sábado, 30 de novembro de 2013

«Voiturez-nous ici les commodités de la conversation»


Isto disse Magdelon, a filha de Gorgibus ao seu lacaio Almanzor, a pedir-lhe cadeiras para que ela e sua prima Cathos recebessem condignamente o Marquês de Mascarille mais os seus requintes de fraseologia amorosa e auto elogiosa com que este se lhes apresentara, em aparato ruidosamente exibicionista, e posteriormente o Visconde de Jodelet, alardeando proezas bélicas, ambos em breve desmascarados pelos respectivos amos, os repudiados pretendentes das donzelas - La Grange e Du Croisy – que com aqueles seus criados combinaram a farsa mistificatória, como vingança pela indiferença das donzelas – as “Preciosas Ridículas” da peça de Molière - pretensiosas jovens provincianas, de mentes retorcidas por leituras de afectação e fantasia, com que o furioso pai e tio Gorgibus termina a sua expansão colérica final contra a ridícula afectação daquelas e contra as fantasias retóricas, e despidas de senso de certas produções livrescas da época, que Cervantes fora o primeiro a referir, relativamente ao artificialismo dos livros de cavalaria que fizeram ensandecer Dom Quixote.
Vem a evocação precedente a propósito do exemplo da prova – colhida na Internet - com que o Ministério da Educação pretende avaliar das capacidades intelectuais dos professores portugueses contratados e o desempenho das suas aulas, cilindrando-os à partida com extraordinárias propostas de questionários charadísticos, de um rebuscamento mistificatório condenável, cuja opção de resposta correcta nem sempre parece estar contida no exercício de escolha múltipla que apontam. Poderei estar enganada, mas cito o exercício 10 como exemplo que me parece incorrecto:

Item 10

A sequência abaixo é constituída por letras do alfabeto português.

A A B A C C D C E E ...

 10. Mantendo o mesmo padrão de formação da sequência, qual das opções contém as quatro letras que permitem continuá-la?

 (A) F E G G (B) F E H H (C) F F G F (D) F F G H

 Tentei resolver a charada e continuei, excluindo o K, W e Y, e o ZZ, sem continuador alfabético:
EEFE / GGHG / IIJI / LLML / NNON /PPQP / RRSR / TTUT / VVXV

Ora, nenhuma dessas opções aparece na escolha múltipla, o © FFGF , parecendo corresponder melhor mas não com exactidão, visto que a progressão da sequência quadripartida das letras do alfabeto nunca retoma as mesmas e o F já estava contido na sequência EEFE. Parece-me, pois, que a resposta deveria ser GGHG.

É apenas um exemplo, mas todo o teste me parece um acervo de bestialidade, afectado e insensato, com o objectivo pouco honesto de avaliar inteligências e paciências que em nada servem para avalizar das competências, mas sim para provocar chufas e risos jornalísticos e dos consequentes leitores de jornais ou ouvintes radiofónicos e televisivos sobre a mediocridade dos professores portugueses, pois acredito que com tanta pequice de prova, de propostas rebuscadas, os resultados não serão brilhantes.

Vivemos na época dos jogos de paciência, como palavras cruzadas, sudokus, e outras diversões do espírito, que a própria internet propaga, em desabono de leituras mais profundas, e por meio deles também se pretende testar a qualidade didáctica dos professores e isso é desonesto.

Como é extremamente rebuscado o texto para o tema da dissertação final, que exige algum tempo de leitura e ponderação, para, por meio de exemplos vividos ou lidos, os incluir nas conclusões de cada um, sobre a tolerância do ponto de vista da aceitação puramente cultural, de respeito pelas diferenças civilizacionais, sem fusão ideológica, caso das burkas nas escolas francesas, ou da tolerância do ponto de vista de generosidade e compreensão pessoais, modo mais comum de condução de aulas com maior ou menor liberdade e aceitação da participação discente, mesmo que esta muitas vezes desvirtue os objectivos da matéria de ensinamento:
«Vendo a história, deparamos com exemplos de ambas as hipóteses: da tolerância como simples permissão do diferente, na condição de este permanecer na periferia cultural e porventura até geográfica, sem questionar e muito menos agredir o núcleo central das convicções e a organização sociopolítica dominantes; e da tolerância como abertura e assimilação do diferente, que arrasta adaptações mais ou menos profundas, tanto no interior do grupo ou do indivíduo que tolera, como no interior dos grupos que são tolerados.
Diogo Pires Aurélio, Um fio de nada, Ensaio sobre a tolerância, Lisboa, 1997

11. Escreva um texto em que exponha a sua opinião sobre as eventuais implicações das duas conceções de tolerância apresentadas no texto, transpondo-as para um contexto escolar.

Fundamente a sua opinião através de uma linha argumentativa clara e coerente.

Se o objectivo da prova é o de excluir professores, deve obter pleno êxito, neste tipo de ratoeira infame. Os professores contratados já passaram os seus múltiplos exames, certamente que das suas componentes específicas.

O que o Ministério da Educação devia fazer era dar-lhes tempo para se prepararem para as suas aulas e não afundá-los em sucessivas reuniões de vácuo, conducentes, as mais das vezes, ao vácuo do “bavardage inutile”. E impor regras de disciplina mais eficazes para que a educação cultural possa ser efectivamente realizada,

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