Mais
um artigo de opinião, de Alberto Gonçalves, publicado no DN, que
funciona como lufada de ar fresco na névoa espessa da idiotia lusa,
exemplificada, no caso presente, com os discursos da “mesmice” da precariedade
ideológica, ou até “moral”, que se traduzem na má fé dos argumentos repetitivos
de uma simpatia humanitária artificiosa e unilateral – os argumentos de António
Costa sobre modelos económicos de arteirice patética, visando a derrota do
Governo vigente para a conquista do mesmo para si próprio; os discursos da
falsa moral, apontando o dedo inquisitorial contra o pensamento claro e simples
que não põe malícia nos gestos da simpatia alegre, traduzidos no retrato de um
beijo de felicidade pelo fim da guerra, empolando-o hoje com intenções ocultas
pecaminosas e ultrajantes dos bons costumes; um crime de extremismo terrorista
islâmico, condenável, naturalmente, na atrocidade do gesto gratuito, mas
admitindo, para evitar confrontações com os da nobreza de pensamento apoiantes
do jihadismo, diversidade de justificações alheias, incluindo a do Avante:
curto artigo este último, de humor gracioso a merecer galardão:
Precário é o Dr. Costa
por ALBERTO GONÇALVES
D.N., 23/8/15
Dada a quantidade de ar morno que lhe atravessa a
cabeça, extraordinária até pelos padrões da classe política, é difícil prestar
atenção às opiniões de António Costa, e dificílimo destacar alguma. Quando num
dia promete 207 mil empregos e no seguinte explica que a promessa é afinal uma
estimativa, as pessoas, entretanto habituadas ao estilo, não ligam. Mesmo
assim, foi com pasmo que vi o homem lamentar a "precariedade" dos
novos contratos laborais, tragédia que "não oferece segurança" e é
"altamente prejudicial". Não é só um argumento típico de quem anda
longe do universo do trabalho: é a fezada de quem nunca trabalhou.
Pela parte que directamente me toca, em vinte anos
nunca tive qualquer vínculo à entidade empregadora e nunca me ocorreu
reivindicar (é o verbo, não é?) alternativa. Com uma remota excepção: seis
meses de suplício num "projecto" ligado ao Ministério da Saúde, de
onde saí por despedimento "ilícito" e abençoado. Descontada a
legitimidade legal, a que pretexto iria forçar-me a continuar num lugar onde
não me queriam e que, de resto, eu abominava? Desde então, aprendi que receber
por cada serviço que presto é, além de genericamente decente, racional. Por
muito que isto indigne o Dr. Costa, não percebo que um sujeito suporte ser
remunerado por imposição do tribunal e não pelo reconhecimento daquilo que faz.
A garantia do emprego para a vida é má para o emprego e péssima para a vida.
Pela parte que me toca indirectamente, a brutal
distância entre o Dr. Costa e o mundo ainda é mais ofensiva. Nos últimos meses,
tenho acompanhado de perto o microscópico drama de um "patrão" que
tenta em vão despedir o "trabalhador". O primeiro paga o dobro do
praticado no sector, a que acresce horas extras, 14 meses e, claro, segurança
social. O segundo organiza manifestações sindicais diárias, esforça-se com
irregularidade e exibe maus modos. A solução, de acordo com diversos advogados?
Manter tudo como está, já que o despedimento com justa causa exige pelos vistos
que o assalariado cometa um ou dois crimes de sangue durante o expediente. E o
malévolo capitalista não aguenta os custos de um despedimento sem prova da
causa "justa".
Quando o Dr. Costa, com três décadas de carreira
partidária em cima, diz que "o combate à precariedade é tão ou mais
importante do que o combate ao desemprego", não compreende que aquele
torna este inútil: no cenário actual, e que o PS sonha agravar, apenas um
maluco empregará alguém.
Mudando de assunto, há que louvar o novíssimo critério
do Dr. Costa para a emergência de um "bloco central": uma
"invasão marciana" (sic). Enfim, o chefe do PS comenta temas que
domina. Infelizmente, arrisca-se a não ir a tempo: precário é ele.
Terça-feira, 18 de Agosto
A nova Inquisição
Há 70 anos, a rendição do Japão e o fim da Segunda
Guerra produziram, a título de ícone, o beijo entre um marinheiro e uma
enfermeira em Times Square. O instante foi registado pela câmara de Alfred
Eisenstaedt e, durante as décadas seguintes, limitou-se a suscitar imitações e
ligeira curiosidade face à identidade dos protagonistas (a propósito, talvez o
homem fosse filho de emigrantes portugueses nos EUA). Outros tempos. Hoje, para
muitos, o famoso beijo é, mais do que uma celebração da paz, um símbolo da
"cultura de violação" e do "assédio sexual".
O raciocínio é simples, como aliás convém aos novos
moralistas: o marinheiro não conhecia a enfermeira e beijou-a sem autorização
(presume-se que escrita). Não importa para o caso que a senhora tenha sempre
declarado lembrar-se com felicidade daquele momento, e afirmado em 2012 aos
jornais: "Não consigo pensar em ninguém que encare o beijo como
assédio."
Também me custa pensar em gente assim. O facto é que
existe. E anda à solta, cheia de si, a farejar pecados e blasfémias, a regular
comportamentos, a sugerir proibições, a excomungar almas e a exigir castigos a
pretexto da cartilha que definiram para todos nós: a "igualdade de
género", o combate ao que toma por racismo, o "ambiente", o que
calha.
É com certeza a mesma gente que, há dias em Espanha e
sob o aplauso do Podemos, vetou a participação de um judeu americano num
festival de música porque o sujeito se recusou a criticar Israel. Li depois que
o dito festival inclui uma "componente social", com mesas--redondas
sobre violência doméstica e a exibição de peças influenciadas pelo "teatro
do oprimido". Tamanho fervor puritano não é inédito. Mas foi para chegar a
isto que uma civilização se livrou dos santos inquisidores?
Sexta-feira, 21 de Agosto
Um crime no TGV
Um indivíduo de 26 anos e origem marroquina apanhou o
TGV Amesterdão-Paris com armas de fogo e facas sortidas. A páginas tantas,
desatou aos tiros e feriu três pessoas, duas com gravidade. Não causou mais
estragos porque acabou dominado por um par de passageiros, marines americanos,
e entregue às autoridades.
Como começo a estar farto de escrever sobre a ameaça
do islamismo menos moderado, prefiro imaginar pontos de vista alheios. Uns
acharão que a notícia prova a loucura de investir no TGV. Outros verão aqui um
pretexto para novas restrições à concessão de licença de porte de arma. Outros
ainda detectarão a necessidade de estender o check-in de segurança a comboios,
barcos de recreio e tractores de dois lugares. Uma quarta facção culpará a
austeridade pelo incidente. Uma quinta lembrará que os franceses são salvos
sempre pelos mesmos. E o Avante! publicará um editorial a condenar o
imperialismo dos EUA.
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