segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Pregoeiros da moral



Mais um artigo de opinião, de Alberto Gonçalves, publicado no DN, que funciona como lufada de ar fresco na névoa espessa da idiotia lusa, exemplificada, no caso presente, com os discursos da “mesmice” da precariedade ideológica, ou até “moral”, que se traduzem na má fé dos argumentos repetitivos de uma simpatia humanitária artificiosa e unilateral – os argumentos de António Costa sobre modelos económicos de arteirice patética, visando a derrota do Governo vigente para a conquista do mesmo para si próprio; os discursos da falsa moral, apontando o dedo inquisitorial contra o pensamento claro e simples que não põe malícia nos gestos da simpatia alegre, traduzidos no retrato de um beijo de felicidade pelo fim da guerra, empolando-o hoje com intenções ocultas pecaminosas e ultrajantes dos bons costumes; um crime de extremismo terrorista islâmico, condenável, naturalmente, na atrocidade do gesto gratuito, mas admitindo, para evitar confrontações com os da nobreza de pensamento apoiantes do jihadismo, diversidade de justificações alheias, incluindo a do Avante: curto artigo este último, de humor gracioso a merecer galardão:

Precário é o Dr. Costa
por ALBERTO GONÇALVES
D.N., 23/8/15
Dada a quantidade de ar morno que lhe atravessa a cabeça, extraordinária até pelos padrões da classe política, é difícil prestar atenção às opiniões de António Costa, e dificílimo destacar alguma. Quando num dia promete 207 mil empregos e no seguinte explica que a promessa é afinal uma estimativa, as pessoas, entretanto habituadas ao estilo, não ligam. Mesmo assim, foi com pasmo que vi o homem lamentar a "precariedade" dos novos contratos laborais, tragédia que "não oferece segurança" e é "altamente prejudicial". Não é só um argumento típico de quem anda longe do universo do trabalho: é a fezada de quem nunca trabalhou.
Pela parte que directamente me toca, em vinte anos nunca tive qualquer vínculo à entidade empregadora e nunca me ocorreu reivindicar (é o verbo, não é?) alternativa. Com uma remota excepção: seis meses de suplício num "projecto" ligado ao Ministério da Saúde, de onde saí por despedimento "ilícito" e abençoado. Descontada a legitimidade legal, a que pretexto iria forçar-me a continuar num lugar onde não me queriam e que, de resto, eu abominava? Desde então, aprendi que receber por cada serviço que presto é, além de genericamente decente, racional. Por muito que isto indigne o Dr. Costa, não percebo que um sujeito suporte ser remunerado por imposição do tribunal e não pelo reconhecimento daquilo que faz. A garantia do emprego para a vida é má para o emprego e péssima para a vida.
Pela parte que me toca indirectamente, a brutal distância entre o Dr. Costa e o mundo ainda é mais ofensiva. Nos últimos meses, tenho acompanhado de perto o microscópico drama de um "patrão" que tenta em vão despedir o "trabalhador". O primeiro paga o dobro do praticado no sector, a que acresce horas extras, 14 meses e, claro, segurança social. O segundo organiza manifestações sindicais diárias, esforça-se com irregularidade e exibe maus modos. A solução, de acordo com diversos advogados? Manter tudo como está, já que o despedimento com justa causa exige pelos vistos que o assalariado cometa um ou dois crimes de sangue durante o expediente. E o malévolo capitalista não aguenta os custos de um despedimento sem prova da causa "justa".
Quando o Dr. Costa, com três décadas de carreira partidária em cima, diz que "o combate à precariedade é tão ou mais importante do que o combate ao desemprego", não compreende que aquele torna este inútil: no cenário actual, e que o PS sonha agravar, apenas um maluco empregará alguém.
Mudando de assunto, há que louvar o novíssimo critério do Dr. Costa para a emergência de um "bloco central": uma "invasão marciana" (sic). Enfim, o chefe do PS comenta temas que domina. Infelizmente, arrisca-se a não ir a tempo: precário é ele.

Terça-feira, 18 de Agosto
A nova Inquisição
Há 70 anos, a rendição do Japão e o fim da Segunda Guerra produziram, a título de ícone, o beijo entre um marinheiro e uma enfermeira em Times Square. O instante foi registado pela câmara de Alfred Eisenstaedt e, durante as décadas seguintes, limitou-se a suscitar imitações e ligeira curiosidade face à identidade dos protagonistas (a propósito, talvez o homem fosse filho de emigrantes portugueses nos EUA). Outros tempos. Hoje, para muitos, o famoso beijo é, mais do que uma celebração da paz, um símbolo da "cultura de violação" e do "assédio sexual".
O raciocínio é simples, como aliás convém aos novos moralistas: o marinheiro não conhecia a enfermeira e beijou-a sem autorização (presume-se que escrita). Não importa para o caso que a senhora tenha sempre declarado lembrar-se com felicidade daquele momento, e afirmado em 2012 aos jornais: "Não consigo pensar em ninguém que encare o beijo como assédio."
Também me custa pensar em gente assim. O facto é que existe. E anda à solta, cheia de si, a farejar pecados e blasfémias, a regular comportamentos, a sugerir proibições, a excomungar almas e a exigir castigos a pretexto da cartilha que definiram para todos nós: a "igualdade de género", o combate ao que toma por racismo, o "ambiente", o que calha.
É com certeza a mesma gente que, há dias em Espanha e sob o aplauso do Podemos, vetou a participação de um judeu americano num festival de música porque o sujeito se recusou a criticar Israel. Li depois que o dito festival inclui uma "componente social", com mesas--redondas sobre violência doméstica e a exibição de peças influenciadas pelo "teatro do oprimido". Tamanho fervor puritano não é inédito. Mas foi para chegar a isto que uma civilização se livrou dos santos inquisidores?

Sexta-feira, 21 de Agosto
Um crime no TGV
Um indivíduo de 26 anos e origem marroquina apanhou o TGV Amesterdão-Paris com armas de fogo e facas sortidas. A páginas tantas, desatou aos tiros e feriu três pessoas, duas com gravidade. Não causou mais estragos porque acabou dominado por um par de passageiros, marines americanos, e entregue às autoridades.
Como começo a estar farto de escrever sobre a ameaça do islamismo menos moderado, prefiro imaginar pontos de vista alheios. Uns acharão que a notícia prova a loucura de investir no TGV. Outros verão aqui um pretexto para novas restrições à concessão de licença de porte de arma. Outros ainda detectarão a necessidade de estender o check-in de segurança a comboios, barcos de recreio e tractores de dois lugares. Uma quarta facção culpará a austeridade pelo incidente. Uma quinta lembrará que os franceses são salvos sempre pelos mesmos. E o Avante! publicará um editorial a condenar o imperialismo dos EUA.

Nenhum comentário: