terça-feira, 19 de novembro de 2013

Incoerências críticas


Um curioso texto de José Manuel Fernandes, saído no “Público” de 8/11 – “O que a reforma do Estado não é, e devia ser”- compara o “Guião” de Paulo Portas sobre a Reforma do Estado, com o “Discurso da Coroa”, pronunciado pelo “Rei da Holanda, Guilherme Alexandre, perante o Parlamento holandês a 17 de Setembro”, em que este defende a substituição do “clássico Estado do bem-estar da segunda metade do século XX por uma sociedade participativa”.
Uma vez mais, são referidas as 112 páginas do pobre documento de Portas, “cobarde e incoerente” – ”cobarde porque revela um imenso receio de definir uma nova aproximação às funções do Estado, ficando-se quase sempre pela vacuidade das intenções pelo politiquês da “maior eficiência” ou por proclamações sobre a “pós-burocracia”. E é incoerente pois nem todas as medidas que enuncia vão num mesmo sentido: há as que realmente procuram abrir as funções do Estado à sociedade e as que se ficam pelas promessas de boa administração da coisa pública”

É um longo texto, o do jornalista José Manuel Fernandes, com interesse, pela novidade sobre uma nova visão das funções do Estado – “O Estado-providência do passado tornou-se na baby-sitter das classes médias, e isso não é sustentável num mundo globalizado e competitivo”. Todavia, reconhece que, embora sem “fio-condutor” o “Guião” de Portas arrisca “algumas reformas na Educação – mais autonomia, mais poder das autarquias, escolas independentes, ensaio de cheque-ensino – mas não sai dos parâmetros habituais quando fala de Saúde”. Por isso merecia ser debatido, o que não aconteceu, e que José Manuel Fernandes condena também, falando na “pobreza do debate público”.

Julgo que tal pobreza de debate resulta do reconhecimento de que há novidades no “Guião” de Portas, direi mesmo arrojo, ao contrário do que informa o jornalista, e ninguém se quer comprometer discutindo algo para que não estamos preparados, os partidos refugiando-se de preferência na condenação por meio do silêncio desprezador, ou no ataque “psitacístico” habitual, ignorando altivamente a novidade.

 Quanto a mim, pediria mais bom-senso na questão da autonomia das Escolas e ficaria reconhecida se, em vez de só discutirem os problemas orçamentais, alargassem o debate à questão da autonomia das Escolas, como em tempos a do Acordo Ortográfico, que não atraiu os parceiros da Assembleia.

 Julgo que José Manuel Fernandes, ao falar do rei da Holanda e do seu “Discurso da Coroa” aberto à participação da sociedade, não pensa nos efeitos de anarquia que poderão surgir, para mais numa sociedade impreparada como a nossa, que não respeita valores, a não ser os que lhe aconchegam o estômago.
 
E nem de propósito, encontrei no blog “A Bem da Nação” o seguinte texto sobre a economia holandesa, que pode fazer periclitar a sua tese liberalizadora:

 «A HOLANDA PODE PROVOCAR O COLAPSO DO EURO»

«Isto está a ficar complicado!

Que país da zona euro está mais endividado? Os gregos esbanjadores, com as suas generosas pensões estatais? Os cipriotas e os seus bancos repletos de dinheiro sujo russo? Os espanhóis tocados pela recessão ou os irlandeses em falência? Pois curiosamente são os holandeses sóbrios e responsáveis. A dívida dos consumidores nos Países Baixos atingiu 250% do rendimento disponível e é uma das mais altas do mundo. Em comparação, a Espanha nunca superou os 125%.

A Holanda é um dos países mais endividados do mundo. Está mergulhada na recessão e demonstra poucos sinais de estar a sair dela. A crise do euro arrasta-se há três anos e até agora só tinha infectado os países periféricos da moeda única. A Holanda, no entanto, é um membro central tanto da UE quanto do euro. Se não puder sobreviver na zona euro, estará tudo acabado.

O país sempre foi um dos mais prósperos e estáveis de Europa, além de um dos maiores defensores da UE. Foi membro fundador da união e um dos partidários mais entusiastas do lançamento da moeda única. Com uma economia rica, orientada para as exportações e um grande número de multinacionais de sucesso, supunha-se que tinha tudo a ganhar com a criação da economia única que nasceria com a introdução satisfatória do euro. Em vez disso, começou a interpretar um guião tristemente conhecido. Está a estourar do mesmo modo que a Irlanda, a Grécia e Portugal, salvo que o rastilho é um pouco mais longo.

