quarta-feira, 13 de maio de 2015

Já está a ceder?



Vasco Pulido Valente parece ter ficado sensibilizado com o “documento” dos doze, apóstolos de uma nova era, era da continuidade na Europa, segundo as premissas do valente Mário Soares quando nos lá meteu – na Europa, está visto – como fora sempre nossa atracção – mas a que se seguira, logo após a entrada, a saída em força do contacto com o francês nas escolas e da literatura francesa, que no meu tempo se iniciava no sexto e sétimos anos para os alunos de Românicas, e criava um vínculo com essa pátria das Luzes, que nos vagalhões das reformas pedagógicas, ficou irremissivelmente afundado, qual náufrago num mediterrâneo específico da nossa parolice despudorada, que igualmente nos subtraiu o latim e o grego, na tentativa de criar uma mocidade liberta desse contacto inútil com a memória dos povos.
É um texto de brandura, embora se refira ainda à “larga dose de demagogia até Outubro”,  mas não mais se referiu aos desaguisados estentórios e atentatórios dos que estão a governar, por enquanto, e que tão mal ficam a Costa, porque se iguala aos vários da tal esquerda em que a demagogia é virtude.
O texto de Francisco Louçã, no mesmo Público de 25 de Abril, aclara um pouco os motivos do comedimento de Pulido Valente em “Uma Vida Nova” em relação a esse novo Costa europeísta. Chama-se “Rubicão, insinua  também o corte com a esquerda:

O Rubicão
Uma década para Portugal” é o primeiro esboço do programa eleitoral do PS. Com nome equivocado, o plano é só para cinco anos Mas ainda bem que foi publicado, porque era necessário desde há muitos meses.
O texto desencadeou um eflúvio de entusiasmos. Pedro Santos Guerreiro pergunta: “Queriam uma política de esquerda, anti-troika e centrada nos trabalhadores? Ei-la”.  Henrique Monteiro, pelo contrário, concluiu que isto é um corte com a esquerda, como Assis aqui  no Público…”

Omito os dados a respeito das propostas da política económica do documento, que Bagão Félix também desenvolve, na mesma página, e o PSD naturalmente condena pelo motivo da sua eficácia no retorno ao passado que originou o apelo à Troika.

Leiamos antes o texto de Vasco Pulido Valente sabiamente profético, embora omisso nesses tais dados de política económica, que, ao que parece, não prescindem da Europa, não por amor à Europa mas pelo brio administrativo da nossa dependência económica:

Uma vida nova?
25/04/2015
O “documento” dos doze sábios de António Costa veio demonstrar que a natureza política de Portugal não mudou desde 1974.
É bom lembrar que durante o PREC o PS foi a fronteira entre a democracia e a “revolução”; e que Mário Soares ganhou a eleição para a Constituinte com o slogan “A Europa connosco”. A base do programa de Costa, como muito boa gente já notou, também assenta na vontade de ficar na “Europa” e rejeita qualquer aventura do género Syriza que possa comprometer o nosso estatuto nessa utópica comunidade. Os portugueses viveram séculos na esperança de pertencer à “grande civilização” da França, da Inglaterra e da Alemanha; e a copiar em pormenor as modas culturais de Paris. Não se muda uma velha e venerada herança histórica com algumas cenas de histerismo na televisão.
Desde o princípio dos princípios que a distribuição na Assembleia da República não muda: 80% para os partidos do que hoje se chama “o arco da governação” e 20% para a extrema-esquerda. O que dá uma definitiva vantagem à direita (que ganhou a maioria absoluta cinco vezes), mas condena o PS a uma quase permanente menoridade (a maioria de Sócrates não passou de uma aberração passageira). A ilusão que por aí se criou de que António Costa iria agora finalmente arrastar consigo uma parte da extrema-esquerda, como se as legislativas se destinassem a eleger a Câmara de Lisboa, acabou na terça-feira. O PS escolheu o seu campo tradicional e cortou com a cauda de oportunistas, que se lhe pegara à espera de uma Secretaria de Estado, de um emprego ou de um subsídio.
Isto, claro, não nos livra de uma larga dose de demagogia até Outubro (ou Setembro), mas repõe as coisas nos seus sítios. Sucede, infelizmente, que um governo PS será por força um governo precário e fraco e num tempo de crise pode complicar a vida aos portugueses. Os partidos, de resto, no seu conjunto não têm conseguido fazer as reformas de que o país precisa, por falta de legitimidade e força. Estão corrompidos, sem um propósito ou uma visão da sociedade e do mundo; e dominados por bandos de intriguistas profissionais que eles próprios criaram. De certa maneira, a democracia parlamentar em Portugal chegou ao seu fim. Mas não com certeza a democracia em outras formas — como, por exemplo, o presidencialismo — capazes de ordenar a perene balbúrdia em que vivemos e representar o eleitorado como os partidos da República de 76 já não representam.

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