sexta-feira, 27 de março de 2015

Antes que fique na cadeira de rodas



Texto de  Kai Littmann saído no blog “A Bem da Nação”.

OLFGANG SCHÄUBLE: QUEM É O SENHOR AUSTERIDADE?
Wolfgang Schäuble é na política o que o «Bayer Leverkusen» é no futebol: o eterno número 2, que nunca chega ao título
É o dele, ainda mais do que o da Chancelerina Merkel, o rosto da política austeritária alemã. Mas quem é ele? Sabemos que é o ministro das Finanças da Alemanha. Sabemos que se encontra entre os «falcões» da política alemã. Sabemos que se desloca numa cadeira de rodas. Sabemos também que é jurista, pai de família e deputado pelo Ortenau, a região que faz fronteira com a cidade francesa de Estraburgo. Quanto ao resto, sabemos pouco sobre este homem que, desde há várias décadas, anseia pelo poder na Alemanha, sem jamais tê-lo verdadeiramente conquistado. Razão para nos perguntarmos se a intransigência da sua política na cena europeia não constituirá uma espécie de «vingança» por um destino pessoal com razões de sobra para amargurar um homem.
Nascido em 1942 em Friburgo, Wolfgang Schäuble chegou cedo à política. Seguramente inspirado pelo seu pai, Karl Schäuble, deputado da CDU no parlamento regional de Baden (1947–1952, até à sua fusão com Wurttemberg), Wolfgang abraça a política a partir de 1961 e torna-se membro da «Junge Union», organização de jovens conservadores. Numa época marcada pela revolta da juventude contra a geração da guerra, Wolfgang Schäuble posiciona-se nos antípodas da «geração de 68» – os valores que defende são conservadores.
Em 1972, aos 30 anos, depois de ter concluído com brio os seus estudos em Direito, torna-se deputado ao Bundestag [o parlamento alemão] – era o início de uma carreira política assaz excepcional que, no entanto, jamais o levaria lá aonde queria: ao topo do poder. Com Helmut Kohl, Schäuble torna-se ministro sem pasta (de 1984 a 1989) e influente chefe da Chancelaria, antes de se tornar Ministro do Interior (de 1989 a 1991 e de 2005 a 2009). Foi ele quem teve a seu cargo as negociações do contrato de reunificação com a RDA, juntamente com o seu homólogo de leste Günter Krause. Mas os anos do seu maior sucesso político foram também os anos dos seus maiores fracassos pessoais.
Primeiro, foi vítima de um terrível atentado. Em 12 de Outubro de 1990, ou seja, imediatamente após a reunificação alemã (3 de Outubro de 1990), um doente mental (que não pôde ser julgado, por inimputabilidade, e acabou internado num hospital psiquiátrico) disparou sobre Schäuble quando este estava num evento eleitoral pela sua região em Oppenau. Malgrado os ferimentos, Schäuble, paraplégico, regressava à política, pois era ele o sucessor que havia sido designado por Helmut Kohl, cujo reino de 16 anos chegava por esses dias ao fim.
Schäuble estava tão perto do seu objectivo, mas um escândalo relacionado com o financiamento do seu partido iria afastá-lo sem apelo. Foi assim que se viu obrigado a assumir ter aceitado em 1994 um donativo de 100 000 marcos, em numerário, entregues pelo comerciante de armas Karlheinz Schreiber – um montante que nunca apareceu nos relatórios de contas do seu partido. Durante muito tempo, Schäuble havia negado ter recebido esse donativo, antes de confessar tudo e de se desculpar no Bundestag por ter «transgredido a lei». Esse escândalo aniquilaria os seus planos de sucessão a Helmut Kohl, que nesse momento o preteriu em favor de uma jovem promissora provinda da antiga RDA – Angela Merkel, de quem Schäuble se tornaria um subordinado até hoje, 43 anos volvidos desde o início da sua carreira no parlamento alemão (um recorde), cujos últimos dias Schäuble vive neste momento.
Talvez o drama de Wolfgang Schäuble seja justamente o ter sempre estado na sombra de outra pessoa qualquer – e talvez seja isso mesmo que azedou este homem que parece ter prazer em impôr sofrimento aos povos do sul da Europa. A reunificação alemã em 1989/90 não lhe foi jamais atribuída, mas ao seu patrão Helmut Kohl, e na corrida pelo poder na Alemanha, que no entanto lhe parecia destinado, chegou sempre em segundo lugar. É um pouco como o Bayer Leverkusen no futebol, que está sempre entre os melhores mas que nunca chega ao título.
