Um curioso texto de José Manuel Fernandes, saído
no “Público” de 8/11 – “O que a reforma do Estado não é, e devia ser”-
compara o “Guião” de Paulo Portas sobre a Reforma do Estado, com o “Discurso
da Coroa”, pronunciado pelo “Rei da Holanda, Guilherme Alexandre, perante
o Parlamento holandês a 17 de Setembro”, em que este defende a substituição
do “clássico Estado do bem-estar da segunda metade do século XX por uma
sociedade participativa”.
Uma vez mais, são referidas as 112 páginas do pobre
documento de Portas, “cobarde e incoerente” – ”cobarde porque revela
um imenso receio de definir uma nova aproximação às funções do Estado,
ficando-se quase sempre pela vacuidade das intenções pelo politiquês da “maior
eficiência” ou por proclamações sobre a “pós-burocracia”. E é
incoerente pois nem todas as medidas que enuncia vão num mesmo sentido: há as
que realmente procuram abrir as funções do Estado à sociedade e as que
se ficam pelas promessas de boa administração da coisa pública”
É
um longo texto, o do jornalista José Manuel Fernandes, com interesse, pela
novidade sobre uma nova visão das funções do Estado – “O
Estado-providência do passado tornou-se na baby-sitter das classes médias, e
isso não é sustentável num mundo globalizado e competitivo”. Todavia,
reconhece que, embora sem “fio-condutor” o “Guião” de Portas arrisca “algumas
reformas na Educação – mais autonomia, mais poder das autarquias, escolas
independentes, ensaio de cheque-ensino – mas não sai dos parâmetros habituais
quando fala de Saúde”. Por isso merecia ser debatido, o que não
aconteceu, e que José Manuel Fernandes condena também, falando na “pobreza
do debate público”.
Julgo
que tal pobreza de debate resulta do reconhecimento de que há novidades no “Guião”
de Portas, direi mesmo arrojo, ao contrário do que informa o jornalista, e
ninguém se quer comprometer discutindo algo para que não estamos preparados, os
partidos refugiando-se de preferência na condenação por meio do silêncio
desprezador, ou no ataque “psitacístico” habitual, ignorando altivamente a
novidade.
E
nem de propósito, encontrei no blog “A Bem da Nação” o seguinte texto sobre a
economia holandesa, que pode fazer periclitar a sua tese liberalizadora:
«Isto está a
ficar complicado!
Que país da zona euro está
mais endividado? Os gregos esbanjadores, com as suas generosas pensões
estatais? Os cipriotas e os seus bancos repletos de dinheiro sujo russo? Os
espanhóis tocados pela recessão ou os irlandeses em falência? Pois curiosamente
são os holandeses sóbrios e responsáveis. A dívida dos consumidores nos Países
Baixos atingiu 250% do rendimento disponível e é uma das mais altas do mundo.
Em comparação, a Espanha nunca superou os 125%.
A Holanda é um dos países
mais endividados do mundo. Está mergulhada na recessão e demonstra poucos
sinais de estar a sair dela. A crise do euro arrasta-se há três anos e até
agora só tinha infectado os países periféricos da moeda única. A Holanda, no
entanto, é um membro central tanto da UE quanto do euro. Se não puder
sobreviver na zona euro, estará tudo acabado.
O país sempre foi um dos
mais prósperos e estáveis de Europa, além de um dos maiores defensores da UE.
Foi membro fundador da união e um dos partidários mais entusiastas do
lançamento da moeda única. Com uma economia rica, orientada para as exportações
e um grande número de multinacionais de sucesso, supunha-se que tinha tudo a
ganhar com a criação da economia única que nasceria com a introdução
satisfatória do euro. Em vez disso, começou a interpretar um guião tristemente
conhecido. Está a estourar do mesmo modo que a Irlanda, a Grécia e Portugal,
salvo que o rastilho é um pouco mais longo.
Bolha
imobiliária
Os juros baixos, que antes
do mais respondem aos interesses da economia alemã, e a existência de muito
capital barato criaram uma bolha imobiliária e a explosão da dívida. Desde o
lançamento da moeda única até o pico do mercado, o preço da habitação na
Holanda duplicou, convertendo-se num dos mercados mais sobreaquecidos do mundo.
