A
minha irmã e a minha amiga, como geralmente acontece, já estavam no café quando
cheguei e tive que ouvir as chufas da minha amiga sobre a minha actual falta de
pontualidade, o que me enxofrou, pois cada um sabe de si. Mas não quis revelar a
causa do meu atraso, o carro demorando a pegar, ao relento e às pombas que o sinalizam,
o que me apanha sempre desprevenida, pois conto ter nele o companheiro que pega
sempre, embora desrespeitado nas abluções, com a chuva rara e pouco rigorosa
que temos tido. Além disso ela tem sempre histórias para preencher, eu às vezes
até me sinto à margem, quando se põem a lembrar o passado de ambas, chegadas,
por colocação nos Serviços de Educação em escolas diferentes, quase ao mesmo
tempo, à capital da Zambézia, e “amigas para siempre”, as fotos que às vezes nos
traz, assim o assinalando, nos risos da juventude, que retomam nas recordações
de episódios vividos e nos considerandos sobre as sequências com que os
destinos acompanharam o viver de alguns que persistiram ou não na amizade. Para
a minha amiga foram quase todos, com quem ainda se telefona, estabelecendo
comparações e deduções entre o dito sentimento da amizade, superior em
Quelimane ao dos outros sítios, apesar da relatividade de todos os conceitos,
pois não conhecemos os sítios todos do mundo. Mas anunciei que era o primeiro
de Dezembro, mês da primavera, que ambas confirmaram, o que trouxe à baila o
provérbio que a minha mãe repetia e que a minha irmã lembrou - “Março,
marçagão, manhã de Inverno, tarde de Verão”.
Entretanto,
chegaram o Ricardo e a Teresa, com a Nina e o Óscar, que não podiam entrar,
indo o Ricardo à praia passear os cães, a Teresa ficando a acompanhar-nos, e a
conversa alargou, em tendências sobre o sombrio dos tempos.
Chegou
depois o furacão da Elsa, esplêndida de voz e de desembaraço. Tinha vindo do Dubai,
com passagem por Hong Kong e Macau, a seguir fora esquiar com o marido e os
filhos nos Alpes, impunha respeito tanta vastidão de espaços percorridos. E é
claro que a Elsa, que viveu na Suíça, não tardou a bater no ceguinho – o
extraordinário despudor de alguns vencimentos por cá, quando o ordenado mínimo é
de quinhentos euros. A minha amiga deu detalhes sobre os vencimentos e cachets na
televisão, que em absoluto me deslumbraram, chegando aos 40.000 euros mensais
os vencimentos desses, que até são muito bondosos na piedade e nos auxílios que
promovem a favor de doentes e desamparados. Julgava que só os que usavam bem os
pés por cá, atrás de uma bola é que ganhavam aos pontapés, mas também a
gritaria é bem paga entre nós. O meu marido explicou-me mais tarde que fora no
tempo do Cavaco Silva que a doutrina dos ganhos por mérito próprio foram
introduzidos, o que nem achei que fosse mal pensado, impondo mais brio e
profissionalismo nos nossos trabalhadores, mas não esperava um tal fosso entre
as gentes, e sobretudo porque vivíamos de dinheiros que não nos pertenciam. Estamos
habituados a ouvir falar de enriquecimentos ilícitos, mas ilicitude é também essa
dos vencimentos escandalosos de alguns, que na televisão dão nas vistas com
mais ou menos mérito, o espalhafato sendo nele uma constante, tanto na
repetição exaustiva do apelo ao telefonema para o prémio esmoler, como em
programas que põem em foco actuações absolutamente lorpas, como uma que captei
de passagem, entre o Goucha (que parece ser um dos favorecidos no vencimento) e
uma jovem piegas e outra personagem masculina, a respeito de culinária, que
achei repelente de idiotia e deseducação.
O
certo é que “a minha alma está parva”, como ouço a minha amiga repetir, sempre comichosa
quando “no le gusta”, mas, no disfarce da minha inveja, até considerei que
ainda bem que muitos dos nossos representativos meritórios são reconhecidos
pelas autoridades destinadas a reconhecer os méritos. Ainda que à custa do
nosso próprio demérito. Financeiro.
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