terça-feira, 25 de agosto de 2015

Comentário a um estudo histórico




«PORTUGAL - MEMÓRIA – 7»

«Há 600 anos, Ceuta. Há 500, Afonso de Albuquerque. Do Mediterrâneo para o Mundo.
Duas efemérides e a natureza do nosso país.

Assim, as duas efemérides que se evocam este ano, os 600 anos da conquista de Ceuta e os 500 anos da morte de Afonso de Albuquerque, ajudam-nos a compreender a própria natureza do nosso país.
Há 600 anos, Portugal buscava ainda a sua configuração definitiva, ao mesmo tempo que lutava por garantir o seu espaço vital e que espreitava mais além. E ao completar o seu acomodamento ao mundo, ao definir o seu espaço no seio do mundo euro-mediterrânico, logo se tornou numa potência atlântica, e inventou o próprio Atlântico, transformando o ignoto e temido Mar Oceano num eixo de comunicações e num espaço com forma própria, ao mesmo tempo que transformava de vez o seu carácter periférico numa nova centralidade.
Não se pode explicar a modernidade e a globalização sem ter em conta o impulso visionário do Infante D. Henrique e o acto heroico da tripulação de Gil Eanes, que soube vencer o medo e desfazer num ápice as lendas do Mar Tenebroso.
João I cumpriu a História ao concluir a gesta da formação de Portugal, levando os seus homens até ao Estreito e sancionando a ocupação da Madeira, enquanto o génio irrequieto e pertinaz do infante D. Henrique abria o caminho para uma nova era, que fez de Portugal um dos protagonistas da História Universal, pois não se pode explicar a modernidade e a globalização sem ter em conta o seu impulso visionário e o acto heroico da tripulação de Gil Eanes, que soube vencer o medo e desfazer num ápice as lendas do Mar Tenebroso.
Há 500 anos, a presença portuguesa pelo mundo alcançava quase a sua amplitude máxima, pois os oficiais da coroa já andavam pelas praias do Brasil e já negociavam nos portos da China. Durante cem anos os navegadores portugueses desbravaram meio mundo, desde a Terra Nova até às águas longínquas de Timor. Abriram novos negócios, apropriaram-se de outros e ganharam as posições necessárias para dominar os mares, mas agora estavam aptos para aprofundar esse movimento pioneiro. Começavam, finalmente, a libertar-se da velha tradição mediterrânica que os tinha levado a Ceuta; era o tempo de focar o império nos oceanos e de ganhar territórios e as suas gentes.
D. Manuel I concluiu a tarefa a que a coroa se propusera desde que o regente D. Pedro proclamou o senhorio do mar, em 1443, e que ganhara limites concretos pelo Tratado de Tordesilhas de 1494. Foi no seu reinado que os horizontes se alargaram ao Brasil e à China e foi ao penetrar no Índico que consumou uma prática imperialista que já se adivinhava nos seus antecessores. Portugal era então um país rico pela sua capacidade de obter no exterior o que lhe faltava no seu espaço vital.
Mas foi o génio de Afonso de Albuquerque que provocou nova aceleração tal como o infante fizera há quase cem anos; ao ser o primeiro a libertar-se das grilhetas mentais da centralidade do Mediterrâneo concebeu o destino secular de Portugal na Ásia e ao promover os casamentos mistos intuiu o que seria a maior força do Império Português pelos séculos vindouros – a sua capacidade de negociação com povos de todos os continentes e a sua disponibilidade para criar um império assente na supremacia d’el-rei de Portugal e dos seus oficiais mas forjado e sustentado por uma massa mestiçada que tanto falava tupi, como ovimbundo, concanim, malaiala, malaio, chinês ou japonês, mas que rezava a um só Deus.
Passados todos estes séculos, Portugal, despojado das conquistas posteriores a 1434, persiste como país uno entre o continente e os arquipélagos adjacentes, sem ter perdido as suas ligações ao mar e ao mundo por onde os seus oficiais, mercadores e clérigos andaram anos a fio.
Não foi certamente por acaso, que a última eleição de Portugal como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU foi obtida predominantemente com votos dos países do Terceiro Mundo; como não é por acaso que é no mar que Portugal espera poder ganhar novos espaços e novas riquezas, seja na luta pelo subsolo das áreas adjacentes à sua linha de costa, o que devido aos arquipélagos lhe pode proporcionar uma nova fronteira marítima que tornará num dos países mais extensos do mundo, seja reinventando a centralidade do seu litoral continental conseguindo transformar Sines numa das grandes escápulas do comércio marítimo.
600 anos depois de Ceuta e 500 anos depois de Albuquerque, Portugal é o mesmo, com a força que sempre teve para perdurar como entidade política independente apesar da sua pequenez … assim os próprios Portugueses o percebam.»
 João Paulo Oliveira e Costa
Historiador, Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa

Um extenso artigo do Historiador João Paulo Oliveira e Costa distribuído por sete capítulos, no «A Bem da Nação», que, historiando a aventura marítima portuguesa, de Ceuta a Afonso de Albuquerque, parece querer fazer renascer um sentimento de orgulho pátrio, que fora preservado pelos séculos fora, nas crónicas cortesanescas ou na epopeia de exaltação, na consciência do milagre  da devassa do mundo por um povo aventureiro e detentor de ambição, apesar – ou por causa – de um estatuto de menoridade intelectual e social que sempre o acompanhou. Povo que a pátria-mãe foi expulsando do seu habitat, para benefício próprio, não lhe concedendo enxadas culturais mais seguras e dignificantes no solo pátrio, avesso de longa data não só a uma abertura de modernização científica e filosófica, como a que se praticou na Europa seiscentista e dos séculos seguintes - e que a Igreja aqui contribuiu para impedir, anquilosada na estreiteza da sua fé ameaçadora e interesseira - como à difusão mais equilibrada dos preceitos culturais  abrangendo todas as classes sociais, ao invés de condenar a plebe ao estatuto escravizante de servos da gleba e do senhor.
Mas hoje, que se deu a democratização, o mesmo povo culturalmente apagado, depressa mostrou o reverso da sua pose de humildade, aguçando as garras da sua exigência de confrontação, manipulado por dirigistas de uma doutrinação limitada e unilateral, sem princípios nem consciência do decoro, da educação, e da dimensão económica.
É por isso que, desejando concordar com o conceito final do texto de João Paulo Oliveira e Costa - «600 anos depois de Ceuta e 500 anos depois de Albuquerque, Portugal é o mesmo, com a força que sempre teve para perdurar como entidade política independente apesar da sua pequenez … assim os próprios Portugueses o percebam.» - não consigo adaptar-me a outra posição que não seja o de desejar seguir em frente sem ambições de glória nem de confrontação, aspirando para este povo minúsculo apenas um comportamento de responsabilidade e decência, criado numa orientação de ambição, sim, mas apenas de competência e dignidade nos caminhos a seguir.

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