quinta-feira, 28 de maio de 2015

Os mitos de pés de barro




A notícia sobre o estabelecimento das relações entre os Estados Unidos e Cuba foi motivo de natural satisfação, ao pensar nos desterrados cubanos fugitivos das perseguições de um ditador que lhes cobiçara as fortunas, salteador e facínora de que tanto ouvira falar na altura das descolonizações, pelo seu apoio aos defensores destas e mais tarde pelo apoio ao MPLA de Angola, por conta das riquezas que lá podia colher. Mas seriam boatos, isso das riquezas, as agruras de adaptação à vida cá, além da natural repulsa pelos Ches Guevaras bandoleiros daquela época de aflições, me desmotivavam para um conhecimento mais cabal de figuras tão badaladas pelas juvenilidades defensoras dos deserdados por meio de desordem revolucionária, a lembrar, em grande, os Zés do Telhado da aura popular. Por alturas do COPCOM verifiquei as afinidades entre o que acontecia por cá e por lá nessa questão dos assaltos e ocupações que felizmente não duraram aqui tanto tempo como em Cuba, ou porque esta fosse mais propícia a venerar o bom samaritano, ou porque entre os nossos proponentes a defensores do bem-estar do povo pelo assalto aos bens dos ricos nenhum se distinguisse em bravura e inteligência, nem sequer em crueldade ou mesmo em garra bélica tão absolutas como esses de Cuba, já detectadas essas carências aquando da submissão e entrega pura e simples das nossas terras aos seus respectivos “donos”.
Mas o artigo de Vasco Pulido Valente é esclarecedor como sempre dos cordelinhos que moveram Obama a colaborar com o Papa Francisco na abertura das fronteiras diplomáticas dos Estados Unidos com Cuba, François Hollande colando-se-lhes à ilharga, pequena mancha para a sua sua nação que, felizmente, os nomes ilustres da sua história não permitem que seja apeada do seu pedestal de luz, por coisa tão somenos.
Entretanto, a notícia da morte do guarda-costas de Fidel Castro levou-me a procurar referentes na Internet, e, entre outros, encontrei o seguinte:

Miami, 26 mai (EFE).- O cubano Juan Reinaldo Sánchez, que foi guarda-costas do comandante Fidel Castro por 17 anos, morreu na segunda-feira em Miami aos 66 anos, confirmou nesta terça-feira a editora que publicou seu livro sobre a vida privada do líder da revolução cubana. "Nossas condolências mais sinceras aos seus familiares e amigos", assinalou a Edições Península, editora espanhola que lançou em 2014 o livro "A face oculta de Fidel Castro", escrito pelo tenente-coronel Reinaldo Sánchez. Esta biografia, escrita pelo guarda-costas junto com o jornalista francês Axel Gyldén, se transformou em um testemunho excepcional da vida pública e privada de Fidel. O homem que acompanhou diariamente Fidel entre 1977 e 1994 descreveu a vida de "luxo e conforto" que, atrás da fachada de "falsa austeridade", cultivava e escondia o ditador comunista. Reynaldo Sánchez, nascido em Havana, em 1949, foi preso em Cuba após anunciar sua aposentadoria e, assim que recuperou a liberdade, em 1996, tentou fugir pelo menos dez vezes da ilha, e só conseguiu em 2008. O ex-guarda-costas de Fidel descreve as 20 residências privadas distribuídas por toda a ilha que o ex-presidente tem, seu luxuoso iate, o "Aquarama II", e a casa de repouso que possui em Cayo Piedra, uma pequena ilha no sudeste de Cuba que é um "paraíso para milionários". "Fidel Castro deu a entender que a Revolução não deu a ele respiro, nenhum prazer; que ignorava e desprezava o conceito burguês de férias. Mentia", afirmou Sánchez no livro. Ele confessou ter cometido o "erro" de dedicar a primeira parte de sua vida a proteger "a de um homem dominado pela febre do poder absoluto e pelo desprezo ao povo cubano". "Mais que sua ingratidão sem limites (a de Fidel) com os que o serviram, reprovo sua traição, porque traiu a esperança de milhões de cubanos", foram as últimas palavras de Reinaldo Sánchez no livro. No final da obra o ex-guarda-costas questionou "por que os heróis (das revoluções) se transformam sistematicamente em tiranos piores do que os ditadores aos que combateram?". EFE

Enfim, o artigo de Vasco Pulido Valente (Público, 16/5/2015):

Os mesmos de sempre
S.S. o papa Francisco foi originalmente um jesuíta, que na América Latina representava a esquerda católica e, quando o elegeram no último conclave, escolheu o nome do “poverello” de Assis para deixar bem claro de que lado estava. Barack Obama, o candidato do “liberalismo” representou desde o princípio as minorias da América contra o conservadorismo branco. Não admira que os dois decidissem cooperar para que se levantasse o “embargo” de que há 50 anos, sem razão alguma, sofriam 11 milhões de cubanos. Verdade que as coisas não estão ainda consumadas, mas com a morte (com certeza próxima) de Fidel podem melhorar e trazer aquele desgraçado país, congelado no tempo, à idade moderna. Na política doméstica, o papa Francisco tem uma influência decisiva em meia dúzia de matérias; e, se os republicanos não o impedirem, Obama é capaz de limpar os restos do regime, sem violência e com um módico de justiça.
Por acaso, li recentemente os livros de Leonardo Padura: “O homem que gostava de cães” (uma nova versão do assassinato de Trotsky, já traduzida em português) e, sobretudo, a série Mário Conde, um polícia-escritor, que se vai pouco a pouco transformando num investigador privado. Padura não é um grande escritor e a personagem de Mário Conde deve muito ao Pepe Carvalho de Vásquez Montalbán. De qualquer maneira, a miséria, a arregimentação, a violência e a asfixia de Cuba, onde não há nada a esperar e a vida lentamente apodrece, perpassa nos romances de Padura, como a agonia de uma nação inteira. Agonia, de resto, inútil, porque a partir de 1990 o dinheiro russo começa a acabar e as pessoas vivem à procura de um alfinete, de um fósforo, de uma cerveja ou, literalmente, de um bocadinho de luz (entre apagões).
Nessa altura, dezenas de portugueses resolveram ir observar aquele paraíso “dólarizado”, em que a classe média se prostituía e eles se pavoneavam fumando charutos e frequentando as praias, os bares e os restaurantes para turistas. Suspeito que gostaram; e sei que nenhum abriu a boca para contar o que vira. Agora, com a hipocrisia do costume, acordaram para um mundo diferente. François Hollande, essa criatura abjecta, foi logo fazer a sua corte ao velho senil e assassino Fidel. E, em Roma, Raúl Castro, hoje o homem forte da ditadura, anunciou que se preparava para rezar ao Altíssimo por S.S. o papa Francisco, que tanto tinha ajudado Cuba. A esquerda cá de casa delirou. São os mesmos de sempre.

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