Um bravo para o texto bem humorado de Inês Teotónio Pereira,
saído no blog “A Bem da Nação”, “Os meus filhos são socialistas?”,
excelente e subtil paralelo entre a juventude dos tempos de agora e os que
defendem os princípios de uma certa política de reivindicação, acéfala,
destituída de autocrítica, desresponsabilizada de deveres, reivindicadora desbragada
de direitos:
«Não sei se são só os meus filhos que são socialistas ou se são
todas as crianças que sofrem do mesmo mal. Mas tenho a certeza do que falo em
relação aos meus. E nada disto é deformação educacional, eles têm sido
insistentemente educados no sentido inverso. Mas a natureza das criaturas
resiste à benéfica influência paternal como a aldeia do Astérix resistiu
culturalmente aos romanos. Os garotos são estóicos e defendem com resistência a
bandeira marxista sem fazerem ideia de quem é o senhor.
O segundo sintoma tem
que ver com a origem desses direitos. Como aparecem esses direitos. Não sabem.
Sabem que basta abrirem a torneira que a água vem quente, que dentro do
frigorífico está invariavelmente leite fresquinho, que os livros da escola
aparecem forradinhos todos os anos, que o carro tem sempre gasolina e que o
dinheiro nasce na parede onde estão as máquinas de Multibanco. A única
diferença entre eles e os socialistas com cartão de militante é que, justiça
seja feita, estes últimos já não acreditam na parede, são os bancos que
imprimem dinheiro e pronto, ele nunca falta.
Por fim, o último mas não menos aterrorizador sintoma muito socialista dos meus filhos é a inveja: eles não podem ver nada que já querem. Acham que têm de ter tudo o que o do lado tem quer mereçam quer não. São autênticos novos-ricos sem cheta. Acham que todos temos de ter o mesmo e se não dá para repartir ninguém tem. Ou comem todos ou não come nenhum. Senão vão à luta. Eu não posso dar mais dinheiro a um do que a outro ou tenho o mesmo destino que Nicolau II. Mesmo que um ajude mais que outro e tenha melhores notas, a "cultura democrática" em minha casa não permite essa diferenciação. Os meus filhos chamam a esta inveja disfarçada, justiça, os socialistas deram-lhe o nome de justiça social.
Os filhos, num momento de inesperada
reviravolta, também eu os utilizei, juntamente com o meu espaço caseiro, quando
em 74 escrevia, na ânsia ingénua de reverter uma situação, que, naturalmente, prosseguiu,
cada vez mais infrene. Reponho o artigo, do livro “Pedras de Sal”, saído
em segunda edição no livro “Cravos Roxos”, de 1981, como um abraço de
homenagem a uma jovem corajosa e inteligente, - Inês Teotónio Pereira - segundo
parece definir o seu artigo, de crítica abrangente, que não se deixou seduzir
pela vaga progressista da “intelligentzia” nacional:
«Reformas caseiras”
Cá em casa vai uma
onda de euforia, por causa das reformas no Governo. Para mostrarmos a nossa adesão,
além do telegrama da praxe e da colaboração altruística na obra de reabilitação
social, pusemo-nos todos a fazer reformas domésticas.
O Salvador foi mesmo
dos primeiros a aderir. Desatou num estendal de limpezas na despensa e na
cozinha que ia virando tudo do avesso. Agora, no lugar dos nabos, encontro os
esfregões das panelas e em vez das latas das ervilhas, os panos da louça e o
livro da mercearia, onde assento os géneros de importação diária para pagamento
mensal.
Quanto à Marta,
exagera ainda mais na deslocação dos “bibelots”, quando me limpa o pó.
Igualmente as crianças
se compenetraram do seu papel de obreiros futuros de uma nação tão plena de
obras e de boas vontades. Formaram um sindicato, encarregado de focar os seus
pontos de vista e pôr os mesmos nos ii. Também dá direito a greve, mas isso já
faziam dantes, mesmo sem sindicato. Só que agora somos todos camaradas.
Um pouco desorganizada
ainda, vou assistindo a toda esta movimentação, de um modo expectante e direi
mesmo apreensivo, pois se alteraram de tal forma as minhas estruturas domésticas.
Os ventos que sopram
do governo central, em rajada varredora de todas as teias, levam-me a esperar
uma reestruturação com base numa democratização igualitária, cheia de
humanidade.
E noto com alegria a
comparticipação nesses ventos das classes mais abastadas, desejosas,
certamente, de se desfazerem das coisas supérfluas que têm lá por casa.
E eu assim me desfaço,
embora não pertença às mais abastadas. Mas adiro, apertando mãos.»
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