segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Prémio Nobel de Literatura de 2014



Mergulhada, embora ligeiramente - simples boiar de quem lê por pura diversão - nas escritas um tanto lineares dos escritores de sempre, com maior ou menor ramificação figurativa ou de perspectiva narrativa, de repente deparou-se-me este livro, oferecido pela minha nora Paula: «Dans le café de la jeunesse perdue», Prémio Nobel de Literatura de 2014, de Patrick Modiano, escritor conhecido, meu desconhecido, detentor de vários prémios literários, o último vindo coroar o seu livro publicado em 2007, reconstituição de um espaço temporal dos anos 50-60 forjado em muito do desequilíbrio e instabilidade vividos no pós guerra, sem, todavia, a pretensão de um sentido crítico ou de apontamento referencial ordenado por concepção visualista ou de outra qualquer apetência estrutural.
Na realidade, trata-se de um livro não linear, enigmático, mas de um constante retomar de nomes e de eventos, sob as perspectivas de diferentes narradores, que nos impõem uma constante retoma de leitura para percepção do quem é quem ou da trama que vai progredindo, ora vai recuando e retomando infindavelmente, em novas alianças de um “eterno retorno”, mesmo nos artifícios da sua evolução ou transformação. Assim, dessa forma enigmática que vai deixando e retomando as pistas, com os nomes e as suas relações, o título da obra - «Dans le café de la jeunesse perdue» - é bem a síntese de um enredo em torno de uma jovem, também fugidia e enigmática, figura representativa não só de uma geração jovem, sem rumo, mas também de gerações mais velhas, com o seu passado e os seus segredos, que não interessa decifrar, nos seus tratos e vidas de uma eterna repetição, momentaneamente ou repetidamente desembocada num café de bairro: Café Condé, mais tarde transformado em loja com expositor de objectos marroquinos .”Au Prince Condé”.
História de uma Jacqueline Delanque, filha de pai incógnito e mãe trabalhando no “Moulin  Rouge”, cuja menoridade é atravessada por acontecimentos definitivamente marcantes, pelo seu teor de aviltamento, na construção de uma personalidade tímida e fechada e simultaneamente arriscada, polarizadora de afectos, quer pela sua beleza, quer pela sua reserva, e cujo retrato de adolescente, tirado no comissariado da polícia onde fora conduzida por vagabundagem, servirá como ponto de arranque para o reconhecimento do seu paradeiro, ao detective privado Caislay (um dos narradores) – por encargo do marido abandonado da fugitiva Jacqueline – detective que a reconhecerá, no café Condé da Rive Gauche.
Os quatro narradores serão, por ordem sequencial na intriga, à volta dos frequentadores do café e suas ligações e sobretudo em torno de Louki (nome de carinho atribuído por um desses frequentadores), um estudante da escola de minas, o detective privado, a própria heroína, e Roland, seu amante (após o abandono do marido, personagem insípida e vulgarmente convencional).
Um romance que, na modernidade do seu enredo, de enigmas e pistas a tender para o policial, evoca igualmente a tragédia sofocliana «Édipo», no seu conflito que se vai gradualmente encaminhando, pelas diferentes pistas, para o reconhecimento do parricídio e do incesto, e o desenlace fatal – Um Édipo que se pune cegando-se, uma torturada e enigmática Louki que se suicida lançando-se da janela, ao encontro, certamente, das respostas para as suas incompreensões existenciais.
Como epígrafe justificativa, uma citação do escritor francês Guy Debord, parafraseando o dantesco « Nel mezzo del cammin di nostra vita» : «À la moitié du chemin de la vraie vie, nous étions environnés d’une sombre mélancolie, qu’ont exprimée tant de mots railleurs et tristes, dans le café de la jeunesse perdue. »
Na realidade, um romance que, mais do que oferecer uma intriga mais ou menos romanesca, na sedução de sensualidades nele inexistentes, embora subentendendo sentimentos reais de amor, carinho e dor, joga antes com o enigma da filosofia da vida: a vida como um eterno retomar, na banalidade ou no significativo dos reencontros, no sentimento de frustração ou de vacuidade que persegue o homem ao longo da vida, vida a que a morte reduz ao nada igualmente sem sentido, embora recurso da inadaptação ou incompreensão totais.
Eterno Retorno”, a tese que o livro pretende explicitar, na peugada de Nietzsche (retiro-o da Internet):
« L’Eternel Retour du même sous forme d’une expérience de pensée :
Nietzsche expose sous forme conditionnelle, sous forme d’expérience de pensée sa théorie :

« Que dirais-tu si un jour, si une nuit , un démon se glissait jusque dans ta solitude la plus reculée et te dise : « Cette vie telle que tu l’as vécue, tu devras la vivre encore une fois et d’innombrables fois ; et il n’y aura rien de nouveau en elle, si ce n’est que chaque douleur et chaque plaisir, chaque pensée et chaque gémissement et tout ce qu’il y a d’indiciblement petit et grand dans ta vie devront revenir pour toi, et le tout dans le même ordre et la même succession […]. L’éternel sablier de l’existence ne cesse d’être renversé à nouveau – et toi avec lui, ô grain de poussière de la poussière ! » – Le Gai Savoir (aphorisme 341).»

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