quinta-feira, 26 de março de 2015

Vergonha não há porque não é paga




Um artigo de António Bagão Félix, - “A insustentável não prioridade do ensino artístico”  - (Público, 21/3/15), é bem expressivo da nossa idiossincrasia de mediocridade e apatia intelectual que, em sucessivos governos, vai relegando para as calendas gregas os trabalhos de reparação da Escola de Música do Conservatório Nacional, as prioridades de embelezamento centrando-se nas redes de autoestradas e estádios de futebol inadiáveis e ruinosos que foram. É bem significativo de desprezo, sobretudo por este Governo, que, afirmando a questão como prioritária, a vai protelando. Mas o mesmo fora, no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, o Programa Parque Escolar, ambicioso e espectacular, colocando-o no fim das suas prioridades.
E no entanto, não admira a desatenção pela cultura real e pelo bem estar físico e espiritual dos estudantes - neste caso de música. Já nos meus tempos de Coimbra, a água penetrava na Biblioteca Geral. Mas havia sempre quem se lá enfronhasse nas consultas dos calhamaços. Nas escolas de hoje apanha-se chuva de pavilhão para pavilhão, estamos habituados às dificuldades, desde tempos imemoriais, o sítio é secundário quando se tem uma vocação.
A nossa música de maior receptividade está, aliás, centrada no fado e no bailarico, ela nos serve de estímulo, e até já ganhou projecção, como património imaterial. Há canais televisivos em francês e inglês, pelo menos, que vão mostrando e explicando quadros de pintores clássicos em várias facetas de análise. Também há neles programas sobre os palácios, num reviver de arte e história dos reis. Nós somos avessos aos reis. Mas também à arte. A televisão poderia ser um bom veículo didáctico, em termos mais sérios ou menos farfalhudos. Programas de fados é que não faltam, no canal Memória aos domingos. Repetidamente. E assim, de vez em quando vamos revendo e revivendo a nossa Amália. Somos pessoas que nos deixamos embalar pelos prazeres dos sentidos mais do que pela reflexão sobre as características das artes, coisa cansativa.
Os alunos que se dedicam de facto à música, fá-lo-ão sempre, estudiosamente. Basta-lhes que tenham professores transmissores dessa arte. Que, ao menos, nunca falte dinheiro para pagar aos professores. O sítio é secundário. Somos assim. Não se estranhe. Hoje já ninguém cora de vergonha.

A insustentável não prioridade do ensino artístico
António Bagão Félix
As imagens do estado de degradação do edifício onde funciona, há 180 anos, a Escola de Música do Conservatório Nacional fazem corar de vergonha qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade.
Uma situação insustentável do ponto de vista das condições mínimas para se ensinar e aprender, e perigosa em termos de falta de segurança física, ao ponto de a Inspecção da CML ter mandado fechar dez salas. Ao que li, as últimas obras significativas aconteceram há 70 anos.
Verdade seja dita que o problema, embora agora agravado, já existe há muito tempo, passando pela indiferença e inacção de vários Governos. Até o Programa Parque Escolar, lançado em 2007, relegou para o fim da lista as inadiáveis obras de reparação e de requalificação, o que, na prática, significou que nada se veio a fazer.
Foram precisos concertos de protesto, manifestações, petições para debate na AR e outras lancinantes chamadas públicas de atenção para que, ao que parece, se ter decidido por alguma intervenção mais urgente, ainda que provavelmente insuficiente.
O ministro da Educação afirmou, há dias, que a reabilitação da Escola estava na “lista nacional de prioridades” (curiosa a prioridade … quase no fim do 4º ano do seu mandato). Um propósito tardio, mas, apesar de tudo, esperançoso para os alunos e professores do Conservatório, ainda que vago quanto a prazos, grau da intervenção e montantes (moda de vacuidade que pegou de estaca em alguns membros do Governo).
Este problema é a face mais grave da secundarização com que o Estado tem olhado para o ensino artístico especializado. Provavelmente revelador do modo pouco importante como, também na sociedade em geral, se olha para a cultura e arte. Consequentemente, o dinheiro nunca chega. Mesmo o pouco (em termos relativos face a gastos elevados e, não raro, menos prioritários) que é necessário para dar as condições suficientes de dignidade a estas escolas.

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