta do
socratismo em 2009, à qual se seguiu o défice de 10,2% em 2010 e o pedido de
resgate em 2011. Diz Cravinho: "Em 2009, ano de eleições, houve de facto
um eleitoralismo orçamental muitíssimo forte, quer directamente – caso do
aumento salarial da função pública e das prestações sociais -, quer
indirectamente – é por essa altura que se lançam os grandes projectos,
nomeadamente rodoviários".
Um
socialista a reconhecer imperfeições a Sócrates? Nada disso. Acrescenta
Cravinho: "Espantosamente, não sei como foi possível aprovar [aquela]
legislação. E não sei como foi possível ao Presidente da República promulgá-la.
Isso para mim é o grande mistério do primeiro mandato de Cavaco: sendo ele
especialista na matéria, como é que aceita, por exemplo, que as concessões só
comecem a ter efeitos no termo da legislatura 'n' anos à frente?"
Ficamos
portanto a saber: a culpa é de Cavaco Silva. O Presidente da República, segundo
um antigo dirigente socialista, não deveria ter deixado o PS governar. Mas que
teria dito Cravinho em 2009, se o presidente tivesse contestado as opções do
PS? E não tem agora nada para dizer sobre o facto de ter sido o PS o
responsável dessas opções?
O
PS esteve no governo entre 1995 e 2011, com um breve intervalo de faxina entre
2002 e 2005. A economia portuguesa deixou de convergir com a UE, a dívida
pública escalou os Himalaias, e acabámos "resgatados". Para o PS, a
culpa de tudo isso, quando não é dos bancos, é de Cavaco Silva.
O
PS vive num mundo extraordinário. Actualmente, a sua razão de ser é a
resistência a um governo "neo-liberal", supostamente empenhado em
destruir o Estado social e fazer-nos pagar a dívida. Mas sábado passado, em
Cinfães, o primeiro-ministro revelou que
"nós hoje temos um nível de despesa social maior do que aquele que
tínhamos quando a crise começou". É isto o neo-liberalismo? No Conselho de
Estado de Sexta Feira, Passos Coelho terá explicado que haverá
"mutualização" quando os outros governos europeus entenderem, mas que
isso significará ainda mais restrições à governação em Portugal.
O
que pensa o PS do recorde de despesa social ou dos condicionalismos de qualquer
mutualização (ou reestruturação) da dívida? Não sabemos. O PS prefere
confrontos ideológicos de fantasia. É a sua maneira de ignorar os problemas.
Perante a questão da governação depois de 2015, no caso de vencer eleições sem
maioria absoluta, é a mesma coisa: em vez de enfrentar a dificuldade, finge ter
infinitas hipóteses à esquerda. Como se fosse viável governar com o BE ou com o
PCP, partidos que negam tudo aquilo em que o PS acredita, da democracia
pluralista à integração europeia. Como se o PS não tivesse a história que tem,
feita da resistência ao comunismo em 1974-1975 e da colaboração com o FMI em
1983-1985, num ajustamento mais violento do que o actual.
O
PS deveria garantir a possibilidade de alternância no governo. Mas este PS – o
PS de Seguro, de Costa, de Sócrates –, que escolha nos deixa? É que me parece
estar a ler a entrevista de João Cravinho no fim de 2016, depois do novo
resgate com que há-de terminar o próximo governo socialista: "Mas vocês não
viram a minha entrevista de há dois anos, quando eu culpei o Presidente da
República pelo que o PS fez em 2009? Vocês não perceberam que, estando nós
nesse estado, não nos podiam deixar regressar ao poder? Os culpados são
vocês". E terá toda a razão.
» 8/7/2014 Rui Ramos In Observador
E voltamos à pergunta estranha que fez o detective
assassinado, antes de fechar os olhos, no livro de Agatha Christie: “Porque
não pediram a Evans?”, pergunta-mistério que no final decifraram, os jovens
que se lançaram sobre o mistério da sua morte. Tratava-se de uma criada, Evans, que deveria
assinar um testamento de falcatrua feito ante um advogado, e não foi chamada a
fazê-lo porque reconheceria que não se tratava do advogado que conhecia, mas do
assassino da história. Um filme que acabei de ver, que me lembrou os nossos
muitos artífices da palavra e do intelecto, que tentam decifrar e compreender, aparentemente
um grande mistério a resolver, quando estava debaixo do olho.
Evans, a dívida a pagar. Porque torneamos, torneamos,
acusando, procurando chafurdar e desviar-nos, e não nos debruçamos sobre essa
verdade básica: regressar a Evans, regressar à dívida, pagar a dívida?
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