Bolha imobiliária

Os juros baixos, que antes do mais respondem aos interesses da economia alemã, e a existência de muito capital barato criaram uma bolha imobiliária e a explosão da dívida. Desde o lançamento da moeda única até o pico do mercado, o preço da habitação na Holanda duplicou, convertendo-se num dos mercados mais sobreaquecidos do mundo. Agora explodiu estrondosamente. Os preços da habitação caem com a mesma velocidade que os da Florida quando murchou o auge imobiliário americano.

Actualmente, os preços estão 16,6% mais baixos do que estavam no ponto mais alto da bolha de 2008, e a associação nacional de agentes imobiliários prevê outra queda de 7% este ano. A não ser que tenha comprado a sua casa no século passado, agora valerá menos do que pagou e inclusive menos ainda do que pediu emprestado por ela.

Por tudo isso, os holandeses afundam-se num mar de dívidas. A dívida dos lares está acima dos 250%, é maior ainda que a da Irlanda, e 2,5 vezes o nível da Grécia. O governo já teve de resgatar um banco e, com preços da moradia em queda contínua, o mais provável é que o sigam muitos mais. Os bancos holandeses têm 650 mil milhões de euros pendentes num sector imobiliário que perde valor a toda a velocidade. Se há um facto demonstrado sobre os mercados financeiros é que quando os mercados imobiliários se afundam, o sistema financeiro não se faz esperar.

Profunda recessão

As agências de rating (que não costumam ser as primeiras a estar a par dos últimos acontecimentos) já se começam a dar conta. Em Fevereiro, a Fitch rebaixou a qualificação estável da dívida holandesa, que continua com o seu triplo A, ainda que só por um fio. A agência culpou a queda dos preços da moradia, o aumento da dívida estatal e a estabilidade do sistema bancário (a mesma mistura tóxica de outros países da Euro Zona afectados pela crise).

A economia afundou-se na recessão. O desemprego aumenta e atinge máximos de há duas décadas. O total de desempregados duplicou em apenas dois anos, e em Março a taxa de desemprego passou de 7,7% para 8,1% (uma taxa de aumento ainda mais rápida que a do Chipre). O FMI prevê que a economia vai encolher 0,5% em 2013, mas os prognósticos têm o mau costume de ser optimistas. O governo não cumpre os seus défices orçamentais, apesar de ter imposto medidas severas de austeridade em Outubro. Como outros países da Euro Zona, a Holanda parece encerrada num círculo vicioso de desemprego em aumento e rendimentos fiscais em queda, o que conduz a ainda mais austeridade e a mais cortes e perda de emprego. Quando um país entra nesse comboio, custa muito a sair dele (sobretudo dentro das fronteiras do euro).

Até agora, a Holanda tinha sido o grande aliado da Alemanha na imposição da austeridade por todo o continente, como resposta aos problemas da moeda. Agora que a recessão se agrava, o apoio holandês a uma receita sem fim de cortes e recessão (e inclusive ao euro) começará a esfumar-se.

Os colapsos da zona euro ocorreram sempre na periferia da divisa. Eram países marginais e os seus problemas eram apresentados como acidentes, não como prova das falhas sistémicas da forma como a moeda foi estruturada. Os gregos gastavam demasiado. Os irlandeses deixaram que o seu mercado imobiliário se descontrolasse. Os italianos sempre tiveram demasiada dívida. Para os holandeses não há nenhuma desculpa: eles obedeceram a todas as regras.

Desde o início ficou claro que a crise do euro chegaria à sua fase terminal quando atingisse o centro. Muitos analistas supunham que seria a França e, ainda que França não esteja exactamente isenta de problemas (o desemprego cresce e o governo faz o que pode, retirando competitividade à economia), não deixa de continuar a ser um país rico. As suas dívidas serão altas mas não estão fora de controlo nem começaram a ameaçar a estabilidade do sistema bancário. A Holanda está a chegar a esse ponto.

Talvez se tenha de esperar um ano mais, talvez dois, mas a queda ganha ritmo e o sistema financeiro perde estabilidade a cada dia. A Holanda será o primeiro país central a estourar e isso significará demasiada crise para o euro.»

 Matthew Lynn

 

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