Um artigo de António
Bagão Félix, - “A insustentável não prioridade do ensino
artístico” - (Público,
21/3/15), é bem expressivo da nossa idiossincrasia de mediocridade e apatia
intelectual que, em sucessivos governos, vai relegando para as calendas gregas
os trabalhos de reparação da Escola de Música do Conservatório Nacional, as
prioridades de embelezamento centrando-se nas redes de autoestradas e estádios de
futebol inadiáveis e ruinosos que foram. É bem significativo de desprezo,
sobretudo por este Governo, que, afirmando a questão como prioritária, a vai
protelando. Mas o mesmo fora, no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, o Programa
Parque Escolar, ambicioso e espectacular, colocando-o no fim das suas
prioridades.
E no entanto, não admira a
desatenção pela cultura real e pelo bem estar físico e espiritual dos estudantes
- neste caso de música. Já nos meus tempos de Coimbra, a água penetrava na
Biblioteca Geral. Mas havia sempre quem se lá enfronhasse nas consultas dos
calhamaços. Nas escolas de hoje apanha-se chuva de pavilhão para pavilhão, estamos
habituados às dificuldades, desde tempos imemoriais, o sítio é secundário
quando se tem uma vocação.
A nossa música de maior
receptividade está, aliás, centrada no fado e no bailarico, ela nos serve de
estímulo, e até já ganhou projecção, como património imaterial. Há canais
televisivos em francês e inglês, pelo menos, que vão mostrando e explicando quadros
de pintores clássicos em várias facetas de análise. Também há neles programas
sobre os palácios, num reviver de arte e história dos reis. Nós somos avessos aos
reis. Mas também à arte. A televisão poderia ser um bom veículo didáctico, em
termos mais sérios ou menos farfalhudos. Programas de fados é que não faltam,
no canal Memória aos domingos. Repetidamente. E assim, de vez em quando vamos
revendo e revivendo a nossa Amália. Somos pessoas que nos deixamos embalar pelos
prazeres dos sentidos mais do que pela reflexão sobre as características das artes,
coisa cansativa.
Os alunos que se dedicam de
facto à música, fá-lo-ão sempre, estudiosamente. Basta-lhes que tenham professores
transmissores dessa arte. Que, ao menos, nunca falte dinheiro para pagar aos
professores. O sítio é secundário. Somos assim. Não se estranhe. Hoje já
ninguém cora de vergonha.
A insustentável não prioridade
do ensino artístico
António Bagão Félix
As imagens do estado de degradação do edifício onde
funciona, há 180 anos, a Escola de Música do Conservatório Nacional fazem corar
de vergonha qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade.
Uma situação insustentável do ponto de vista das
condições mínimas para se ensinar e aprender, e perigosa em termos de falta de
segurança física, ao ponto de a Inspecção da CML ter mandado fechar dez salas.
Ao que li, as últimas obras significativas aconteceram há 70 anos.
Verdade seja dita que o problema, embora agora
agravado, já existe há muito tempo, passando pela indiferença e inacção de
vários Governos. Até o Programa Parque Escolar, lançado em 2007, relegou para o
fim da lista as inadiáveis obras de reparação e de requalificação, o que, na
prática, significou que nada se veio a fazer.
Foram precisos concertos de protesto, manifestações,
petições para debate na AR e outras lancinantes chamadas públicas de atenção
para que, ao que parece, se ter decidido por alguma intervenção mais urgente,
ainda que provavelmente insuficiente.
O ministro da Educação afirmou, há dias, que a
reabilitação da Escola estava na “lista nacional de prioridades” (curiosa a
prioridade … quase no fim do 4º ano do seu mandato). Um propósito tardio, mas,
apesar de tudo, esperançoso para os alunos e professores do Conservatório,
ainda que vago quanto a prazos, grau da intervenção e montantes (moda de
vacuidade que pegou de estaca em alguns membros do Governo).
Este problema é a face mais grave da secundarização
com que o Estado tem olhado para o ensino artístico especializado.
Provavelmente revelador do modo pouco importante como, também na sociedade em
geral, se olha para a cultura e arte. Consequentemente, o dinheiro nunca chega.
Mesmo o pouco (em termos relativos face a gastos elevados e, não raro, menos
prioritários) que é necessário para dar as condições suficientes de dignidade a
estas escolas.
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