Isto disse Magdelon, a filha de
Gorgibus ao seu lacaio Almanzor, a pedir-lhe cadeiras para que ela e sua prima
Cathos recebessem condignamente o Marquês de Mascarille mais os seus requintes
de fraseologia amorosa e auto elogiosa com que este se lhes apresentara, em aparato
ruidosamente exibicionista, e posteriormente o Visconde de Jodelet, alardeando
proezas bélicas, ambos em breve desmascarados pelos respectivos amos, os
repudiados pretendentes das donzelas - La Grange e Du Croisy – que com aqueles seus
criados combinaram a farsa mistificatória, como vingança pela indiferença das
donzelas – as “Preciosas Ridículas” da peça de Molière - pretensiosas
jovens provincianas, de mentes retorcidas por leituras de afectação e fantasia,
com que o furioso pai e tio Gorgibus termina a sua expansão colérica final
contra a ridícula afectação daquelas e contra as fantasias retóricas, e
despidas de senso de certas produções livrescas da época, que Cervantes fora o
primeiro a referir, relativamente ao artificialismo dos livros de cavalaria que
fizeram ensandecer Dom Quixote.
Vem a evocação precedente a propósito
do exemplo da prova – colhida na Internet - com que o Ministério da Educação
pretende avaliar das capacidades intelectuais dos professores portugueses contratados
e o desempenho das suas aulas, cilindrando-os à partida com extraordinárias
propostas de questionários charadísticos, de um rebuscamento mistificatório condenável,
cuja opção de resposta correcta nem sempre parece estar contida no exercício de
escolha múltipla que apontam. Poderei estar enganada, mas cito o exercício 10
como exemplo que me parece incorrecto:
Item 10
A sequência abaixo é constituída por letras do alfabeto português.
A A B A C C D C E E ...
Ora, nenhuma dessas opções aparece na
escolha múltipla, o © FFGF , parecendo corresponder melhor mas não com
exactidão, visto que a progressão da sequência quadripartida das letras do
alfabeto nunca retoma as mesmas e o F já estava contido na sequência EEFE.
Parece-me, pois, que a resposta deveria ser GGHG.
É apenas um exemplo, mas todo o teste
me parece um acervo de bestialidade, afectado e insensato, com o objectivo
pouco honesto de avaliar inteligências e paciências que em nada servem para
avalizar das competências, mas sim para provocar chufas e risos jornalísticos e
dos consequentes leitores de jornais ou ouvintes radiofónicos e televisivos
sobre a mediocridade dos professores portugueses, pois acredito que com tanta
pequice de prova, de propostas rebuscadas, os resultados não serão brilhantes.
Vivemos na época dos jogos de
paciência, como palavras cruzadas, sudokus, e outras diversões do espírito, que
a própria internet propaga, em desabono de leituras mais profundas, e por meio
deles também se pretende testar a qualidade didáctica dos professores e isso é
desonesto.
Como é extremamente rebuscado o texto para o tema da
dissertação final, que exige algum tempo de leitura e ponderação, para, por meio
de exemplos vividos ou lidos, os incluir nas conclusões de cada um, sobre a
tolerância do ponto de vista da aceitação puramente cultural, de respeito pelas
diferenças civilizacionais, sem fusão ideológica, caso das burkas nas escolas
francesas, ou da tolerância do ponto de vista de generosidade e compreensão
pessoais, modo mais comum de condução de aulas com maior ou menor liberdade e
aceitação da participação discente, mesmo que esta muitas vezes desvirtue os
objectivos da matéria de ensinamento:
«Vendo a história, deparamos com exemplos de
ambas as hipóteses: da tolerância como simples permissão do diferente, na
condição de este permanecer na periferia cultural e porventura até geográfica,
sem questionar e muito menos agredir o núcleo central das convicções e a
organização sociopolítica dominantes; e da tolerância como abertura e
assimilação do diferente, que arrasta adaptações mais ou menos profundas, tanto
no interior do grupo ou do indivíduo que tolera, como no interior dos grupos que
são tolerados.
Diogo Pires Aurélio, Um fio de nada, Ensaio sobre
a tolerância, Lisboa, 1997
11. Escreva
um texto em que exponha a sua opinião sobre as eventuais implicações das duas conceções
de tolerância apresentadas no texto, transpondo-as para um contexto escolar.
Fundamente a sua opinião através de uma linha
argumentativa clara e coerente.
Se o objectivo da prova é o de excluir
professores, deve obter pleno êxito, neste tipo de ratoeira infame. Os
professores contratados já passaram os seus múltiplos exames, certamente que
das suas componentes específicas.
O que o Ministério da Educação devia fazer era
dar-lhes tempo para se prepararem para as suas aulas e não afundá-los em sucessivas
reuniões de vácuo, conducentes, as mais das vezes, ao vácuo do “bavardage
inutile”. E impor regras de disciplina mais eficazes para que a educação cultural possa ser efectivamente realizada,
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