Num texto de António da Cunha Duarte Justo publicado
no “A Bem da Nação”,
Comentário:
Luz, sombra, as alternâncias nas sociedades cada vez
mais esfrangalhadas, nos seus valores, nas suas ideologias, nos seus pretextos.
Tudo serve para a violência, em nome de qualquer coisa. O que prova que a luta
entre Abel e Caim, iniciada há milénios, se manteve ao longo deles, hoje mais
do que nunca, amanhã mais do que hoje. Inextinguíve.l Por sorte que as cabeças
bem formadas, como a de Duarte Justo, vão sempre abrindo pistas, dando a
conhecer razões, apontando os travões possíveis. E o mundo renasce a cada
passo. Mesmo após o caos. Como rebento de planta quase seca, que, regada, volta
a gerar uma planta igual. A esperança é a última a morrer.
MARCHA NA ALEMANHA
PEGIDA É
O BARÓMETRO DO ESTADO DE ESPÍRITO DA NAÇÃO
Numa
sociedade em que o tema sobre estrangeiros desfruta de um interesse relevante
tanto positivo como negativo, organiza-se uma oposição extra parlamentar que
quer manifestar o seu descontentamento com a política dominante. Desta vez saem
regularmente à rua os que não têm oportunidade de se expressar.
O movimento PEGIDA surge do descontentamento de massas numa época
política em que a Democracia já não age em relação aos acometimentos do neo-capitalismo e aos problemas
sociais, limitando-se a reagir e a esconder-se por trás de um discurso público
onde sobressai a hipocrisia. O povo desorientado cada vez
se vê mais confrontado com discursos em que falta a cultura dum debate à luz da
dignidade humana que deveria ser a matriz da religião, da democracia e da
discussão. Os políticos não entendem a voz do povo e o povo sente-se manipulado
por interesses que não são os seus.
Causas de Insatisfações
manifestadas na Sociedade europeia/alemã
Uma
maioria silenciosa expressa-se em diversos grupos que lhe procuram dar voz. Um
sistema social, com jovens e idosos pobres, desesperançados sem perspectivas
profissionais, desempregados de longa duração, carentes sociais dependentes da
assistência social sem lóbi, tem a descaramento de, com medo, difamar um
movimento pacífico dos que não têm a chance de se tornarem visíveis nem
oportunidade de dominarem as páginas dos jornais como outros grupos. A pressão
na Alemanha exercida, pelos partidos estabelecidos e pela sua imprensa, sobre
um movimento popular torna-se avassaladora. Quando o chanceler Kohl exigia
maior rigor em relação aos delinquentes estrangeiros até o SPD esteve de
acordo, mas agora que Pegida exige o mesmo, é considerada “indecente”. (Penso
que a exigência formulada é problemática, mas usar dois pesos e duas medidas
para estigmatizar um grupo, como se faz hoje na nos Media contra a mesma tese,
não testemunha e equidade na argumentação). Torna-se sempre problemático quando
uma parte banaliza a problemática e a outra a singulariza. Tolerância deve
valer para todos.
As teses
escritas por Pegida soam bem mas os cartazes das demonstrações permitem
suspeita de infiltração de forças fundamentalistas interessadas em fender a
sociedade. As teses são aceitáveis mas “sob uma fachada pode mover-se algo
diferente”. Medos reais ou difusos de manifestantes e contra manifestantes
procuram encontrar qualquer pretexto para drenar o seu vapor. A raiva do povo
foi crescendo ao observar que por exigências de muçulmanos (e outros por trás
deles), têm sido fórmulas de juramento alteradas e o crucifixo e certos
símbolos cristãos têm saído de lugares públicos; além disso observam o sistema
de excepção com horários em piscinas públicas para mulheres muçulmanas, isenção
de participação em visitas de estudo e em aulas de ginástica; além disso nomes
de feiras tradicionais como o Mercado de Natal têm cedido o nome para Mercados
do Inverno, etc., tudo incomoda ao não serem verificadas contrapartidas. Aqui
junta-se o interesse de muçulmanos ao de organizações secularistas que não
suportam referências públicas ao cristianismo (Assim muita da agressão contra
muitos muçulmanos deveria ser procurada noutros meios que instrumentalizam a
religião, como se dá num radicalismo de extrema esquerda em torno de Charlie).
Tudo isto torna mais difícil identificar as causas da insatisfação que depois é
atirada para as costas da religião. (Em Portugal também se assiste a uma luta
contra a face pública do cristianismo por parte de um socialismo e de uma
maçonaria radicais, não se podendo culpar os muçulmanos por tal). Os muçulmanos além da sua situação problemática de comunidade
minoritária que se quer afirmar é utilizada por forças secularistas camufladas
radicais (instaladas nos Estados e com grande Lóbi na UE) como pretexto para
impor interesses que não têm nada a ver com os religiosos, pelo contrário.
Quem
apoia incondicionalmente as caricaturas de Charlie e critica as manifestações
de Pegida julga com duas medidas. As caricaturas expressam, a seu modo, as suas
críticas e as demonstrações expressam pacificamente, a seu modo, os seus medos
colocando perguntas à classe política dominante e a que esta não responde e
adia.
A Classe política
sente-se insegura e questionada
O
fenómeno Pegida e as reacções em torno dela são típicos da sociedade alemã;
através das intervenções dos políticos nos Media, das manifestações e contra
manifestações, formam-se consensos que estabilizam o sistema.
