Um belo texto de José Tolentino Mendonça, do blog “A Bem da Nação”, que comento:
A tradição ocidental não deixa margens para
dúvidas na ligação que faz entre sabedoria e pessimismo.
Bastaria um daqueles inesquecíveis retratos de
Rembrandt para nos dizer tudo: sábio é aquele que se senta na penumbra, olhando
com ponderada distância para as ilusões de transparência que a luz e a
existência acendem. O que não é propriamente algo que tenha mudado. Veja-se
como mais facilmente o taciturno passa por sábio do que o homem alegre. E um
espírito torturado e reticente arranca maior alcance e aplauso do que todos os
que se esforçam por manter activa a esperança.
Há, de facto, um erro de avaliação que leva a
considerar a jovialidade do optimista como característica espontânea de
carácter, que nada deve à decisão, à maturação da vontade ou à tenacidade.
Aliás, o mais comum é arrumar o optimismo na ingénua estação dos verdes anos
(mesmo se ele persiste fora de época) e reservar o fruto comprovado da argúcia
apenas para o seu oposto.
Juventude ociosa
Por tudo iludidaPor delicadeza
Perdi minha vida – é aviso de Rimbaud, garantem-nos.
No pessimismo, pelo contrário, nada se perde,
pois somos levados a adivinhar aí um coerente processo de consciência, uma
abrangência de análise sobre todas as variantes, um metabolismo sagaz da
pequena e da grande história.
Contudo, o que realmente experimentamos é o
avesso desta experiência, já que o pessimismo é, em muitas circunstâncias, a
resposta mais fácil às solicitações do tempo. Os que só vislumbram doses
colossais de ciência e de humanidade no pessimismo, esquecem quanto ele pode
ser conformista, parcial ou insensível.
Certamente que o pessimismo desempenha uma função
purgatória face às derivas, mas um mundo gerido por pessimistas talvez não nos
levasse sequer a levantar âncora do porto.
Importa sublinhar que optimismo não é fatalmente
leviano ou infundado (e não deveria sê-lo nunca).
Os optimistas autênticos não são os que
desconhecem as razões que levam outros ao seu inverso, mas aqueles que
dominando objectivamente o quadro do real mesmo assim o integram num projecto
maior e paciente, onde os obstáculos podem constituir oportunidades.»
É, realmente, mais fácil
ser-se pessimista, pelo menos no sentido em que nós por aqui somos, no bota-abaixo
com que diariamente nos confrontamos, de uma maioria palavrosa, quer no
parlamento, nos media ou na rua, sem dar margem à confiança numa acção
governativa que ao que parece, depois de atravessar – e fazer atravessar – o purgatório
– (para ficarmos no meio termo das sondagens sociais, o inferno de alguns
muitos contrabalançado pelo paraíso dos muitos mais, segundo nos prova a circulação
automóvel e nos supermercados, e outros esbanjamentos comprovativos) – depois de
atravessar, pois, o purgatório das tentativas de reconstrução do nosso mundo em
frangalhos, vai obtendo, ao que afirmam estudos feitos sobre a evolução
económica, alguns resultados positivos, embora em pequena escala, mas logo
contestados – ou ignorados - pelo nosso pessimismo destrutivo, que nos enaltece
intelectualmente, no pressuposto de que faríamos melhor.
É verdade que o mal que vai
neste mundo, a que diariamente assistimos, a maioria das vezes de longe, mereceria
a nossa rebelião contra a injustiça dele e a nossa visão pessimista sobre um
mundo mal feito por um Deus castigador. Mas essas análises são pertença dos
filósofos.
É que, por outro lado, é
tanta a beleza da Criação, que temos que estar gratos por isso, nos filhos que
geramos, na natureza tão extraordinariamente multifacetada, na obra que o homem
vai criando com a sua inteligência, na beleza do progresso que vai construindo, na sua tentativa de debelar o mal com a ciência que
desenvolve – quando, é certo, não gera
um mal maior que o poderá destruir. Tanta coisa mais ainda nos poderia ajudar
a confiar numa bondade superior, que pode permitir o optimismo, ou, no caso de
sermos castigados pela vida, uma resignação de crença de que o Bem existe
também.
Lembremos,
entretanto, o samba brasileiro, para disfarçar:
O que se leva desta vida é o que se come, o que se bebe, o que se brinca, ai ai»
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