O artigo “Uma
tragédia evitável” de Alberto
Gonçalves (Notícias, 24/5/2015) é cheio de pormenores críticos sobre
a actuação de António Costa na pré-chefia que se propõe em campanha, como
preparação para a sua chefia futura, definitiva para muitos portugueses que até
se sentem honrados com a sua postura, ora de meias tintas ora de tintas fortes,
tergiversações só sensíveis às pessoas que não se deixam manipular por demagogias
que há muito deixaram de fazer sentido, num panorama de insensatez instituída, onde
os consertos prometidos não passam de palavras ocas, furtando-se à
responsabilidade de um país que deve.
Para Alberto Gonçalves a governança futura de Costa,
de ideologia leviana “à Syriza”, será uma tragédia. A análise que faz das
acções de Costa - a sua mansidão apelativa de votos, relativizando
comportamentos degradantes dos portugueses com a justificação, deseducativa, de
uma generalidade mundial, o seu extenso projecto de programa eleitoral” como
meio para aplicar terminologias em moda das mentiras linguísticas destes tempos,
iludindo os leitores, «Em suma, pacotes, iniciativas, medidas, apostas,
comissões, siglas e delírios, muitos delírios, as coordenadas exactas do
embuste», um artigo de ironia feroz de Alberto Gonçalves, que só
penetrará, naturalmente, nas mentes do costume.
Também o artigo «O jornalismo no museu» é uma sátira “desesperada” à parlapatice ou má fé
jornalística noticiarística, tanto no uso de expressões bombásticas para manifestação
de orgulhos nacionalistas despudorados na sua vanidade, como na expressão da
criminologia e sentimentalidade actuais, como no exibicionismo perverso de uma
ideologia de apoio ao crime no caso do crime antigo, o regicídio verificável
num coche do Museu dos Coches, a memória do regicida Buíça acarinhada por José
Alberto Carvalho.
O que não é evitável é a tragédia da mal formação mental.
Uma tragédia evitável
por ALBERTO GONÇALVES 24 maio 2015
Apesar de lamentar a balbúrdia cometida por adeptos da
bola no centro de Lisboa, António Costa lembrou, a título de consolo, que
actividades semelhantes também acontecem "noutros locais". Para mim,
que moro a centenas de quilómetros do Marquês de Pombal, chega. Para os
lisboetas, sobra. Para todos os portugueses, eis uma amostra da liderança
serena que o Dr. Costa se prepara para aplicar ao país em peso, logo que as
sondagens comecem a traduzir a real vontade do eleitorado e retirem o PS de
fundilhos anes justificáveis pela brandura de António José Seguro: qualquer
maçada, problema ou cataclismo devem ser relativizados sob o imbatível
argumento de que, algures, já houve igual ou pior.
Se, por exemplo, um dia funesto Condeixa-a-Nova for
bombardeada pelo inimigo, o Dr. Costa recordará Dresden e Pearl Harbor. Se três
quartos do Alto Minho desaparecerem graças a um vírus maligno, o Dr. Costa não
demorará a evocar a sida em África e a gripe espanhola. Se um surto de
canibalismo irromper no Barlavento algarvio, o Dr. Costa acalmará as hostes
mediante comparações com o Donner Party e a fome soviética de 1932. É para isto
que serve um líder.
Quanto a um candidato a líder, serve para apresentar
um "projecto de programa eleitoral". Dividido em quatro
capítulos, 21 pontos e incontáveis alíneas, o projecto de programa é um sítio
tão bom quanto outro qualquer para o PS semear palavras que acha cativantes (flexibilidade,
proximidade, agilidade, qualidade, sustentabilidade, valências, alavancagem,
dicotomia, etc.). Ao longo de 134 páginas que se lêem com o prazer com que
se arranca um dente, oscila-se sem surpresas entre os grandes conceitos (a
liberdade, a democracia, o sol, o vento e a água) e o detalhe maníaco
(melhorar a "qualidade das emissões da RTP Internacional"). Ou entre promessas
lindas (a "eficiência do Estado") e a sua contradição imediata
(a criação da essencial "Unidade de missão para a valorização do
Interior"). Ou entre promessas esquisitas (os direitos de
"reserva da intimidade da vida privada e do bom nome") e a sua contradição
imediata (a "conciliação dos mecanismos da vigilância electrónica
com os de teleassistência no apoio a vítimas de violência doméstica").
Ou entre o ocultismo ("construção de equipamento e navios de
suporte para O&G e Mining Offshore") e, literalmente, a arte de
encher chouriços (há um "programa integrado de certificação e promoção
de produtos regionais"). Ou entre a comédia farta (um
"Programa subtemático para o setor [sic] do leite") e a retórica
vazia ("Um mundo que nos devolva o lugar da comunidade, valorizando a
vida quotidiana"). Ou entre os sintomas de amnésia (a "consolidação
das contas públicas") e o orgulho no currículo (as garantias de apoios a
tudo o que mexa - e principalmente não mexa - são infinitas). Por pudor, não
desenvolvo "o equilíbrio de género no patamar dos 33% nos cargos de
direção para as empresas cotadas em bolsa". Por estupefacção, não
comento a abolição da austeridade através de decreto.
Em suma, pacotes, iniciativas, medidas, apostas,
comissões, siglas e delírios, muitos delírios, as coordenadas exactas do
embuste. Pura política? Sem
dúvida, e sobretudo puro PS. Corre por aí que o Dr. Costa contratou
especialistas de marketing para perceber o que vai na cabeça dos portugueses. A
vantagem dos portugueses é saberem de antemão o que vai na cabeça do Dr. Costa,
um seguidor confesso do interessante Syriza. Se depois elegerem o PS
pode sempre dizer-se que, de Mário Soares a José Sócrates, já houve desastres
iguais. Duvido que tenham sido piores: a luz ao fundo do túnel é o TGV.
O jornalismo no museu
Peço
desculpa pela terminologia, mas a homepage do meu browser é o Google News. Foi
aí que nos últimos dias e em diversos sites informativos li: "Cláudia
Vieira arrasa em Cannes"; "Sara Sampaio arrasa em Cannes";
"Cristina Ferreira arrasa em Cannes", "Irina Shayk arrasa em
Cannes". Não se devemos celebrar o sucesso de tantas concidadãs (ou
ex-namoradas de concidadãos, o que para efeitos nacionalistas vai dar ao mesmo)
ou lamentar que a passadeira onde em tempos desfilaram Anna Karina e Brigitte
Bardot seja hoje tão impressionável por pessoas que nem eu sei bem quem são ou
o que fazem.
Certo
é que Cannes está arrasada, e é entre as suas ruínas metafóricas que medito
naquilo que agora passa por notícia. E concluo que, apesar de tudo, antes este
patriotismo apatetado do que os telejornais cheios de sangue e sentimentalismo,
que a cada dois dias agitam uma indignação ou uma polémica para animar o povo.
E
mesmo a exploração de crimes recentes é preferível à exaltação de crimes
remotos, ou a José Alberto Carvalho, em directo do Museu dos Coches, a lembrar
o regicídio ("uma data considerada funesta para os monárquicos"), a
evocar com carinho a memória do Buíça e a constatar, com certo pasmo, que
"mais de um século depois estes princípios republicanos ou de humanidade
são ainda objecto de debate". Se os princípios eram a herança francesa do
terror, é melhor não conhecer os fins. Já o fim do jornalismo, pelo andar da
carruagem (ou do coche, caso apreciem trocadilhos), não deverá andar longe
disto.
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