Eu bem que me sinto meio encabulada por um
título tão terra-a-terra para introduzir um artigo que acabei por espreitar no
site que também lá vinha http://expresso.sapo.pt/como-um-dia-veremos-acabaremos
analfabetos = f877679, mas é um título que representa a clara
expressão do que se passou, foi a minha filha que mo mandou, o artigo de Ana
Cristina Leonardo sobre a nossa condição futura de analfabetos terminais.
E perguntarão vocês,
no vosso acto perlocutório de questionamento que me impõe (ou não) a
vontade de esclarecimento e transcrevo da internet: «O acto perlocutório é o acto que
tenderia a produzir certos efeitos menos directos sobre o interlocutor:
questionamento, medo, convencimento etc; efeitos que podem realizar-se ou não.
Por exemplo, ao dar um conselho a alguém (acto ilocutório) do tipo: ‘’Por que
você não vai de carro?’’, o enunciador pode estar tentando (e conseguir) levar
o destinatário a lhe oferecer uma carona (acto perlocutório).»
Perguntarão, pois, vocês, e repito, no vosso acto perlocutório incisivo, até
talvez ameaçador: Porquê tão violenta asserção ou acto ilocutório assertivo sobre
o analfabetismo progressivo?
E eu afanosamente,
para maior esclarecimento, no receio da concretização ameaçadora, continuo a
transcrever da net a referência aos novos estudos a respeito do redimensionamento
da linguagem ( por Austin) “no que diz respeito à sua natureza e à sua vocação – a linguagem é uma forma de acção - abandonando assim a concepção
de linguagem como representação do mundo e do pensamento.
«A partir do estudo de Austin,
Searle (1982) propõe cinco tipos de actos de fala: representativos (que
descrevem um facto); directivos (que levam o interlocutor a realizar uma
determinada acção futura); comissivos (que engajam o locutor a realizar uma acção
futura); declarativos (que tornam efectivo o conteúdo do acto) e expressivos
(que expressam um estado psicológico, dentre outras contribuições).»
«Pioneiros da teoria
dos actos de linguagem, Austin e seu sucessor Searle, entendendo a linguagem
como forma de acção (todo dizer é um fazer), começaram a observar e a teorizar
sobre a forma como os homens praticam diferentes acções através da linguagem.
Mostraram assim que toda a enunciação constitui um acto (negar, jurar,
prometer, sugerir etc) que visa modificar uma situação.»
Mas eu desisto de
pretender esclarecer, vem na internet, e só direi a coisa simples de que esses
actos de fala têm ligação com o verbo latino loqui que significa falar e
deu locutor, ilocutório, alocutário, etc.
Estudos muito
valiosos, diremos nós, mas profundamente rebuscados para ensinarmos e exigirmos
dos alunos que, ao invés de apreciarem a linguagem dos textos que lêem, na sua
dimensão humanística e gramatical, serão obrigados a explicitar as
intencionalidades que presidem a actos de fala que se escondem nos enunciados
ilocutórios, complicando e embrutecendo, num snobismo pueril de alarde
teorizador, que justifica o título do artigo de Ana Cristina Leonardo. Daí a indignação nele transparente,
indignação não contra os sábios linguistas que assim discorreram sobre os
valores da linguagem como acção, mas contra os seus propaladores pedagógicos de
bisturis deslumbrados, provavelmente já ignorantes das tais leituras
humanísticas, e apenas debruçados sobre o sexo dos anjos, não inócuo mas definitivamente
oco, em direcção ao analfabetismo final:
«Como um dia veremos… acabaremos analfabetos…»
«Marguerite Yourcenar disse, e eu reproduzo,
que temos obrigação de morrer menos estúpidos do que nascemos. É uma máxima que
tento respeitar. A semana passada, em resultado da polémica sobre o Exame
Nacional de Português do 12º ano, onde, ao que parece, e vá lá saber-se como,
Lídia Jorge foi confundida com Almeida Faria, fiquei menos estúpida (se bem que
involuntariamente). Fiquei a saber, e cito, que "os actos ilocutórios
podem ser assertivos ou compromissivos". Aprendi também que existem, cito,
"actos ilocutórios directos" e, cito, "actos ilocutórios
indirectos". A estes somam-se ainda, cito, "os actos locutórios e,
cito, os "actos perlocutórios". Vejamos mais algumas coisas que aprendi: "o acto perlocutório corresponde aos efeitos
que um dado acto ilocutório produz no alocutário". Perguntar-me-ão (ou
não): O que é alocutário? Pois bem. Um alocutário é aquele a quem se destina o
enunciado da fala (nos CTT chama-se a isto destinatário), por oposição ao
locutor que é aquele que fala ao alocutário (...) Talvez citar a Infopédia
online (Porto Editora) traga alguma aclaração ao assunto. Diz assim: "
(...) o alocutário deve interpretar um enunciado tendo em conta o conteúdo
proposicional do acto proferido e, também, todos os marcadores da força
ilocutória presentes na situação comunicativa em que é proferido." Juro
que não fui eu quem escreveu isto! Chegada aqui, senti-me catapultada, se me
permitem, para um tempo antigo (...) no qual, para recorrer às sábias
palavras de Jim Hankinson, "a pouca filosofia que existia na Europa sofreu
uma viragem depressivamente teológica, centrando-se em disputas tais como se
Deus era Uma Pessoa em Três ou Três Pessoas Numa, (...) e quantos anjos podem
dançar na cabeça de um alfinete (no caso improvável de desejarem
fazê-lo)". Neste caso a viragem não foi teológica, é escatológica. Não é
escolástica, é gástrica. Encomiástica. Proplástica. Toponomástica. Pleonástica.
Isso! Ou nada.»
Ana Cristina Leonardo, Expresso, 28 de junho de 2014
Um comentário:
Aprendi imenso com a tua pesquisa. Não é que me interesse muito saber este tipo de coisas, acho que daqui a bocado já nem me lembro... mas faz-me rir.
Paula
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