São vários os temas focados por Alberto Gonçalves
no seu “Dias Contados” do DN de 27 de Julho:
Reza o primeiro sobre a exaltação que costumamos
despender na nossa Feira das Vaidades e Despiques a respeito da expansão
linguística portuguesa no espaço terreal, com Cavaco Silva em viagem por Timor
explicando que a da CPLP é veículo de defesa dos direitos humanos, o que
consiste numa grandessíssima atoarda, tanto no que se refere à recém-filiada Guiné
Equatorial, (quer no que toca à expressão portuguesa, quer no que toca aos tais
direitos), como até no que se refere a outros territórios africanos da CPLP que
também dificilmente os defendem, sobretudo os de maior potencial económico e
territorial. Por outro lado, estas vergonhas que passamos, com um AO feito de
rebaixamento e permissividade de indignas flutuações ortográficas, revelam o
ridículo de toda esta farfalheira exaltadora, no confronto com a dignidade de
outras línguas que não precisam de ser exibicionistas para de facto se imporem.
Eis, pois, o primeiro artigo da “Dias Contados” que
toma o abrangente título de “Língua Geográfica”, ao que parece uma
moléstia física não muito grave, caso das alfinetadas deste inteligente crítico
que, infelizmente, não penetram no córtex encefálico de quem o deveria ler para
nisso meditar e alterar segundo os critérios nelas subentendidos.
Língua geográfica
Em
Díli, Cavaco Silva garantiu que a CPLP se define através da língua e dos
direitos humanos. Nem de propósito, a CPLP estendeu-se à Guiné Equatorial, onde
a democracia é conceito discutível e onde se fala castelhano e dialectos. Mesmo
no site do Governo local o anúncio da adesão foi feito apenas em espanhol,
inglês e francês. Parece que o petróleo - e as pressões de Brasil e Angola -
pesou nesta história. É a economia, estúpidos? Se calhar é, o que significa que
pela primeira vez após anos de lirismo em redor das descobertas a CPLP
descobriu uma razão de existir: a conversa da "projecção do
português" era muito linda para juntar em cimeiras sujeitos que gostam de
se juntar em cimeiras. Mas só.
Por
pueril que soe dizê-lo em 2014, nem uma língua se "projecta" nem o
seu peso depende de decisões políticas. O inglês não se tornou a língua franca
dos nossos dias por decreto, e sim por causa da televisão e do cinema
americanos, da música popular anglo-saxónica e da concentração das grandes
empresas de informática na costa oeste dos EUA, que levam um fedelho a fazer
search, download e convert antes de aprender a escrever "o popó da
titi". Adicione-se, para os eruditos, o domínio do cânone literário
contemporâneo, de Dickens ao "assimilado" Nabokov, de Fitzgerald a
Bellow, e tem-se tudo aquilo que o português não tem e não terá. A pertinência
dos escritores não aumenta ao enfiá-los no Panteão.
É
grave? É assim. Os alemães, que em certo sentido (e apenas em certo sentido)
possuem uma língua mais "restrita" do que a nossa, não se queixam. Os
escandinavos, que comunicam em código cifrado, também não. E, coitados, vão
vivendo, ao contrário dos guardiões oficiosos do português, que sofrem
brutalmente com a respectiva insignificância. Em Setembro decorrerá em Brasília
o Simpósio Linguístico-Ortográfico da Língua. O presidente da Academia de Letras
lá do sítio publicou há dias um texto alusivo. O texto está repleto de locuções
de sacristia e de erros primários, que ainda ninguém corrigiu. Em lugar de
"projectar" o português, talvez fosse preferível escondê-lo.
O 2º texto, de 23 de Julho - Juventude inquieta – é
suficientemente explícito sobre a escassez mental de escrevinhadores que têm,
todavia, o seu público, e que não estarão isentos de vir a ser consagrados com
os prémios literários que a sua pujança criativa (aliada, possivelmente à sua
pujança partidária), merecerá. (Mas trata-se esta observação de pura opinião
pessoal. Alberto Gonçalves limitou-se a condenar, com q.b. de iracúndia):
Juventude inquieta
Com a excitação motivada pelos erros ortográficos de
uma deputada socialista num texto do Facebook, ninguém reparou na publicação,
já lá vão uns tempos, do novo romance de outra deputada socialista. Ninguém, ou
quase ninguém, que o atento blogue Malomil fez há dias a indispensável recensão
crítica de Apátrida, a obra com que Isabel Moreira demonstra aos escassos
cépticos restantes que um assento parlamentar não só não é incompatível com o
QI de Forest Gump como tal QI parece ser critério de admissão.
Sobre o conteúdo de Apátrida, encaminho os curiosos para o
blogue citado, acrescentando apenas que não consumo produtos alegadamente
literários que incluam pérolas como: "unilateralidade sem dolo",
"esmurra o vomitado nas casas de banho" e "fumei três ganzas e bebi
uma garrafa de vinho tinto", embora a combinação de estupefacientes com o
álcool justifique plenamente que se escreva assim. A mera frase "deus a
mijar-se de medo pelas pernas abaixo" (limito as citações às transcritas
no Malomil) resume a essência da coisa: uma adolescente com corpo de adulta e
cérebro de criança convence-se de que, se enfileirar muitas letrinhas num ecrã
de computador, obtém algo similar a um pequeno livro. Se encher o livro com o
tipo de patetices usadas pelos petizes para maçar os parentes, consagra-se
junto de 12 semianalfabetos como autora "irreverente". Há imensos
irreverentes do género por aí, com sorte enclausurados nas EB 2/3. Com azar,
habitam os auditórios das Fnac e o Parlamento. Antes de escrever livros, a Dra.
