terça-feira, 12 de novembro de 2013

O senso e o gosto



Comparo os textos da última página do “Público” – de sábado, 2/3 e de 3ª feira, 5/11 – o primeiro, de Vasco Pulido Valente – “Sem Sentido” – o segundo, de João Miguel Tavares – “Comichão na democracia”:

O primeiro, violento, certeiro nas afirmações raivosas, sobre o “Guião para a Reforma do Estado”, apresentado por Portas, numa prosa “oca e burocrática”, “série de lugares comuns, por que ninguém no seu juízo jamais se interessará”, o desprezo e a violência sobre os do Governo continuando, em afirmações de extrema gravidade, que desenterram malquerenças, em ataques precisos a movimentações ambiciosas dos novos no poder, gente sem preparação, que tomou, ao que parece, de assalto e conivência corrupta com os apaniguados, um país a desfazer-se – “Passos Coelho que “veio para presidir a uma espécie de federação de municípios, só ligado por interesses pouco confessáveis, na melhor hipótese, e, na pior, pelo medo da polícia”, que “governou sob a protecção da troika, que lhe ofereceu um “ersatz” de programa económico e financeiro e desculpa ideal para uma política errada e perniciosa”…

O artigo de João Miguel Tavares, criticando também o guião de reforma apresentado por Portas, segundo a evidência espantada de todos os que a isso assistiram através da televisão – “aquelas ridículas 116 páginas em corpo 16 e espaçamento a duas linhas?” centra-se na indiferença ou desprezo da oposição sobre a discussão do dito documento. Não poupando os que governam, é o ponto de vista da oposição que apresenta -  pois ele que as vá debater com quem lhe apetecer” - é sobre esta que mais projecta a sua crítica: “Agora, com os partidos políticos com aqueles que alegadamente foram eleitos para o confronto de ideias no Parlamento, com esses, nem pensar. Eles não querem. Recusam. Não deixam. Para o PS, para o Bloco, para a CDU, discutir aquele documento seria indigno, repugnante, repulsivo, viroso…. ” A oposição “sempre tão lesta a  defender os interesses do povo, a denunciar os ataques da direita uber-liberal… subitamente parece não ter qualquer problema em pronunciar as palavras “não discuto” numa democracia parlamentar. Como é que isso pode ser tido por normal?”
E o articulista prossegue , mostrando a necessidade de discutir o programa do guião – que “propõe , entre muitas outras coisas, inscrever limites para a despesa na Constituição, despedir funcionários públicos, (ou melhor, “flexibilizar o vínculo laboral”), atribuir a concessão de escolas a professores, fundir municípios, alterar a arquitectura do sistema judicial, reformar o IRS ou estabelecer um tecto nos descontos da Segurança Social e admitir a entrada de privados “- e condenando os partidos que, reduzindo o guião a “lixo” se fecham nesse desprezo impertinente e, no fundo, tacanho, de quem não tem argumentos para rebater as propostas, com outras propostas. E conclui: “Não admira que com esta oposição, tanto desgraçado como eu acabe a votar nos mesmos incompetentes. Eles são bastante maus, não há dúvida. Mas ao menos comprometem-se. Os outros limitam-se a balançar entre a birra, a histeria e o amuo.”

Dois artigos que, centrados num Guião e no Governo que o propõe, enveredaram por vias de diferente crítica – destrutiva e malévola a do primeiro, unilateral na denúncia dos desmandos e da impreparação dos actuais representantes do poder, fazendo tábua rasa dos atropelos dos anteriores, e das suas responsabilidades no clima de austeridade presente, pelas políticas de esbanjamento passadas  -  o segundo, mais equilibrado e honesto nas afirmações responsabilizantes de uns e outros, denunciando o panorama de penúria intelectual e moral daqueles que o povo aparentemente escolheu para os representar no Parlamento.

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