É com lágrimas que a recordo. Não
sei se está viva, se já morreu, um dos filhos mantendo-a numa espécie de
sequestro, doente, num lar de idosos que não deixa conhecer, por razões de zanga
com um irmão, ao qual cortou a possibilidade de contactar com a mãe.
Conheço a Isaura desde
Coimbra, ajudou-me a tratar dos primeiros filhos e da casa, mais tarde em
África, e posteriormente outra vez cá, a quem dei guarida e trabalho , na casa
grande emprestada, quando veio de cambulhada com os filhos, tal como nós, por
alturas da descolonização. Pouco a pouco a Isaura retomou a sua vida
independente, com o dinheiro que juntou, sempre soube dar-me esse nobre exemplo
de juntar dinheiro, que eu nunca fui capaz de acompanhar, foi viver num bairro
social em Cascais. Quando os filhos casaram, deu mil contos a cada um, com
deslumbramento meu, e continuou a juntar o dinheiro do seu trabalho a dias, nas
casas ricas onde era estimada, e na casa que obteve por sorteio e cujo preço
mensal era mínimo. Às vezes visitava-a e havia sempre bolo e chá, e cheguei
mesmo a almoçar na sua casa acolhedora. Também ela vinha a nossa casa, já
depois de reformada, nunca vinha de mãos vazias, generosa e prestável, com
lembranças para os meus netos e arroz e massa para a casa, que ela obtinha da
Assistência Social. Adoeceu, ia tratar-se aos hospitais, sempre acarinhada
pelos filhos, sobretudo esse mais novo que agora a retém num lar que não
identifica, por zanga com o irmão, que trabalha em Londres, onde educa o filho
bom aluno, bem protegido pelas leis sociais inglesas.
Uma história triste, de uma
mãe lutadora, que na fragilidade da doença é mais um caso de perversão e de
tragédia humana. Conto-a por homenagem a uma velha amiga que provavelmente não
verei mais.
Mas foi a questão do
desenvolvimento económico não dependente de educação específica, segundo Vasco
Pulido Valente, tese contestada por Luís Soares de Oliveira no “A Bem da Nação”,
apoiado em manuais de teses contrárias, que me fez evocar o caso triste da
Isaura, neste dia chuvoso e frio, propício a memórias e a considerações sobre o
estado da economia entre nós.
A Isaura é exemplo, para mim,
de como não é precisa muita cultura para se juntar pecúlio. Basta ser-se
trabalhador e poupado. Era o que faziam os nossos antepassados, que trabalhavam
de sol a sol e guardavam os dinheiros nas palhas do colchão, já no agoiro
previdente e desconfiado contra os banqueiros futuros indignos de crédito. É
certo que os “brasileiros de torna-viagem” que no Brasil trabalharam e
enriqueceram e construíram uma vasta nação também provam a tese seguida por
Pulido Valente, de que -« a velhíssima crença de que a educação – e a
formação – contribuem para o crescimento económico»: é «uma tese
desacreditada desde o princípio do século XX”».
O certo é que nunca os
dinheiros na enxerga ou entregues a filhos ingratos resultaram em produção que
se visse. Mas também é certo que o progresso cultural e tecnológico, trazendo
ganho económico e naturalmente bem-estar social, se contribui cada vez mais
para uma produção desenfreada em alguns países, com as respectivas consequências
de destruição da harmonia ecológica, entre nós converteu-se, sobretudo, numa
cada vez maior corrupção, dependência e miséria social.
Daí o cepticismo de Pulido
Valente em relação a António Costa, que apenas fará mais do mesmo, num país
que, apesar de tudo, me parece agora seguir num rumo certo, no grupo de países
onde representa pouco. Talvez, pois, que uma tese de fortalecimento do civismo
e da ética contribuísse também para o desenvolvimento económico, pelo
crescimento moral facultador, ao menos, de credibilidade e confiança.
Um naufrágio
António
Costa deu uma entrevista à televisão que veio confirmar o pior sobre a
vacuidade e as fantasias do Partido Socialista. A culpa não é dele.
Em
si próprio, o socialismo não significa nada: não tem uma filosofia, não tem uma
doutrina, não tem uma estratégia universal ou local. Nada do que Costa disse é
particularmente socialista, no sentido em que não poderia ser dito, por
exemplo, por Passos Coelho. O PS não pára de protestar contra o “pensamento”
único. Mas, no fundo, está reduzido como a Direita a defender uma democracia
liberal (multiculturalista), com o apêndice do Estado Social. Tudo o que o
distingue é um sentimento vago (embora injustificado) de que sofre mais com a
pobreza e a exclusão; e de que a direita não se importa com o destino do povo
desprotegido.