Com
Pegida a classe política sente-se especialmente incomodada porque o movimento
parece conseguir expressar não só os rumores do ventre popular mas também os
receios da classe média. O novo
partido AfD já metia medo à actual constelação parlamentar e agora junta-se
Pegida, associação de utilidade pública, com temas problemáticos quentes que
poderão desestabilizar, nas próximas eleições, o partido CDU. O
perigo para a concorrência partidária é real, Merkel (CDU) nunca se expressou
tão claramente como fez agora em relação a Pegida embora este movimento se
expresse dentro da conformidade democrática!
Para a
classe política, o importante é trazer o povo alinhado e neste sentido, não
importa a argumentação fundada, quando muito, a opinião
Nas
ondas do sentimento, longe das raízes dos factos, surge a provocação de grupos
manifestantes que fomentam conflitos porque cada qual rebaixa o outro em nome
do seu direito à liberdade esquecendo que a sua liberdade deve conter a
liberdade do outro. Em luta todo o pretexto vale e assim todos se tornam
culpados. Pegida tem medo da imigração muçulmana e os manifestantes
contrariadores têm medo de perder o poder ou de movimentos de centro-direita
virem a ocupar parte dos seus nichos na sociedade e na política.
A
sociedade encontra-se doente e cheia de preconceitos tanto nos que motivados
pela emoção como, em grande parte, nos que aparentemente motivados pala razão.
Massas à deriva
Tudo se limita a reagir sem pensar as coisas até ao fim. Os
fundamentalistas servem-se da generalização, dum modelo de pensar a branco e
preto não poupando atributos como “Islão terrorista” e “pegida nazi”. Outrora
argumentava-se com o comunismo para dividir e ordenar a população, hoje faz-se
o mesmo com a religião e com grupos incómodos ao sistema. A
liberdade de opinião e manifestação deve valer para todos, também num sistema
em que desprezo do pobre não é considerado racismo nem a extrema diferença
entre pobre e rico é tida como discriminação.
Os
caricaturistas sob a bandeira republicana e em nome da liberdade provocaram
muita gente e sentiam-se no direito de ridicularizar a religião, como se não
houvesse outros valores ao lado da liberdade nem outros valores a defender
senão os do estado laico. O outro lado reage em nome de Deus para calar a voz
secular. Os pequenos grupos de
provocadores instrumentalizam politicamente a religião e os estrangeiros para
rasgarem a sociedade. Como quem usa a violência
ganha, a curto prazo, a sociedade tornou-se mais violenta.
A Europa
está com medo que a sua fortaleza não resista à sua preponderância económica e
cultural; tem medo de ver os seus valores ameaçados (Charlie, Pegida,
manifestantes e contra manifestantes). Aqui
no centro da Europa, a sociedade ferve; o que impede a explosão é o facto de
ter um alto nível de vida económico e social. Um medo
difuso e uma insatisfação geral provocam um clima de guerrilha entre uns e
outros. Há muito que a Europa não age, apenas reage às investidas do
neo-capitalismo e aos problemas sociais. A consequência é uma magnetização
política e social fomentadora duma desconfiança onde, perante a incapacidade da
política, cada qual procura ganhar à custa do outro.
Por
vezes a Imprensa corre o perigo de apresentar os terroristas como vítimas; por
outro lado transmitem a impressão que religiões são o instrumento propício,
para a origem de guerras, lançando, além disso, todas as religiões no mesmo
pote. O fundamentalista não está interessado em construir pontes, arrenda a
razão e a verdade só para si.
Uns
defendem a multicultura outros a intercultura. Precisa-se de gente que saiba
encontrar o ponto de intersecção dos pontos comuns para, a partir daí, se
construir pontes no diálogo social. Tarefa difícil atendendo à força dos lóbis
e ao pensar politicamente correcto em função duma classe política promiscuída
com a oligarquia do capital. Quem não tem lóbis não tem voz nem risca no
sistema.
Gueto
contra gueto, generalizações simplistas, muita lavagem ao cérebro, a má
avaliação de uns e outros constituem impedimento para encarar os assuntos no
seu âmago. Precisa-se de mais ironia em relação à opinião pública e à opinião
do outro. Uns Media acríticos e acólitos da classe política falhariam a sua
função social se continuassem a ter de esconder factos também incómodos em
relação à realidade social com a desculpa de quererem impedir argumentos que
xenófobos poderiam usar. A focagem deve ser centrada nas falhas da política e
da economia que manifestam um vácuo de acção onde prospera a dessolidarização
da sociedade.
Os
muçulmanos têm de esclarecer que os extremismos de jihadistas e do Estado
Islâmico não são consequência do Corão e das Hadith; Pegida tem de se
distanciar de extremismos e a política tem de deixar de se envergonhar do
cidadão. Pegida reage com medo do Islamismo e este medo, se articulado com
agressão, leva o muçulmano a encerrar-se em si mesmo com medo de se manifestar
fora. O medo e a luta não ajudam ninguém mas poderiam levar os mais distantes a
ocupar-se a fundo do assunto.
Todo o
crente ou ateu que, em nome da ciência ou da religião, se arroga o monopólio do
saber, para condenar ou desqualificar o outro, segue as pegadas do
fundamentalismo, alimentando-se no mesmo húmus que conduz ao radicalismo das
barbáries de Paris e Nigéria. É
fundamentalista um movimento, um partido, uma ciência, uma ideologia ou uma
religião que se considere possuidor da razão e da verdade em relação aos
concorrentes ao querer impô-la. A exclusão e a generalização
alimentam o fanatismo. Todos somos maus, quer sejamos estrangeiros ou alemães,
ateus, cientistas ou religiosos, quando se trata de atacar e julgar o outro!
Por isso toda a afirmação tem apenas um aspecto de luz com muita sombra a
acompanhá-la.
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