Julgo que sem contestação.
O fenómeno Varoufakis
O mundo da política orçamental é vasto e complexo,
incluindo muitos casos estranhos e aberrantes. Mas, até nessa companhia
bizarra, o grego Yanis
Varoufakis, no cargo de 27 de
Janeiro a 6 de Julho, destaca-se como o pior e o mais bem-sucedido ministro das
Finanças da história mundial recente. Em menos de seis meses conseguiu
transformar uma situação desesperada numa catástrofe, enquanto se promovia da
obscuridade ao estrelato.
Antes de mais, foi um ministro das Finanças muito
popular, o que é inaudito. A função, nas suas características próprias, impõe
incómodos e gera ódios. Quem se encarrega de nos tributar pode ser respeitado,
temido, admirado, mas raramente é amado e celebrado. Varoufakis, mais conhecido
pelo cachecol do que pelo défice, povoou magazines e revistas de moda.
Além disso era um académico numa função política,
situação comum mas sempre ambígua. Recorrentemente tentada, costuma ser um
fiasco por razões óbvias: os universitários tendem a ser tecnicamente bons mas
politicamente inaptos, produzindo soluções elegantes mas impopulares. Neste
caso, porém, a situação foi paradoxalmente inversa.
Yanis Varoufakis, doutorado em 1987 em Essex, na
Grã-Bretanha, é professor catedrático na Universidade de Atenas desde 2006. Só
que, especializado em Teoria dos Jogos, não domina as delicadas questões de
finanças públicas e política orçamental. Aliás, não se lhe viu qualquer
contributo, original ou outro. Desde o início, porém, revelou uma intensa
atitude política, sentindo-se à vontade nas elaborações retóricas e nos debates
parlamentares. Parecia um antipolítico-académico. No fim, o que o destruiu não
foi qualquer destas duas dimensões, mas uma falha no elementar bom senso.
Tomou posse numa das mais terríveis crises que o mundo
desenvolvido assistiu. Se isso impõe brutais sacrifícios, na população tem, ao
menos, a vantagem de ser uma doença simples e elementar, com tratamento
evidente. Havia alternativas limitadas e o essencial era óbvio para qualquer
pessoa medianamente inteligente. Evitar a ruptura financeira, que geraria um
colapso bancário e as consequentes derrocada produtiva e calamidade social,
ainda piores do que as já verificadas, exigia garantir financiamento exterior.
Só assim o país poderia estancar o pânico dos agentes económicos internos e
externos, para depois começar o longo caminho de recuperação da confiança.
A tarefa era hercúlea, mas o Syriza tinha também
condições únicas para a realizar: forte apoio popular nacional e internacional
e os parceiros da União numa posição defensiva, devido à evidente desgraça já
infligida à Grécia. Era patente que toda a gente desejava o maior sucesso ao
rebelde governo helénico.
Nesta circunstância-limite havia algo a evitar a todo
o custo: arrogância, pedantismo e dissipação. Insulto e desafio em condições
assim, por muito que apeteça, são atitudes estúpidas. Quando se vai pedir
muitos milhares de milhões a outros países, aliás também em crise, convém
mostrar solidariedade, empenho, compreensão. Varoufakis fez exactamente o
oposto do que devia: desdenhou negociações, iludiu propostas concretas e
construtivas, limitando-se a barafustar.
É verdade que ele tinha bastante razão. A Europa
cometera erros graves na Grécia, e sabia-o. Ao fim de tantos anos, o horror a
que os gregos tinham chegado enfraquecia a posição dos duros, que exigiam a
continuação da austeridade. Também para a União a atitude mais inteligente era
benevolência, cooperação e apoio. Este ambiente favorável foi totalmente
subvertido pela atitude tola, pretensiosa e ridícula do ministro grego, que
legitimou os críticos enquanto debilitava os argumentos dos defensores de um
alívio. No final, tendo prometido que se demitiria se perdesse o referendo de 5
de Julho, acabou por ser forçado a abdicar apesar de ter ganho.
O balanço do episódio é deplorável. Para o povo grego,
o mandato de Varoufakis significou a explosão de uma situação já terrível.
Bancos fechados, limites de pagamentos, ausência de crédito e bloqueios nas
importações, além de tumulto e vexame logo na abertura da decisiva época
turística. O governo
do Syriza tem agora a missão impossível de aplicar um acordo pior do que aquele
que recebeu mandato para rejeitar.
Na Europa, o resultado foi devastador, com ruptura da confiança, acordos
ilusórios e falta de perspectivas credíveis de união. Uma só pessoa beneficiou
com tudo isto: Yanis Varoufakis, coqueluche mediática global que, agora sem
responsabilidades, pontifica como guru da esquerda internacional. Parabéns!
João César das Neves 29
de Julho de 2015
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