Em apoio a algumas curtas mas certeiras análises de
Vasco Pulido Valente, que sempre encantam pelo sabor epigramático das suas
definições, este artigo de Teresa de Sousa (Público, 19/3/15), artigo sério, de
aluna aplicada, que nos alerta para a eminência de um conflito entre as forças de
leste e as de oeste, caso a Grécia saia do Euro e procure o seu Padrinho do
leste, esgotados os apoios do seu Padrinho do oeste, que parece não aceitar
mais as árias das suas artimanhas para protelar o cumprimento das suas
promessas de pagamento. Escudados com o exemplo da digna Penélope, que desfazia
de noite o manto que fabricava de dia, para não se comprometer com nenhum
pretendente, os representantes do governo grego assim vão jogando às escondidas,
entalados em compromissos que não pensam assumir, dando uma laçada e logo a desfazendo.
ratos esquivando-se para outros terrenos onde poderão roer até ver.
Diz-se que Putin esteve desaparecido. Quem sabe se para
combinar melhor com Tsipras os próximos passos da futura aliança salvadora da
Grécia e ateadora da destruição no mundo para cá dos Urais?
Creio que os representantes do povo grego se não ralarão
muito com isso, brincando também com o seu fogo próprio, Hefaísto empunhando as
suas armas, no fulgor fátuo do fogo de que ele é o deus!
A Europa brinca com o fogo?
Teresa de Sousa
1. Jogo de poker? Berlim faz bluff?
Ou é Atenas? As respostas ainda estão à espera de alguns esclarecimentos
adicionais.
A
primeira, que diz respeito a Berlim, é fundamental. Angela Merkel entregou a
gestão da crise grega ao seu ministro das Finanças, através do Eurogrupo. Não
quer a Grécia na agenda oficial da cimeira que hoje começa em Bruxelas, mas
parece estar disposta a falar com o seu homólogo grego, Alexis Tsipras, à
margem da reunião, por forte insistência deste último, e na companhia do
Presidente francês e dos presidentes da Comissão e do BCE. Antes tinha
confirmado que receberia o seu homólogo grego na segunda-feira em Berlim.
Reserva totalmente o jogo. Entretanto, Wolfgang Schäuble eleva a parada,
aproximando-se de um ponto de não retorno. Não é apenas a inflexibilidade
quanto às reformas. O ministro voltou a colocar o cenário da saída do euro em
cima da mesa e acrescentou-lhe outro, ainda mais preocupante: o chamado Grexident
(a Grécia pode entrar em default por acidente, tornando a sua saída
irreversível).
As
interpretações do seu jogo não são unânimes. Para alguns analistas, trata-se de
exercer a pressão máxima sobre Atenas para que mantenha os compromissos com as
reformas e as metas definidas pelos credores. Para outros, Berlim chegou à
conclusão de que uma saída da Grécia não teria um custo demasiado elevado, como
teria tido em 2010, graças à menor exposição da banca europeia à dívida grega e
à panóplia de novos instrumentos que a zona euro entretanto criou para limitar
um contágio. Muitos governos europeus discordam, como discorda totalmente a
Comissão Europeia. Aceitam-se apostas
2.
Do outro lado, surgem sinais contraditórios que dificultam o entendimento sobre
o que tenciona fazer o governo grego. O Syriza encontra-se na posição
“insustentável” de ter de “adiar” as promessas que fez aos gregos nas eleições
de Janeiro. Calculou mal os apoios europeus e avaliou ainda pior a sua
capacidade de pressão sobre Berlim, convencido que o risco de saída assustaria toda
a gente. A posição de Alexis Tsipras é extremamente difícil. Continua a
insistir que a Grécia não se deixará chantagear. Mas, ao mesmo tempo, move-se
quase desesperadamente para encontrar uma solução, indo ao ponto de avisar que
os cofres gregos estão perigosamente vazios. Aparentemente, Atenas tem uma
escolha difícil: ou paga a dívida que vence este mês ou as pensões e os
salários da Função Pública. Nesta situação, Tsipras tem de calcular muito bem
os passos que dá sob pena de realizar a profecia da saída “acidental” de
Schäuble. Por enquanto, continua a jogar com um pau de dois bicos. No dia em
que a chanceler aceitou recebê-lo em Berlim no dia 23, o Governo grego anunciou
a sua deslocação a Moscovo no dia 8 de Abril. É, mais uma vez, uma jogada arriscada
que surge numa altura em que o efeito “Varoufakis” já não faz rir ninguém e o
ar cordato de bom rapaz que Tsipras exibe em Bruxelas também já não conta para
muito. Ontem, os únicos aliados de que dispõe, Juncker e Pierre Moscovici, o
comissário responsável pelos assuntos económicos e monetários, revelaram o seu
desânimo quanto às negociações, aumentando também eles a pressão sobre Atenas.
3.
Se era preciso mais algum sinal de que a questão grega envolve riscos enorme,
mesmo que de outra natureza, ele veio de Washington. O Presidente Obama tem
pressionado os responsáveis europeus para que resolvam rapidamente e a bem o
problema grego. Decidiu enviar a Atenas Vitoria Nuland, subsecretária de Estado
para a Europa e a Eurásia, para avaliar in loco a situação. Para Washington, a
questão é fundamentalmente geopolítica. Deixada à sua sorte, a Grécia poderia
inclinar-se cada vez mais para Moscovo, quebrando os laços com o Ocidente que a
União Europeia garante. “A Rússia tem um grande interesse em ver a crise grega
agravar-se”, diz ao Guardian Dimitris Keridis, professor de ciência política na
Universidade de Atenas. “Precisamente porque [uma saída] afectaria a zona euro,
enfraqueceria a Europa e afastaria a Grécia do Ocidente”. O diário
britânico lembra que poucos sítios são tão importantes na região como a ilha de
Creta, “onde estão instaladas capacidades de comando e controlo e apoio
logístico aos Estados Unidos e à NATO”. “Se a Grécia saísse, a Turquia poderia
ir a seguir”.
Pelo
menos publicamente, esta preocupação não parece incomodar os europeus, mesmo se
a questão mais séria que Merkel quer discutir no Conselho Europeu seja a
relação com a Rússia. Há, todavia, entre os europeus outro debate que é mantido
quase em surdina e que diz respeito a um outro contágio, mas de natureza
política. Muita gente defende que é preciso mostrar que o Syriza acabará por
fracassar no seu objectivo de mudar as regras do jogo. O cenário contrário
seria uma oferta ao Podemos e ao Cidadãos em Espanha, dando aos movimentos
populistas mais um bom argumento para conquistar votos.
O
problema é que há coisas “impossíveis” que rapidamente se tornam possíveis. Já
ninguém fala da Crimeia, ocupada e anexada pela Rússia, porque uma coisa
impossível aconteceu. A saída “impossível” da Grécia pode rapidamente tornar-se
possível. Claramente, a Europa não está a conseguir definir aquilo que é o seu
interesse fundamental, que permita ver os vários desafios que enfrenta num
contexto global. Também não se espera que haja esse debate no Conselho Europeu.
As decisões tomam-se cada vez mais à margem das cimeiras por um núcleo reduzido
de protagonistas. É também por isso que os extremos ganham força política.
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