Vasco Pulido Valente parece
ter ficado sensibilizado com o “documento” dos doze, apóstolos de uma nova era,
era da continuidade na Europa, segundo as premissas do valente Mário Soares
quando nos lá meteu – na Europa, está visto – como fora sempre nossa atracção –
mas a que se seguira, logo após a entrada, a saída em força do contacto com o
francês nas escolas e da literatura francesa, que no meu tempo se iniciava no
sexto e sétimos anos para os alunos de Românicas, e criava um vínculo com essa pátria
das Luzes, que nos vagalhões das reformas pedagógicas, ficou irremissivelmente afundado,
qual náufrago num mediterrâneo específico da nossa parolice despudorada, que
igualmente nos subtraiu o latim e o grego, na tentativa de criar uma mocidade
liberta desse contacto inútil com a memória dos povos.
É um texto de brandura, embora
se refira ainda à “larga dose de demagogia até Outubro”, mas não mais se referiu aos desaguisados
estentórios e atentatórios dos que estão a governar, por enquanto, e que tão
mal ficam a Costa, porque se iguala aos vários da tal esquerda em que a
demagogia é virtude.
O texto de Francisco Louçã, no
mesmo Público de 25 de Abril, aclara um pouco os motivos do comedimento de
Pulido Valente em “Uma Vida Nova” em relação a esse novo Costa europeísta.
Chama-se “Rubicão, insinua também
o corte com a esquerda:
O Rubicão
“Uma
década para Portugal” é o primeiro esboço do programa eleitoral do PS. Com
nome equivocado, o plano é só para cinco anos Mas ainda bem que foi publicado,
porque era necessário desde há muitos meses.
O texto desencadeou um eflúvio de entusiasmos. Pedro Santos Guerreiro
pergunta: “Queriam uma política de esquerda, anti-troika e centrada nos
trabalhadores? Ei-la”. Henrique
Monteiro, pelo contrário, concluiu que isto é um corte com a esquerda, como
Assis aqui no Público…”
Omito os dados a respeito das
propostas da política económica do documento, que Bagão Félix também desenvolve,
na mesma página, e o PSD naturalmente condena pelo motivo da sua eficácia no
retorno ao passado que originou o apelo à Troika.
Leiamos antes o texto de Vasco
Pulido Valente sabiamente profético, embora omisso nesses tais dados de
política económica, que, ao que parece, não prescindem da Europa, não por amor
à Europa mas pelo brio administrativo da nossa dependência económica:
Uma vida nova?
25/04/2015
O “documento” dos doze sábios de
António Costa veio demonstrar que a natureza política de Portugal não mudou
desde 1974.
É bom lembrar que durante o PREC o PS foi a fronteira entre
a democracia e a “revolução”; e que Mário Soares ganhou a eleição para a
Constituinte com o slogan “A Europa connosco”. A base do programa de Costa,
como muito boa gente já notou, também assenta na vontade de ficar na “Europa” e
rejeita qualquer aventura do género Syriza que possa comprometer o nosso
estatuto nessa utópica comunidade. Os portugueses viveram séculos na esperança
de pertencer à “grande civilização” da França, da Inglaterra e da Alemanha; e a
copiar em pormenor as modas culturais de Paris. Não se muda uma velha e
venerada herança histórica com algumas cenas de histerismo na televisão.
Desde o princípio dos princípios que a distribuição na
Assembleia da República não muda: 80% para os partidos do que hoje se chama “o
arco da governação” e 20% para a extrema-esquerda. O que dá uma definitiva
vantagem à direita (que ganhou a maioria absoluta cinco vezes), mas
condena o PS a uma quase permanente menoridade (a maioria de Sócrates não
passou de uma aberração passageira). A ilusão que por aí se criou de que
António Costa iria agora finalmente arrastar consigo uma parte da
extrema-esquerda, como se as legislativas se destinassem a eleger a Câmara de
Lisboa, acabou na terça-feira. O PS escolheu o seu campo tradicional e cortou
com a cauda de oportunistas, que se lhe pegara à espera de uma Secretaria de
Estado, de um emprego ou de um subsídio.
Isto, claro, não nos livra de uma larga dose de demagogia
até Outubro (ou Setembro), mas repõe as coisas nos seus sítios. Sucede,
infelizmente, que um governo PS será por força um governo precário e fraco e
num tempo de crise pode complicar a vida aos portugueses. Os partidos, de
resto, no seu conjunto não têm conseguido fazer as reformas de que o país
precisa, por falta de legitimidade e força. Estão corrompidos, sem um propósito
ou uma visão da sociedade e do mundo; e dominados por bandos de intriguistas
profissionais que eles próprios criaram. De certa maneira, a democracia
parlamentar em Portugal chegou ao seu fim. Mas não com certeza a democracia em
outras formas — como, por exemplo, o presidencialismo — capazes de ordenar a
perene balbúrdia em que vivemos e representar o eleitorado como os partidos da
República de 76 já não representam.
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