“Os Amigos dos pobres”, eis o artigo de
opinião de Alberto Gonçalves, (D.N.22/2/15) sobre os afectos de uma
esquerda radical que parece seguir no rasto magoado de Guerra Junqueiro, de
António Nobre, e tantos mais, de sensibilidade depurada num romantismo ultra
sensível, que ela nos faz reviver, contudo, com menos ritmo poético e mais
imprecação acusatória, acompanhada dos meios de comunicação sempre dispostos a
descascar as úlceras sociais para linchamento dos que as favorecem, com a
austeridade imposta. Um exemplo de graça séria, (não “à séria” mas “a sério”)
que deve provocar estrebuchamentos nessa esquerda zelosamente e cristãmente protectora,
pelas zagunchadas maliciosas bem urdidas do articulista, que sabe quanto da
nossa miséria provém de falta de coragem ou de apetência para o trabalho, numa
inércia de mândria e apatia, que também encontramos descrita em Eça e
congéneres.
Uma
ironia feroz, a de Alberto Gonçalves que informa sobre a hipocrisia dessa
esquerda favorecedora do parasitismo social, não interessada numa efectiva elevação
das “classes desfavorecidas”, incitando permanentemente ao ódio e à anarquia.
É
o que nos conta a propósito da confissão de Mithá Ribeiro sobre a sua ascensão
pelo trabalho, merecedora de indiferença ou mesmo crítica desdenhosa, dos que
apenas sabem rodar à volta do carpir acusatório, no seu imobilismo cultural.
O segundo artigo - «Dignidade, fiscalidade,
fraternidade» - sendo de ataque às
políticas do Governo na sua relação com a Troika, e aos ardis de Passos Coelho
de resgate da dívida à custa dos contribuintes, revela, todavia, a descrença no
socialismo populista de António Costa para resolver o caso, de resto
irresolúvel, segundo o seu pessimismo sem ilusão.
Em
«Os concidadãos dos outros” faz Alberto Gonçalves uma paródia aos
pequenos partidos da nossa esquerda que, envergonhados com a falta de apoio do
Governo português ao Syriza, decide enviar o seu apoio fraterno, de “pressão”
interna e externa, perfeitamente dignos de caricatura, aos seus camaradas gregos.
Um
raciocínio fortalecido pelo conhecimento livresco, pela experiência própria,
pelo bom senso, por um claro sentido de humor e um humanismo isento, eis
algumas características de um humorista que sobressai nas letras pátrias do
século XXI:
«Os amigos dos pobres»
por Alberto Gonçalves22 fevereiro 2015
«Conheço
Gabriel Mithá Ribeiro de textos na imprensa e de pelo menos um livro que o
próprio me enviou há anos. Mithá Ribeiro em geral escreve, com acerto e sem a
merecida repercussão, sobre o ensino. Nesta semana escreveu no Observador sobre
a pobreza. Lembrou a época em que a sua família, regressada de Moçambique, foi
pobre. Notou a importância do trabalho e, se bem entendi, da sorte na fuga para
a classe média. Lamentou a cultura da dependência. Criticou os que fomentam
essa cultura e prosperam à respectiva custa. Por outras palavras, Mithá Ribeiro
disse o que disse um humorista acerca de certo fotógrafo: no ângulo certo,
pobre rende um dinheirão. Naturalmente, pôs as ditas "redes sociais"
a babar ódio durante um dia ou dois.
Uns,
mais dados à indignação épica, acham impossível que em 2015 ainda se escrevam
coisas do género. Os inclinados para a franqueza chamaram a Mithá Ribeiro
"pretinho salazarista". É sem dúvida bonito confirmar que a
tolerância da esquerda só persiste em condições ideais, ou seja quando ninguém
ousa beliscar a sua imaculada moralidade. Se beliscada, como no remoque do
sindicalista Arménio acerca do "escurinho" da troika, até o racismo é
uma carta legítima.