Isabel devia experimentar ler pelo menos um.
Em “Vícios”, (25/7), trata o articulista do cinismo tenebroso de
membros parlamentares e outros membros ainda mais cimeiros, na condenação e
simultaneamente no aproveitamento dos lucros dos jogos de azar para benefício
social:
Vícios
Muito
depois de Francisco Louçã condenar a economia de casino, outro beato, Ribeiro e
Castro, aparece a condenar os casinos na
economia. Parece que o homem está preocupado com uma proposta de lei da
secretaria de Estado do Turismo, a qual pelos vistos desviaria parte das
receitas actuais do jogo online das políticas ditas sociais para onde hoje convergem.
Já é engraçado o deputado do CDS aceitar sem problemas
o recurso ao dinheiro de um vício que abomina. É mais engraçado ainda o Dr.
Ribeiro e Castro não reparar, ou fingir não reparar, que a aplicação
"social" desse dinheiro pode servir precisamente para ajudar as
vítimas do próprio vício. E é engraçadíssimo que, à semelhança de tantos outros
colegas de classe, o Dr. Ribeiro e Castro se julgue conhecedor dos
comportamentos recomendáveis aos cidadãos.
Notam o paradoxo? De uma penada, o Dr. Ribeiro e Castro
resume a velha hesitação do Estado entre padronizar a vida alheia e lucrar com
os desvios ao padrão. Na dúvida, opta por tentar ambas as proezas - e com
frequência realiza-as, o que é um feito. Feitos estamos nós.
Igualmente o artigo sobre o escândalo do BES e a
impunidade que tem apoiado os Robertos Salgados no nosso país. Um texto
violento e justo, de alguém que não necessita de trocadilhos para condenar a
corrupção:
O poder e o povo
Há meses, um americano nascido na Grécia explicava-me
o que distingue o país de origem do país de destino: no primeiro, os poderosos
cometem crimes impunemente; no segundo há poderosos na cadeia. Embora
populista, simplória e pouco original, a tese possuía certa pertinência. Além
disso, era uma oportunidade para praticar um dos poucos desportos a que me
dedico: dar a conhecer lá fora o meu querido Portugal e admitir, com aquela
peculiar mistura de vergonha e de gozo, que em matéria de descaramento somos
muito mais parecidos com os gregos do que com os americanos.
Quantos sujeitos com poder ou influência estão presos
por aqui? Contas bem feitas, nenhum. Salvo pelo ocasional autarca, o indígena
bem colocado é livre de estraçalhar as contas públicas, alinhar em evidentes
esquemas de corrupção ou surripiar milhões ao próximo sem que daí lhe advenha
qualquer mal.
Nisso, esta semana foi atípica, já que um banqueiro de
renome se viu detido. Ou foi uma semana normalíssima, já que o banqueiro
deixara o cargo recentemente e a detenção ficou-se pelo estatuto de arguido. A
minha opinião? Não tenho uma, ainda que o facto seja susceptível de embaraçar
um opinador profissional e ainda que dezenas de leitores me invectivem
regularmente nos comentários do DN online a pronunciar-me sobre Ricardo Salgado
e o escândalo do BES.
Os leitores julgam tocar numa questão que me é
incómoda. Julgam mal. Sucede apenas que não conheço o indivíduo de lado algum,
não integro os quadros da Judiciária e não consigo interessar-me pelas
aventuras, lícitas ou ilícitas, da alta finança. Os senhores da banca parecem-me
as criaturas menos fascinantes da Terra, logo depois de constitucionalistas,
activistas e sindicalistas. Para desilusão das massas, limito-me a esperar -
sem histeria ou grande esperança, é verdade - que se cumpra a lei e que o Sr.
Salgado pague pelos seus alegados crimes.
De resto, não estou com as massas nem na condenação
imediata dos poderosos caídos em desgraça nem no inevitável reverso: a adulação
dos poderosos em estado, com ou sem maiúscula, de graça. Em circunstâncias
diversas, vi demasiadas pessoas insultar pelas costas governantes ou
administradores para, cinco minutos decorridos, arranjarem uma hérnia enquanto
lhes osculavam a mãozinha. Não adianta resmungar contra quem manda se se
aprecia ser mandado e mandar. Nas democracias, a impunidade não cai do céu (ou,
no caso grego, do Olimpo). Mas há democracias a cair por causa da impunidade.
Finalmente, um curto texto corajoso sobre um Israel
alvo de ataques pelos cínicos defensores dos fracos que não desistem, e
lembrando os tempos em que os Israelitas foram perseguidos e lamentados quando
eram selvaticamente perseguidos.
Bons tempos
Se bem percebo as notícias indignadas que chegam do Médio
Oriente, o direito de Israel à defesa do seu território termina no momento em
que morre a primeira mulher ou criança em Gaza. Matar mulheres e crianças,
árabes ou israelitas, é uma prerrogativa que apenas assiste aos árabes no
desempenho das limpezas de honra locais e do terrorismo libertário. Além disso,
o potencial bélico de Israel é muito superior ao do Hamas, o que torna a guerra
injusta, como injustos serão todos os conflitos em que o "povo
judaico" não saia a perder. A História recorda-nos alguns cujo resultado
foi o inverso, e aí sim, a guerra dava gosto e não indignava ninguém. Quanta
saudade.
Farpas – aftas , em «língua geográfica»
- de uma mente esclarecida e séria. Um
prazer de leitura.
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