Mas,
na verdade, o que separa Costa de Passos Coelho é simplesmente a questão da
política de desenvolvimento, em que as duas partes se iludem com o mesmo fervor
e se perdem na mesma irrelevância. Tirando a má-fé, a que por situação e
profissão em geral não escapam, acabam ambas num vácuo, que meia dúzia de
tecnocratas se esforçam por disfarçar com uma conversa esotérica para
iniciados. Ainda por cima, a “zona euro”, como já abundantemente se provou,
favorece os fortes e conserva os fracos na usual miséria. Paul Krugman, de que
a esquerda tanto gosta, ganhou um prémio Nobel por explicar essa evidência. Na
Europa de hoje, Portugal, como o sul de Itália (o antiquíssimo Mezzogiorno),
será perpetuamente uma região esfolada e desprezada, sem esperança de regeneração.
Não
admira por isso que, na ausência de uma clara concepção do Estado e do seu
papel e de uma clara visão do estatuto e possibilidades de Portugal na Europa,
António Costa reverta a ilusões, sem fundamento nem desculpa. No plano
doméstico, à velhíssima crença de que a educação – e a formação – contribuem
para o crescimento económico: uma tese desacreditada desde o princípio do
século XX. E, no plano externo, à estranhíssima ideia de que os beneficiários
da “zona euro” acabarão voluntariamente ou com alguma chantagem por reduzir os
seus privilégios por amor aos pequenos países de que eles neste momento tiram a
sua prosperidade e o seu equilíbrio. António Costa ainda julga que irá negociar
o nosso desastroso estatuto. Mas ninguém irá negociar com ele. As coisas são o
que são; e faz pena assistir ao naufrágio de um homem em quem os portugueses
passageiramente confiaram.
O texto de comentário humorístico de Luís Soares de
Oliveira ao artigo de Pulido Valente (A Bem da Nação):
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
Reza a história que Almeida
Garrett caminhava pela coxia da Câmara dos Deputados para ocupar o seu
lugar quando ouviu o orador no uso da palavra dizer. «Como muita gente sabe,…».
O poeta-dramaturgo ignorava que assunto estava a ser tratado; isso não o
impediu contudo de interpelar o orador: «Muita gente, quem?» O político na
tribuna flexibilizou o discurso e retomou: «Como alguns sabem,…». Garrett fez
de novo soar a sua voz tonitruante: "Alguns, quem ?». Perante a
insistência, o orador concedeu: «Como eu sei, …»
Pergunta semelhante gostaria
eu da fazer ao jornalista Vasco Pulido Valente. Afirma ele (PUBLICO, contra-capa,
15 Mar 2015), cito, «…à velhíssima crença de que a educação - e a formação -
contribuem para o crescimento económico: uma tese desacreditada desde o
princípio do século XX". Desacreditada por quem? Bastaria ao avisado
comentarista ter lido a abalizada notícia da Macropedia Britannica, (vol 17,
pgs. 878 a 907) para verificar que a questão do crescimento só começou a ser
objecto de estudo e teorização nos anos 30 do dito século XX (Keynes e
Schumpeter à frente) e a preocupação com o desenvolvimento, por seu turno, veio
na esteira da descolonização processada no pós II Guerra Mundial. Nenhum dos
teóricos ali citados se pronunciou pela irrelevância do factor
educação-formação. Pelo contrário, o investimento no capital humano é
considerado a «chave do progresso» (pg.880) e «factor crucial» (pg 887). Nem
poderia deixar de ser uma vez que se constata que a contribuição do factor
capital para o PIB seria da ordem dos 25%, ficando os restantes 75% a cargo do
elemento humano. As estatísticas apresentadas a páginas 894 e 895 da referida
entrada relativas ao crescimento do produto por pessoa empregada mostram
claramente como a economia varia em função da educação.
Como experiência pessoal
posso registar que, num processo em que intervim, uma multinacional líder mundial
desistiu de instalar uma fábrica de computadores em Portugal por várias razões,
a principal das quais por ter constatado aqui não encontraria número suficiente
de engenheiros.
Temos de reconhecer que Vasco
Pulido Valente nem sempre acerta. Tem dias, como toda a gente.
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