Assunto:
AGORA SIM: Brilhante artigo na
folha de São Paulo sobre "O Acordo".
Amigos
não
me importa a origem - pois, se for preciso, neste ponto, se calhar, serei
cripto nacionalista, tal como o autor que aqui repasso.
Mas
não creio que se pegue. Quem trabalha com a Língua Portuguesa, pura e
simplesmente ganha-lhe amor. É uma língua antiga, sensível,
expressiva, abrangente, riquíssima no vocabulário e falada em todos os
Continentes do planeta! Devia haver respeito.
A
unificação pretendida aliás, saiu completamente gorada e é gozada por
filólogos de todos os sotaques e horizontes.
Esta
imposição ditatorial que se aproxima é um atentado à nossa Literatura, aos
nossos autores, à nossa sonoridade, e à nossa capacidade de comunicar não
só no mundo lusófono, mas com todo o mundo.
Nenhuma língua se impôs ou eliminou por decreto -
evolui, desdobra-se,
radica-se, adapta-se ao longo dos séculos mas sem perder a matriz, o
fundamento semântico, o sentido, as referências e a razão histórica.
É, portanto, imbecil.
É culturalmente assassino o que estão a querer impor a partir de 13 de Maio
- um desacordo ortográfico total!
Por
isso me revolto e por isso subscrevo.
“Naufragar é preciso?”
Texto de João Pereira Coutinho (escritor
português)
PUBLICADO NA FOLHA DE SÃO PAULO
(10 JANEIRO 2012)
Começa
a ser penoso para mim ler a imprensa portuguesa. Não falo da qualidade dos
textos. Falo da ortografia deles. Que português é esse?
Quem
tomou de assalto a língua portuguesa (de Portugal) e a transformou numa
versão abastardada da língua portuguesa (do Brasil)?
A
sensação que tenho é que estive em coma profundo durante meses, ou anos. E,
quando acordei, habitava já um planeta novo, onde as regras
ortográficas que aprendi na escola foram destroçadas por vândalos
extraterrestres que decidiram unilateralmente como devem escrever os portugueses.
Eis
o Acordo Ortográfico, plenamente em vigor. Não aderi a ele: nesta Folha,
entendo que a ortografia deve obedecer aos critérios do Brasil.
Sou
um convidado da casa e nenhum convidado começa a dar ordens aos seus
anfitriões sobre o lugar das pratas e a moldura dos quadros.
Questão
de educação.
Em Portugal é outra história. E não deixa de ser hilariante
a quantidade de articulistas que, no final dos seus textos, fazem uma
declaração de princípios: “Por decisão do autor, o texto está escrito de
acordo com a antiga ortografia”.
A
esquizofrenia é total, e os jornais são hoje mantas de retalhos. Há
notícias, entrevistas ou reportagens escritas de acordo com as novas
regras. As crónicas e os textos de opinião, na sua maioria, seguem as
regras antigas.
E
depois existem zonas cinzentas, onde já ninguém sabe como escrever e
mistura tudo: a nova ortografia com a velha e até, em certos casos, uma
ortografia imaginária.
A
intenção dos pais do Acordo Ortográfico era unificar a língua.
Resultado:
é o desacordo total com todo mundo a disparar para todos os lados. Como foi
isso possível?
Foi possível por uma mistura de arrogância e
analfabetismo. O Acordo Ortográfico começa como um típico produto da
mentalidade racionalista,
que sempre acreditou no poder de um decreto para alterar uma experiência
histórica particular.
Acontece
que a língua não se muda por decreto; ela é a decorrência de uma evolução
cultural que confere aos seus falantes uma identidade própria e, mais
importante, reconhecível para terceiros.
Respeito
a grafia brasileira e a forma como o Brasil apagou as consoantes mudas de
certas palavras (“ação”, “ótimo” etc.). E respeito porque gosto de as ler
assim: quando encontro essas palavras, sinto o prazer cosmopolita de saber
que a língua portuguesa navegou pelo Atlântico até chegar ao outro lado do
mundo, onde vestiu bermuda e se apaixonou pela garota de Ipanema.
Não respeito quem me obriga a apagar essas consoantes
porque acredita que a ortografia deve ser uma mera transcrição fonética.
Isso não é apenas teoricamente discutível; é, sobretudo, uma aberração
prática.
Tal
como escrevi várias vezes, citando o poeta português Vasco Graça Moura, que
tem estudado atentamente o problema, as consoantes mudas, para os
portugueses, são uma pegada etimológica importante. Mas elas transportam
também informação fonética, abrindo as vogais que as antecedem. O “c” de
“acção” e o “p” de “óptimo” sinalizam uma correta pronúncia.
A unidade da língua não se faz por imposição de acordos
ortográficos; faz-se, como muito bem
perceberam os hispânicos e os anglo-saxônicos, pela partilha da sua
diversidade. E a melhor forma de partilhar uma língua passa pela sua
literatura.
Não
conheço nenhum brasileiro alfabetizado que sinta “desconforto” ao ler
Fernando Pessoa na ortografia portuguesa. E também não conheço nenhum
português alfabetizado que sinta “desconforto” ao ler Nelson Rodrigues na
ortografia brasileira.
Infelizmente,
conheço vários brasileiros e vários portugueses alfabetizados que sentem
“desconforto” por não poderem comprar, em São Paulo ou em Lisboa, as
edições correntes da literatura dos dois países a preços civilizados.
Aliás,
se dúvidas houvesse sobre a falta de inteligência estratégica que persiste
dos dois lados do Atlântico, onde não existe um mercado livreiro comum,
bastaria citar o encerramento anunciado da livraria Camões, no Rio, que
durante anos vendeu livros portugueses a leitores brasileiros.
De
que servem acordos ortográficos delirantes e autoritários quando a língua
naufraga sempre no meio do oceano?
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