sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O ser e o parecer


No Público de 10/11 lemos, na página20, que “Soares repete congresso anti-austeridade”:
O final da notícia diz-nos que “O primeiro congresso das esquerdas juntou várias personalidades, como Mário Soares, Manuel Alegre, Sampaio da Nóvoa e até José Pacheco Pereira”.

Este segundo congresso das esquerdas “surge numa altura em que Tribunal de Contas está sob pressão, incluindo de vários dirigentes internacionais, por causa do Orçamento de Estado para 2014 e em que o desejo de mudança da Constituição tem sido assumido por várias personalidades de direita e até algumas do centro-esquerda, como o sociólogo António Barreto, o ministro da Defesa José Pedro Aguiar Branco, ou o ex-ministro das Finanças Fernando Teixeira dos Santos.”
Tudo gente grada, alguns com responsabilidades na crise, com ressalva natural da deles.

A objectiva da “nova reunião volta a ter o executivo de Passos Coelho na mira. Segundo o ex-Presidente da República, o objectivo é juntar “todos quantos estejam contra o Governo, numa ampla frente de rejeição. Além dos nomes que participaram na primeira iniciativa, são apontadas como prováveis a presença de duas figuras históricas da direita: Adriano Moreira e Freitas do Amaral.”
“Mas o actual Presidente da República não é esquecido. Cavaco Silva “não pode continuar a ser um agente de um partido político” critica Mário Soares, apelando à convocação de eleições para pôr fim “à violência social ou ao desespero das pessoas”.

Não sei se Mário Soares se inclui no desespero das pessoas que cita. Provavelmente sim, por via da sua Fundação em risco. Mas “não havia necessidade” como diria o diácono Remédios com muita unção, pois que o Governo que ele quer abater continua a financiá-la com reverência e a fazer-nos participar benemeritamente nisso, mesmo os “desperados” que ele defende tão paternalmente.
Gente grada, repito, segura de si, os convocados para o bota-abaixo. Gente de peso –na idade e na finança – que os anos pós-revolucionários não deixaram de distinguir, no seu “struggle for life” do muito amor patriota. A hora é de apear - a de ir aos ombros a ele pertenceu, mais o seu V digital - o polegar descaindo agora, em jeito saddamnesco.

Não julgo que Adriano Moreira nem Freitas do Amaral, que foram pessoas em quem confiámos, na sua ponderação e saber, cedam ao convite de um ex-opositor – de partido e de lábia oratória. Também não penso que Cavaco Silva, ex-opositor na concorrência, e hoje incriminado pelas acusações de Soares, ceda às chantagens de um actual “salvador” da pátria que outrora ajudou a derribar.

E tenho, para confirmar as minhas crenças nesta “matéria de vil canto” (com mil desculpas ao glorioso épico), do sociólogo Alberto Gonçalves, “Sonhos Revolucionários” do D.N. de três domingos antes do artigo do Público – 20 de Outubro – o artigo com data de 17, “Um modelo”, que melhor do que ninguém retrata Mário Soares, em corpo inteiro, como, em corpo inteiro embora dobrado, o país que o acata:

«Um modelo»

«Mário Soares, que diligentemente tenta bater o recorde de afirmações esdrúxulas na mesma semana, estranhou que Cavaco Silva não fosse julgado pelo caso “BPN”. Com a paciência que não dedica aos jornalistas e populares que o insultam, o Prof. Cavaco remeteu o Dr. Soares para os esclarecimentos que já prestara sobre a matéria e que, sendo verdadeiros, o colocam na posição de simples depositante da banca em questão. Segundo o Expresso, o Dr. Soares terá enviado um discreto pedido de desculpas ao chefe da Casa Civil, confessando que não dera pelos ditos esclarecimentos. Mas essa não é a questão.

A questão é a radiante facilidade com que o Presidente da República está sujeito ao tipo de ataques que ninguém ousa lançar aos ex-presidentes. Veja-se o mero exemplo da Fundação Mário Soares, que em 2014 receberá 210 mil euros do erário público, a juntar aos cerca de milhão e meio que lá recebeu entre 2008 e 2013. Não espantaria que, em tempos de crise extremada, um populista pedisse o julgamento do Dr. Soares e dos benfeitores do Dr. Soares por aquilo que qualquer cidadão menos cauteloso no verbo poderia classificar de roubo, embora um roubo legalíssimo. O espantoso é que esse populista não surgiu. O respeitinho que o Dr. Soares suscita é directamente proporcional ao desrespeito que o próprio dedica ao mundo em seu redor, desde o Chefe de Estado ao simples contribuinte. Em países normais, semelhante fenómeno deveria servir de alerta. Aqui, serve de modelo.»

É que nós por cá, embora de alma cândida como a do rapazinho que descobriu a nudez do rei, somos sempre deslumbrados com o ouropel da sua arrogância de libertador. Não há volta a dar-lhe.

Nenhum comentário: