terça-feira, 17 de março de 2015

À maneira do freguês



Mais uma achega sobre o AO de 1990, saída no Público de 13/5 - “Apocalise abruto”- pelo jornalista e escritor Octávio dos Santos, que inutilmente vem pontuar o caos ortográfico a que se chegou com a desonesta imposição de uma ortografia soez, por muito que se brade e se demonstre que se trata de um Acordo não só redutor da escrita como embrutecedor da mente (o que, aliás, convenho, não é relevante num país cujo confronto cultural com os demais países europeus – e não só – o situam sempre no fim da bicha – ou da fila, por via das ambiguidades). País sensível, todavia, às liberdades democráticas, que admite opções de escrita aos refractários a esse Acordo, “Voces clamantes in deserto”, todavia, algumas já extintas, como a de Vasco Graça Moura, certamente que de doença afinada pelo desgosto, pela vandalização mentecapta da sua língua.
A gramática, sobretudo no domínio da escrita, com consequências linguísticas catastróficas na comunicação oral, tornou-se, graças a esse acordo, uma pura produção individual, especificamente em termos de duplas consoantes, cujo corte, inicialmente circunscrito aos grupos consonânticos ct, cc, pt, pç e poucos mais quando a consoante anterior é muda (ato, acionar, ótimo, conceção) - apesar do étimo esclarecedor da anomalia criada pelos jihadistas da língua pátria, esses novos fabricantes das palavras à custa do erário público e dos portugueses mansos – alastrou despudoradamente para outros grupos consonânticos, como seria de prever, dadas as dúvidas sobre a pronúncia, que uma escrita correcta ajudaria a afastar.
Os exemplos são bastos, de tais aberrações, denunciadas por Octávio dos Santos, que parte da compilação de outros opositores ao AO de erros inventariados em locais de responsabilidade cultural. O próprio título do seu texto os exemplifica, com um “apocalise” de s transformado em z sonoro, ou um “abruto” destituído do significado próprio pela supressão aleatória da consoante.
Não admiram, assim, tais erros, apesar de a própria Internet mostrar que o são, sublinhando-os a vermelho: o desleixo geral, a incultura ou indiferença acintosa e provocatória dos intelectuais de esquerda, provavelmente, (mais habituados aos trâmites destruidores), são todos eles secundados pelos “comandos superiores” da nação, que não vêem nesse aviltamento da língua motivo para perderem o sono, permitindo o seu alastramento, até mesmo na própria Universidade. Ou na própria “Visão”. Se Vasco Graça Moura não tivesse já morrido, este artigo de Octávio dos Santos ser-lhe-ia fatal.

“Apocalise abruto”
Octávio dos Santos  Público, 13/03/2015
A imposição – ilegítima, ilegal, imoral, inútil, prejudicial, ridícula, totalitária – do dito “Acordo Ortográfico de 1990” como que já “normalizou”, aparente e infelizmente, aberrações como “atividade”, “ator” e “atriz”, “direto”, “espetáculo”, e outras (de)mais. Porém, bastantes “anomalias” adicionais têm vindo a ocorrer induzidas pela ideia – errada mas compreensível – de que, com o AO90, qualquer consoante de pronunciação minimamente “duvidosa” provavelmente não deve estar antes de outra.
Este perigo de proliferação, de multiplicação, de erros, de deturpações foi previsto e alertado atempada e acertadamente por muitos opositores do dito cujo, que então não receberam toda a atenção que mereciam mas que agora vêem os seus receios confirmados…  
... Com exemplos como “abruto”, “acupuntura”, “adatação”, “adeto”, “adómen”, “ajunto”, “amidalite”, “aministração”, “aministrador”, “anistia”, “apocalise”, “artefato”, “autótenes”, “avertência”, “batéria”, “batericida”, “carateres”, “cetro”, “compatar”, “conetar”, “conosco”, “contratura”, “convição”, “cootar”, “correu”, “corrução”, “corrutor”, “critografia”, “dianóstico”, “disseção”, “dítico”, “dútil”, “eletroténico”, “elipsou(-se)”, “elise”, “elítico”, “enográfico”, “erução”, “esfínter”, “espetativa”, “espetável”, “espetro”, “estupefato”, “etópica”, “eucalito”, “expetoração”, “ezema”, “fição”, “fratais”, “frição”, “ginodesportivo”, “helicótero”, “histeretomia”, “ilariante”, “impato”, “indenização”, “infeciologia”, “intato”, “inteleto”, “interrução”, “interrutor”, “invita”, “iterícia”, “latente” (não o que ainda não se manifestou exteriormente), “manífico”, “mastetomia”, “mição”, “nétar”, “Netuno”, “oção”, “ocional”, “onívoros”, “ostáculo”, “ostipação”, “otanagem”, “otativo”, “otogenário”, “otógono”, “pato” (não a ave), “perfecionista”, “piroténico”, “pitórico”, “plânton”, “politénico”, “protologia”, “proveta” (não a dos bebés e dos laboratórios), “putrefato”, “refratário”, “réteis”, “reto” (não a parte da anatomia), “seticemia”, “setor”, “sução”, “sujacente”, “suntuoso”, “ténica”, “tenologia”, “tenológico”, “tetónico”, “trato” (não a forma de lidar com outros), “trítico”, “tumefação”, “tumefato”, “umidade” e “vasetomia”. Quais são as letras que faltam nas “palavras” acima referidas? Já não são só os “c’s” e os “p’s” que cortam… os “b’s”, os “g’s”, os “h’s”, os “m’s”, os “n’s” e os “t’s” também podem desaparecer!
Localizadas e compiladas por João Pedro Graça, principal impulsionador da Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, e que assim alargou e levou até às últimas – e assustadoras – consequências um trabalho meritório de denúncia em que também têm participado, entre outros, João Roque Dias, Francisco Miguel Valada, Fernando Venâncio e António Fernando Nabais, as asneiras acima citadas não foram detectadas em meros, modestos, blogs ou páginas de Facebook de jovens ortograficamente inexperientes, iliteratos e ignorantes. Estavam e estão em sítios oficiais de importantes instituições e empresas, públicas e privadas, incluindo estabelecimentos de ensino superior e órgãos de comunicação social. Como A Bola, Autoridade Tributária e Aduaneira, Banco Santander, Boehringer Ingelheim, Câmara Municipal de Alfândega da Fé, Câmara Municipal de Guimarães, Câmara Municipal de Viseu, CMTV, Correio da Manhã, Correio do Minho, Destak, Diário da República, Diário de Notícias, Diário do Alentejo, Direcção-Geral do Património Cultural, Escola Superior de Educação de Bragança, Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu, Expresso, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, FENPROF, FNAC, Fundação Calouste Gulbenkian, Instituto Polité(c)nico de Coimbra, Instituto Politécnico de Lisboa, Instituto Politécnico de Viseu, Jornal de Notícias, Lusitânia Seguros, MaisFutebol, Ministério da Educação e Ciência, OLX, Portugalio, Presidência do Conselho de Ministros, Procter & Gamble, Revista Portuguesa de Cardiologia, Sapo, SIC, Tribunal da Relação do Porto, TVI, Universidade de Aveiro, Universidade Católica Portuguesa, Universidade do Porto, Universidade Lusófona e Visão.
Para saber quem “escreveu” o quê deve-se ir ao sítio da ILCAO e consultar o inacreditável “inventário” em constante actualização. Que constitui uma prova irrefutável e definitiva deste “apocalise abruto”, deste “cAOs” ortográfico – e, consequentemente, também comunicacional, cultural e educativo – que está a alastrar em Portugal. Será definitivo? Ou, pelo contrário, será contido e até revertido? De Belém e de S. Bento espera-se uma resposta. Urgentemente.

Um comentário:

Ricardo disse...

O AO foi imposto pelo Estado a toda a AP e já antes desta determinação havia diversos meios de comunicação social a utilizar o português daí resultante. No entanto não houve o cuidado, talvez por ser muito oneroso, de alterar toda a comunicação visual existente nas cidades portuguesas, como o "exceto cargas e descargas", a Proteção Civil e outras mil... talvez com o tempo venhamos a ter uma uniformização. O problema maior é que os otávios da erudição, que não se começaram a mexer na altura em que começou a haver os desvarios, em vez de auxiliarem o povo iletrado na correção dos erros, aproveitam e continuam a lançar a confusão, como se depreende do texto reproduzido. Para mim tanto me faz que o português se escreva de uma ou de outra maneira desde que entenda o que pretendem da minha pessoa. Deve-se isto a uma uma educação esmerada que fez com que apreendesse a maioria dos conteúdos linguísticos. O mesmo já não se poderá dizer das terminologias gramaticais que eram utilizadas no tempo em que estudei e as usadas nos tempos que correm. Em relação a estas últimas sou analfabeto.
Com tamanha confusão implantada estou disposto a comparar esta revolução na escrita a mais uma abrilada em que tanto se promete e que, por via dos interesses de uns quantos vendedores de dicionários, dá com os burros na água.