Porém,
não se presuma que os motivos da fúria são raciais. Ou que, conforme se fingiu,
se prendem com a alegada pretensão de Mithá Ribeiro em restringir a discussão
aos portadores de experiência na matéria. Nem por sombras. O que
verdadeiramente indigna a esquerda é o seu tradicional inimigo: a ascensão
social. Para quem ganha a vida através da "ajuda" aos pobres, não há
pior do que um pobre que vence na primeira e dispensou a hipocrisia da segunda.
Não há pior, em suma, do que um pobre que deixou de o ser - excepto o que, para
cúmulo, se atreve a contar a sua história.
O
marxismo, clássico ou "moderno", aprecia um mundo arrumadinho e
imóvel, onde a pobreza é menos um estado do que uma condição vitalícia. Não se
trata apenas de viver a pretexto dos necessitados: trata-se de garantir que
estes continuam a necessitar - de abonos, protestos ou discursos
"solidários". É por isso que se abomina o descaramento dos
"arrivistas", dos "novos-ricos" e até dos recém--remediados
ao mesmo tempo que se dedicam lengalengas demagógicas aos velhos e, conquista
suprema, aos novos pobres. A miséria alheia assegura o sucesso dos que juram
combatê-la mas celebram o seu crescimento, real ou desejado. O episódio do
"pretinho salazarista" limitou-se a recordar uma fraude cruel: os
amigos dos pobres só gostam deles assim.»
Sexta-feira, 20 de Fevereiro
«Dignidade, fiscalidade, fraternidade»
«Orgulhoso
das divergências que manteve com a troika, Pedro Passos Coelho informou o Sr.
Juncker que "a dignidade de Portugal e dos portugueses nunca esteve em
causa durante o programa de ajustamento".
Se
por "dignidade" se entende o Estado, não há aqui grande novidade. A
estratégia do governo foi sempre a de satisfazer os fins dos credores sem
cumprir quase nenhum dos meios acordados. Trocando em miúdos, isto significa
que, em benefício do défice e à conta do zelo fiscal, os contribuintes pagaram
do próprio bolso o presuntivo crime de viver acima das suas possibilidades (que
de resto pagariam de qualquer maneira) e que o sector público e
degenerescências se viram essencialmente poupados a essas maçadas.
Se
a artimanha envaidece o Dr. Passos Coelho, é lá com ele. Cá connosco são três
constatações: a de que a curto prazo o PS, mais cioso da sua popularidade,
teria feito ainda pior; a de que, na falta de reformas a sério, a médio prazo
os apertos de tantos serão de uma comovente inutilidade; e a de que, a longo
prazo, estaremos todos mortos, para citar Keynes, afinal o mentor espiritual de
cada socialista, social-democrata ou - passe a redundância -
"neoliberal" que concorre a mandar em nós.»
Sábado, 21 de Fevereiro
«Os concidadãos dos outros»
«Não
sei se a realidade é mais interessante do que a ficção. Sei que, em Portugal, é
mais engraçada. Muito antes do dia 1 de Abril, o Público deu a conhecer a carta
do partido Livre/ Tempo de Avançar/Corrente Manifesto/ Renovação Comunista aos
gregos. Em teoria, a carta apoia as "posições antiausteridade" do
governo de Atenas. Na prática, realiza os sonhos de qualquer guionista de
comédia.
O
aglomerado de partidos, movimentos e correntes, talvez representativo de 1,3%
do (nosso) eleitorado, confessa-se envergonhado e revoltado pelas "notícias
de que Portugal tem sido um obstáculo" e jura que "a Grécia nunca
mais estará sozinha numa reunião do Eurogrupo". Por enquanto, promete
fazer "pressão, dentro e fora de Portugal, para que o governo de Portugal
mude de posição - ou para que Portugal mude de governo". A "pressão
dentro" é divertida. A "pressão fora" é de ir às lágrimas: o
aglomerado pretende, se calhar em prol da soberania nacional, convidar à
invasão de forças estrangeiras? A terminar, todo um programa de esperança e
galhofa: "Caros concidadãos gregos: aguentem firmes, que vêm reforços a
caminho."
Não
estou a inventar. Aliás, isto não sairia tão bem se fosse inventado, ou
encomendado a uma criança de 8 anos. Às vezes, queixamo-nos de que por cá não
se faz humor - para quê, se o humor já nasce feito?»
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