Nas relações franco-alemãs, Schäuble mostrou-se bastante discreto, e no entanto, enquanto deputado pelo Ortenau, região fronteiriça franco-alemã, poderia e deveria ter-se empenhado bastante mais nessa cooperação no coração da Europa. Sucede que Schäuble teve sempre os olhos postos em Berlim, Bruxelas e Estraburgo, e nem tanto na sua própria região.
Em termos de política interna, o ministro dos Assuntos Internos Schäuble foi considerado um «falcão», sempre a tentar fazer do Estado alemão uma espécie de Estado vigilante, e cujas propostas radicais em matéria de Segurança Interna chocaram muitos alemães. No mês de Outubro de 2009, foi atribuído a Schäuble o «Big Brother Award», pela «sua obsessão em transformar o Estado de direito democrático num Estado autoritário»: recebeu nessa data, com a reeleição de Angela Merkel, a pasta das Finanças. Quanto ao resto, Schäuble será recordado pelas numerosas iniciativas legislativas de tal forma duras que até mesmo o seu próprio partido tentou por várias vezes demarcar-se dele.
A empatia é uma palavra que não figura no vocabulário de Wolfgang Schäuble, um homem que dedicou a sua vida inteira à política, ao seu partido, à sua carreira – uma carreira que no entanto nunca lhe dedicou a ele a glória tão desejada. A frustração daí resultante pressente-se no seu discurso, por vezes no limite da malícia, e sempre na mais absoluta intransigência. Quererá Schäuble partilhar o insucesso da sua vida política com o resto da Europa?
Schäuble faz parte de uma geração de homens e mulheres profissionais da política que, felizmente, estão a aproximar-se a largos passos da aposentação. Aos perto de 44 anos de vida como parlamentar, contando já com 43 anos de jogos de poder, 43 anos de luta para chegar aonde nunca conseguiu, um terrível atentado, os escândalos, Schäuble teve direito a uma vida política das mais interessantes do seu tempo, mas é agora tempo de deixar o seu lugar a uma outra geração, que compreende melhor o que está em jogo na nossa época. Aos 73 anos, parece totalmente dissociado do mundo de hoje e seria desejável que deixasse o seu posto antes de fazer ainda mais estragos à Europa e aos povos europeus.
Wolfgang Schäuble, pesadamente condecorado, figura entre os responsáveis pela transformação da Europa numa espécie de zona de jogos para o capitalismo financeiro, em detrimento dos 500 milhões de europeus e europeias. Schäuble teria gostado de figurar nos livros de História enquanto arquitecto de uma nova Europa – mas se algum dia vier a estar nessas páginas, será mais por ter sido um dos coveiros dos valores humanistas europeus. E no entanto, podemos partir do princípio de que Schäuble tinha à partida as melhores intenções relativamente à Europa. Certo é que em todos os momentos-chave da sua carreira, ao nível da construção europeia, Schäuble também não foi capaz de alcançar o seu objectivo. Eis pois a tragédia do homem – que faria melhor se parasse agora de se vingar na Europa por ter falhado os seus objectivos pessoais.

Comentário:
No caso português, pelo menos, essas teriam que ser as políticas a seguir, pois há muito andávamos a comer em gamela alheia, e houve alguém ainda jovem que procurou lutar para salvar a nação da desonra, resgatando uma dívida que a abafava. Pena é que nele – país - se esforcem muitos para deitar abaixo esse que nos deu uma lição: uns em traficâncias significativas de miséria moral, destruidoras da economia, outros em gritos de ataque grotesco e sem qualquer decência, ou em falsas vozes de doçura sibilina, a sugerir ingerências criminosas desses que eles pretendem acima de tudo responsabilizar para atirar fora. Imagem das peixeiras gritando e escamando e estripando, eis o que, de facto, parecemos. E ao contrário do povo germânico, que reconhece o valor a Shäuble e o mantém no governo, apesar de em cadeira de rodas, nós, o que pretendemos - talvez, todavia, generosamente, somos de brandos costumes - é chutar o nosso “Shäuble”, antes que ele fique na cadeira de rodas que lhe vamos preparando.

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