Agora explodiu estrondosamente. Os preços da habitação caem com a mesma
velocidade que os da Florida quando murchou o auge imobiliário americano.
Actualmente, os preços estão
16,6% mais baixos do que estavam no ponto mais alto da bolha de 2008, e a
associação nacional de agentes imobiliários prevê outra queda de 7% este ano. A
não ser que tenha comprado a sua casa no século passado, agora valerá menos do
que pagou e inclusive menos ainda do que pediu emprestado por ela.
Por tudo isso, os holandeses
afundam-se num mar de dívidas. A dívida dos lares está acima dos 250%, é maior
ainda que a da Irlanda, e 2,5 vezes o nível da Grécia. O governo já teve de
resgatar um banco e, com preços da moradia em queda contínua, o mais provável é
que o sigam muitos mais. Os bancos holandeses têm 650 mil milhões de euros
pendentes num sector imobiliário que perde valor a toda a velocidade. Se há um
facto demonstrado sobre os mercados financeiros é que quando os mercados
imobiliários se afundam, o sistema financeiro não se faz esperar.
Profunda
recessão
As agências de rating (que
não costumam ser as primeiras a estar a par dos últimos acontecimentos) já se
começam a dar conta. Em Fevereiro, a Fitch rebaixou a qualificação estável da
dívida holandesa, que continua com o seu triplo A, ainda que só por um fio. A
agência culpou a queda dos preços da moradia, o aumento da dívida estatal e a
estabilidade do sistema bancário (a mesma mistura tóxica de outros países da
Euro Zona afectados pela crise).
A economia afundou-se na
recessão. O desemprego aumenta e atinge máximos de há duas décadas. O total de
desempregados duplicou em apenas dois anos, e em Março a taxa de desemprego
passou de 7,7% para 8,1% (uma taxa de aumento ainda mais rápida que a do
Chipre). O FMI prevê que a economia vai encolher 0,5% em 2013, mas os
prognósticos têm o mau costume de ser optimistas. O governo não cumpre os seus
défices orçamentais, apesar de ter imposto medidas severas de austeridade em
Outubro. Como outros países da Euro Zona, a Holanda parece encerrada num
círculo vicioso de desemprego em aumento e rendimentos fiscais em queda, o que
conduz a ainda mais austeridade e a mais cortes e perda de emprego. Quando um
país entra nesse comboio, custa muito a sair dele (sobretudo dentro das
fronteiras do euro).
Até agora, a Holanda tinha
sido o grande aliado da Alemanha na imposição da austeridade por todo o
continente, como resposta aos problemas da moeda. Agora que a recessão se
agrava, o apoio holandês a uma receita sem fim de cortes e recessão (e
inclusive ao euro) começará a esfumar-se.
Os colapsos da zona euro
ocorreram sempre na periferia da divisa. Eram países marginais e os seus
problemas eram apresentados como acidentes, não como prova das falhas
sistémicas da forma como a moeda foi estruturada. Os gregos gastavam demasiado.
Os irlandeses deixaram que o seu mercado imobiliário se descontrolasse. Os
italianos sempre tiveram demasiada dívida. Para os holandeses não há nenhuma
desculpa: eles obedeceram a todas as regras.
Desde o início ficou claro
que a crise do euro chegaria à sua fase terminal quando atingisse o centro.
Muitos analistas supunham que seria a França e, ainda que França não esteja
exactamente isenta de problemas (o desemprego cresce e o governo faz o que
pode, retirando competitividade à economia), não deixa de continuar a ser um
país rico. As suas dívidas serão altas mas não estão fora de controlo nem
começaram a ameaçar a estabilidade do sistema bancário. A Holanda está a chegar
a esse ponto.
Talvez se tenha de esperar
um ano mais, talvez dois, mas a queda ganha ritmo e o sistema financeiro perde
estabilidade a cada dia. A Holanda será o primeiro país central a estourar e
isso significará demasiada crise para o euro.»
Matthew
Lynn
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