As gerações estão cá para dar o corpo ao manifesto – ou não –
conforme as decisões dos que governam, postos a governar por variados factores,
dependentes muitas vezes das decisões das gerações, que depois se abstêm – ou não
– entregues aos seus trabalhos e folias, cada macaco no seu galho.
O mal é quando os que assumem o galho da governança se
meteram em aventuras desastradas e deram com os burrinhos na água, que é o que
nos acontece sempre, porque afinal os da governança são da mesma massa das
gerações em si, quer na indisciplina ou mesquinhez espiritual, quer, muitas
vezes, na própria ausência de formação moral que possibilita tanto do
descalabro que por aí vai. E as gerações futuras não poderão condenar as
passadas, pois os descalabros não possibilitam melhorias, nem espirituais nem
morais, que ajudariam às melhorias materiais que as gerações futuras estão
condenadas a não saber conquistar.
Mas somos um povo que vive de glória Quem sabe se tantos
destes dos galhos governativos de agora não serão um dia glorificados como
heróis, por tanto se terem esforçado para salvar as gerações, sempre
condicionados pelos obstáculos impostos pelos dos galhos que nunca se alheiam
de atacar, que é o que sabem fazer melhor, embora não com as armas dos valentes
heróis de outrora que só conhecem dos filmes.
Haverá sempre, pois, na nossa sequência geracional evolutiva,
os macacos do galho do poder, os do galho do fazer o que se pode, e os do galho
do desfazer ou impedir que se possa.
É o comentário que me merece o artigo de João César das
Neves, DISSIMULAÇÃO, publicado no “A Bem da Nação”:
DISSIMULAÇÃO
Grande
paradoxo é o alheamento das gerações face aos dramas que as assolam. Celebrando
o centenário da Grande Guerra, os 70 anos do desembarque na Normandia, os 40 do
25 de Abril e os 25 da queda do Muro de Berlim, espanta notar como eles
apanharam de surpresa quem os viveu. Para o bem ou para o mal, demorou muito
até se entender a real magnitude. As pessoas não eram tontas ou distraídas mas
dirigiam atenções e esforços para outros aspectos, na época decisivos, hoje insignificantes.
A
mesma tragédia patética repete-se agora, diante dos nossos olhos, pois a crise
financeira portuguesa segue o mesmo roteiro. Daqui a 25, 70 ou cem anos haverá
dificuldade em entender como nos enredámos em pequenas tricas e ninharias, enquanto
o problema crescia em silêncio. Nem é preciso esperar muito, pois é já evidente
a dissimulação que nos trouxe ao resgate e, agora que ele acaba, vem surgindo a
dissimulação que este incluiu.
Está
documentado o alheamento dos dirigentes que, de 2008 a 2011, negaram a
existência de problemas financeiros graves, confiando em analgésicos para
tratar um cancro. É hoje inacreditável revisitar esses meses e os intensos
debates que os ocupavam, sempre ociosos. O País só acordou para a dimensão da
crise na noite de 6 de Abril de 2011, reparando na enorme dívida, acumulada à
socapa. A euforia a crédito fora demorada e envolvera todos os extractos
sociais, mas passara despercebida. Agora eram inevitáveis longos e penosos
esforços de ajustamento.
A
austeridade apertou severamente o País. O esforço foi grande e teve resultados
positivos. Muita da nossa economia reestruturou, algumas reformas
institucionais e regulamentares foram feitas, e conseguiram-se melhorias no
Orçamento. Mas muito ficou por fazer. Terminando o programa de ajustamento,
quando os tolos dão suspiros de alívio, surgem as verdades que se omitiram
nestes anos. Apesar da dureza, manteve-se uma dissimulação, que agora desponta,
e rebentará nos próximos tempos.
A
austeridade foi forte e vasta, mas deixou de lado dois grupos principais.
Primeiro, sectores públicos protegidos. Seja porque o Governo não lhes quis ou
pode tocar ou porque o Tribunal Constitucional os defendeu, largos extractos
tiveram as suas receitas resguardadas no meio da crise, à custa de impostos,
que agravavam a crise. O segundo grupo é o "capitalismo de
compadres", as elites sectoriais, também próximas do Estado, que se
enredaram em favores e ilusões para esconder erros.
Não
é difícil reconhecer os contornos da fantasia que manteve na sombra esses
sectores da realidade, desviando a atenção para detalhes secundários. Fingia-se
que o problema se limitava à dívida pública, que bastava uma reforma de
políticas. Pior, o sofrimento e a confusão fez brotar os demagogos, acusando,
barafustando e apregoando soluções fáceis. A discussão foi repetidamente
desviada para a defesa de direitos adquiridos e falácias constitucionais. Como
se a retórica e as queixas fizessem desaparecer o peso e os sacrifícios.
Agora
a crise do GES relembra que a dívida privada é muito maior do que a pública. É
inacreditável a surpresa, provavelmente genuína, apesar de os factos serem
conhecidos há muito. Não é por falta de informação, diagnóstico ou terapêutica,
nem sequer por ter falhado o tratamento. Os sinais que agora surgem têm
simplesmente que ver com aqueles sectores que nos últimos anos fingiram que
estava tudo bem. Pode demorar, mas a realidade acaba por surgir. Como já se vê,
esses serão os protagonistas da próxima fase da crise.
Quando
os nossos netos lembrarem os escombros da nossa era, não conseguirão
compreender como foi possível ignorarmos o mal, enquanto nos entretínhamos com
tricas menores. À distância, bloqueios ao encerramento de serviços e cortes de
despesas, minudências do Tribunal Constitucional, embates de personalidades no
Governo e oposição, propostas de repúdio ou reestruturação da dívida parecerão
tontos e mesquinhos a quem já conhece o resultado. Mas cada geração vive
alheada dos grandes dramas que a assolam.
João
César das Neves
21
de Julho de 2014
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