sexta-feira, 13 de março de 2015

O tempo pergunta ao tempo


 
Festejou o Público desde 5 de Março – «Lisboa Especial Aniversário» - a domingo, dia 8, as suas bodas de prata, simultaneamente incluindo, nessa edição grátis especial, os cem anos da teoria do Einstein e o Ano Internacional da Luz. Foi o primeiro número entregue a João Magueijo, como “Director por um dia”, sob o título “Dar tempo ao tempo”, o qual propôs, como tema para o seu número - ANO XXVI / nº 9090 – o seguinte desafio: “Como seria um jornal se o tempo fosse mais como o espaço, algo com recantos e cantinhos por explorar? Um cataclismo narrativo, por certo. Ou talvez não».
Ele próprio pegou no tema, no seu Editorial intitulado «25 anos sem dormir”, espécie de biografia dos seus últimos 25 anos em Inglaterra, aproveitando a síntese para mais uma vez desancar no snobismo inglês, tal como o fizera no seu livro “Bifes mal passados” e lançar simultaneamente referências negativas ao seu/nosso país e às mulheres dele.
Na curiosa crónica seguinte, “Dar tempo ao tempo” alerta para a relação entre espaço, luz e tempo:

Celebra-se o centenário da teoria da relatividade geral, neste ano denominado "da luz", mas oculta-se do pudor público o lado negro dessa bonita arte mágica. A relatividade geral pode ter dado femininas curvas ao espaço e ao tempo, atribuindo-lhes maleabilidade e vida própria, mas o que raramente se diz é que essa nobre ciência também retirou ao tempo o seu predicado mais óbvio: o fluir.
Ao embrulhar na mesma trouxa o espaço e o tempo, negando-lhes natureza independente em favor de um híbrido – o espaço-tempo –, a teoria da relatividade roubou ao tempo o seu brotar. Da mesma forma que o eixo do xis (esse terror que aprendemos na escola) não “flui”, o tempo da relatividade também não escorre. Ao longo de uma linha espacial há ordem – há o equivalente da organização de um presente, passado e futuro –, mas não há nada que se assemelhe a um ponto particular e único que se vai escoando ao longo dessa linha, o equivalente do presente. Dando direitos e deveres iguais ao espaço e ao tempo, amalgamando-os num ser único, a relatividade nega igualmente a existência de um presente que flui activamente do passado para o futuro. Ordem, sim. Fluir, não. Esse tempo, meus amigos, morreu.
É pois singular que num ano de efemérides e de luz nos procuremos encavalitar na teoria da relatividade, demolidora como ela é do comum tempo. A própria luz – esse andaime absoluto da teoria da relatividade – só pode ter um papel orientador porque está fora do tempo. A luz equilibra-se na fronteira entre o espaço e o tempo, portanto o tempo está paralisado ao longo de um raio de luz. E o pior é que analisando a relatividade geral mais de perto encontramos horrores ainda piores lá escondidos. Até a ordem desse tempo que não flui pode ser destruída pela curvatura espaciotemporal e levada a aberrantes contradições. Maliciosas máquinas do tempo consentem-nos dar um tiro na avozinha antes de a nossa mãe ter nascido. Laçadas espaciotemporais permitem-nos ser pai e mãe de nós próprios, um exagero de minimalismo familiar e incesto. A ordem e a lógica são ameaçadas pela curvatura do espaço-tempo. Proteja-se de contradições: evite espaços-tempos com um rabo demasiado ondulado.
Claro que nesta pasmaceira em que vivemos, longe de buracos negros e Big Bangs, ninguém se deve preocupar indevidamente com tanta patologia. Mas o mal está feito – a nossa metafísica está minada pela dúvida. Como funcionaria um jornal, se o tempo acabasse amanhã? Ou se o tempo começasse a andar para trás mais logo, quando a lua cheia nascesse e a maré mudasse? Ou se fôssemos uma linha já prefigurada e sem fluir, sem edições matutinas e vespertinas? Como seria um jornal, se o tempo fosse mais como o espaço, algo com recantos e cantinhos por explorar? Um cataclismo narrativo, por certo. Ou talvez não. Esta edição o dirá.»
http://s.publico.pt/NOTICIA/1687803http://s.publico.pt/espaco/1687803http://s.publico.pt/ciencia/1687803http://s.publico.pt/media/1687803http://s.publico.pt/opiniao/1687803http://s.publico.pt/publico/1687803http://s.publico.pt/publico-25-anos/1687803
No texto seguinte – «Cem anos a deitar a língua de fora” – refere a busca dos “Einsteins” da actualidade a tentar criar sem êxito uma nova teoria que ultrapasse a da relatividade.
O Público pegou, pois, no tema, em textos vários de muito interesse, de que cito a síntese «História do Universo em treze momentos», por Teresa Firmino (texto) e Cátia Mendonça (infografia, que acompanha aquele desde o BIGBANG até o Homem nas explorações espaciais), e entre os quais se retoma a luz e Einstein - como o do professor Carlos Fiolhais – “A Luz de Einstein” - com a seguinte informação introdutória:
«Se a teoria da relatividade restrita de 1905 tinha juntado a matéria à energia (falamos de matéria-energia) e o espaço ao tempo (falamos de espaço-tempo), a teoria da relatividade geral reúne todos esses conceitos ao afirmar que a matéria-energia deforma o espaço-tempo.»
Assinados por S. J. A, surgem datas e informações curiosas como a seguinte, reportada a 1990:
«WWW: São três letras cuja real importância ninguém podia perceber de início, mas representam uma das maiores revoluções no que é a dimensão de espaço e de tempo: WWW. As três letras significam WORLD, WIDE, WEB e foram e são a chave para abrir o que se convencionou chamar “auto-estradas da comunicação”, ou seja, são o suporte tecnológico que, com a sua linguagem informática própria, constrói uma rede ou uma teia (WEB) que permite “navegar na Net” e chegar aqui e agora a todo o lado, quebrando as barreiras do espaço e do tempo.» S. J. A.
Muitos dados históricos são fornecidos e mais outros de carácter científico, sociológico, ecológico, político, nestas páginas para reler e guardar. Pareceu-me que ninguém respondeu cabalmente à proposta do “Director por um Dia”, João Magueijo, “Se o tempo fosse mais como o espaço, como seria o jornal…” Esqueceu-se João Magueijo de que existe um tempo psicológico, sem conta, peso nem medida, e um tempo de memória mais rápido do que o próprio WWW. E de que existe um “O tempora o mores” moralista e sentencioso dos tempos clássicos, que os Cíceros do nosso tempo exploram com argúcia, tal como o farão os críticos do jornal futuro, por muitas voltas que os cientistas pretendam atribuir a um tempo mensurável em coligação com outras matérias. Também a relatividade se reporta ao tempo, é claro, e no fim de contas, por muita expansão que tenha havido no universo, e no Homem correlativamente, é tão pobre de luz o nosso universo pátrio, que em absoluto concordo com o “O tempora o mores” de Vasco Pulido Valente, no texto do Público de 8/3/15, sem esperança de grandes mutações, a não ser para pior. E daí que repegue na lenga-lenga infantil dos meus tempos, que mergulha num passado certamente que bem anterior ao da teoria da relatividade: «O tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo responde ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.» E assim retomamos a nossa beatitude, sem receios nem juízos de valor. Mas, sim, relativizando...


