segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Quem está cá em baixo leva com eles



Contei  do desastre de parapente e da corajosa  ida do pai de 83 anos – Francisco Gomes de Amorim – também no mesmo transporte – e pela primeira vez - acompanhado por outro piloto, lançar as cinzas do filho sobre os mesmos espaços brasileiros – Pedra Bonita - que o filho Tiago Cobra - o primeiro piloto de speed fly a descolar do Corcovado, segundo foto e legenda publicados no A Bem da Nação – costumava percorrer.
Deixei-me até comover na referência, mas de repente levantei a cabeça numa risada, ao ouvir a frase da nossa amiga “Deviam acabar com estes espectáculos porque quem está cá em baixo leva com eles “, lançada a contar dos desastres de avioneta – dois desastres recentes seguidos, um em Inglaterra e outro na América - que tinham colhido pessoas, a nossa amiga completamente alheia às minhas emoções, e pondo na mesa os seus rancores contra os causadores aéreos de mortes terrestres.
Ainda referi os causadores terrestres de muitas mortes inesperadas – creio que em número superior - mas a minha amiga já estava lançada noutros panoramas da nossa incredulidade actual:
- E aquele homem que mata três vizinhos por causa do cão! A gente está onde? Isto é de cavar!
Outros exemplos foram referidos, até noutras partes do mundo, de que o nosso pequeno país é referência enorme nesse capítulo das matanças, mas a conversa descambou de repente, com outras fofocas sobre a “Hola” espanhola cheia de fotos belíssimas de mulheres e palácios de arrasar, contou a minha irmã a quem a filha Ana leva as revistas que projectam para mundos de sonho, e que logo apontou, como contraste, as gentes afogadas no Mediterrâneo, ou outras que escapam no terror de um mundo de perdição que sobre todos desabou, a querer escapar ao inexplicável de tanto mal repentino.
E a nossa amiga aproveitou para mostrar que leu um pouco do sermão de Vieira que lhes impingi:
- Eu só pergunto o que diria o padre António Vieira se vivesse nestes tempos.
Fiquei lisonjeada e só me ri, engolindo o comentário sobre os males no mundo de todos os tempos, e sem conserto, por muito que o Jeová ou outros se esforçassem por mostrar o caminho – Jeová castigando, Cristo socorrendo e abençoando, mas ele próprio sofrendo, sem culpa.
A conversa rodou sobre os futebóis, falou-se do Jesus que é “um pavor” para a minha irmã - e para mim, assim que lhe ouço a voz ou vejo a figura, mas desvio, embora encontre muitas vezes simultaneidade temporal, na referência e no retrato, nos diversos canais nacionais. A minha amiga não se convenceu, de trocadilho a descambar para o cinismo:
- Mas está benzinho! Os benfiquistas perderam-no, a ele que está todo benzido.
Também a minha irmã deu a seguinte informação:
- Os do futebol estão a descambar. É o Mourinho, a perder jogos, o Ronaldo a perder p´ró Messi …
E logo a nossa amiga rancorosa:
- A riqueza é tanta que não faz diferença. Aí, não tenho pena.
Lembrei o Pinto da Costa, hospitalizado, numa operação qualquer e logo ouço:
- O Pinto da Costa ainda vai fazer muitas operações. 

Fico admirada, mas a minha amiga continua, em olhos de serena compostura:
- Ele casou. Foi ao Brasil casar. Ela está rica. Casou com um velho rico…
E disse mais, mas acabámos rindo com as nossas coscuvilhices, que se centraram, a seguir, na Sara Carbonero que põe a milhas, em beleza, a Irina, que anda com um americano, enquanto o Ronaldo fica deitado nas pedras, mas com uma casa brutal no Monte Estoril… Eu mal sigo estas informações e a minha irmã dá gargalhadas de surpresa pelo nosso desplante fofoqueiro inabitual.
Para mim, pelo menos, generosa que sou, e desconhecedora dessas particularidades existenciais da nossa aristocracia capitalista, todos esses dados foram surpresa bem vinda. Fiquei, sobretudo, contente por saber que o Ronaldo comprou uma casa perto de nós, talvez mesmo com possibilidade de nos tirar do anonimato, com tão importante presença no Monte Estoril. Até me lembro dos banhos da realeza no século passado que tanta nomeada trouxeram a Cascais, embora a gente permaneça apenas na linha, a minha irmã há mais tempo, e nós, por desordens inesperadas da nossa história nacional, e a quem ela deu uma mãozinha aquando da nossa vinda.
Mas a conversa deu outra volta. Falou-se dos brinquedos de agora, a propósito dos nossos netos que se entretêm – tão destramente, é certo! – com esses brinquedos, quando, na nossa infância, jogávamos e corríamos pelos passeios e ruas, em verdadeira liberdade. Agora chega-se ao extremo de reuniões familiares com telemóveis ou tabletes ao pé, num desligar de afectos familiares, na diversão a distância, com os amigos.
E a minha irmã comentou:
- Os brinquedos de outrora são para os velhos: «Põe ali o pino!” ouvi eu num jogo de velhos.
E a nossa amiga concluiu:
- O mundo está dentro de uma maquineta. Aquela caixinha não tem sentimentos.
De facto.
Mas com Álvaro de Campos ganhemos confiança:

Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje? (Ode Triunfal)
 

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