Eis o texto – intemporal e atemporal – de Vasco Pulido Valente, para todos os efeitos menos assustador do que estes dos estudos científicos que prevêem a extinção dos mundos:

Folias do nosso tempo
08/03/2015
Basta ligar a televisão para se perceber o estado de indigência intelectual e política a que chegou o país. A informação, que já foi sofrivelmente sensata, embora parcial e sumária, tem hoje o critério editorial do antigo semanário “O Crime” e da imprensa cor-de-rosa e desportiva.
Para começar, os portugueses são presenteados com horas do que antigamente se chamava “casos crapulosos”: a facada, o tiro, o roubo, a violência doméstica, histórias de tribunal, considerações de réus, de testemunhas, de advogados, de “populares”, da polícia e de um ou outro comentador de serviço. Depois do “crapuloso” vem o “acidente” e a catástrofe: desastres de avião e de automóvel, incêndios, tempestades de vento ou neve, inundações, tudo o que meta feridos, mortos, miséria e sangue.
Isto ocupa muito mais de metade do noticiário médio. O resto consiste numa pseudo-reportagem desportiva, ou seja, no dia-a-dia do futebol. A televisão não perde um jogo ou um golo que possa  interessar a meia dúzia de fanáticos de um clube qualquer. Segue os treinos. Esclarece sobre o “plantel” da equipa A ou da equipa B, sobre os lesionados, sobre os castigados, sobre os “duvidosos”. Entrevista treinadores na véspera e no minuto seguinte aos “clássicos” e não- “clássicos” do campeonato. Jorge Jesus, por exemplo, é seguido com uma persistência e um zelo com que não se segue nenhum ministro, o primeiro-ministro ou Presidente da República (agora tão retirado que o boato da sua prematura morte já corre pela província). E, através de tudo isto, Ronaldo, sempre Ronaldo, infinitamente Ronaldo.
O tempo que sobra (e o jornal da TVI, para só falar nele dura uma hora e meia) vai para festas: festas de cozinha, festas de vinho, festivais da alheira, do presunto e do chouriço, de quando em quando as prodigiosas fabricações do chefe A ou do chefe B e, continuamente, o sabor e o aroma dos tradicionais produtos deste nosso querido Portugal (que não se vendem nos supermercados, nem nas mercearias de Lisboa). Não admira que neste banho cultural, a política tenha pouco a pouco adoptado a natureza da televisão. Com um esforço sublime consegue concorrer, e colaborar, com os “valores” que regem os noticiários e não pára de nos dar novos motivos de interesse e estima: a barafunda Sócrates, a barafunda BES, os mistérios do “Visa Gold”, o velho incumprimento fiscal de Passos Coelho, a prisão de um inspector da polícia, a mentira impenitente e descarada no parlamento e fora dele. Portugal acaba com certeza por se transformar num “filme negro” (anos 40), sem Bogart, nem Bacall. E nós, pachorrentamente, assistimos na nossa cadeira. 

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