quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Ricardo, quo vadis? Quo imus?

 O meu filho mais velho é bastante malandro. Pertence à geração que sofreu o embate da descolonização portuguesa, indecisa entre o discurso da demagogia que lhe era imposta para melhor se singrar na vida, e o discurso dos velhos do Restelo que em casa sempre foi o adoptado, dentro dos parâmetros da lealdade pátria, que pai e padrasto defenderam nas terras amadas de África e que ele próprio jurou por cá, quando cumpriu  o seu serviço militar. Como acontece com toda a gente, a experiência fê-lo adoptar atitudes de descrença, nele traduzidas num humor de exagero, ora sério ora acriançado, que muitas vezes se manifesta no anedotário que recebe pela internet e me envia, para fazer desmanchar os meus próprios humores bravios ou as minhas crenças ainda em critérios de honestidade, aparentemente desaparecidos, sob o escândalo de uma austeridade aparentemente sem solução.
E aqui está um texto da nossa laracha, que me apresso a reproduzir, pela criatividade que revela.
«Antigo mas... não si se já conhecias mas é interessante...»


DiSCURSO ANTES DA POSSE

« O nosso partido cumpre o que promete.
  Só os tolos podem crer que
  não lutaremos contra a corrupção.
  Porque, se há algo certo para nós, é que
  a honestidade e a transparência são fundamentais.
  para alcançar os nossos ideais
  Mostraremos que é uma grande estupidez crer que
  as máfias continuarão no governo, como sempre.
  Asseguramos sem dúvida que
  a justiça social não será o alvo da nossa acção.
  Apesar disso, há idiotas que imaginam que
  se possa governar com as manchas da velha política.
  Quando assumirmos o poder, faremos tudo para que
  se termine com a corrupção e as negociatas.
  Não permitiremos de modo nenhum que
  os reformados morram de fome.
  Cumpriremos os nossos propósitos mesmo que
  os recursos económicos do país se esgotem.
  Exerceremos o poder até que
  Compreendam que
  Somos a nova política.»

  DEPOIS DA POSSE: Basta ler o mesmo discurso, de baixo para cima, linha a linha

Mostrei  à minha filha Paula o texto e ela lembrou um poema de Camões que eu própria já ensinara em tempos, jogo de construção com sentidos opostos, conforme se lesse na vertical– de crítica satírica à dama – ou cada verso das duas primeiras oitavas completado nos correspondentes das duas oitavas seguintes para lhe elogiar as virtudes segundo o modelo de perfeição clássica – de beleza, bondade. pureza e elegância morais:

Sois üa dama (1)
das feias do mundo;(2)
de toda a má fama (3)
sois cabo profundo.(4)
A vossa figura (5)
não é para ver;
(6)
em vosso poder
(7)
não há fermosura.
(8)

[Vós] fostes dotada
(9)
de toda a maldade;
(10)
perfeita beldade
(11)
de vós é tirada.
(12)
Sois muito acabada
(13)
de tacha e de glosa:
(14)
pois, quanto a fermosa
,(15)
em vós não há nada.
(16)

De grão merecer
(1’)
sois bem apartada
;(2’)
andais alongada
(3’)
do bem parecer.
(4’)
Bem claro mostrais
(5’)
em vós fealdade;
(6’)
não há i maldade
(7’)
que não precedais
.(8’)

De fresco carão
(9’)
vos vejo ausente;  (10’)
em vós é presente (11’)
a má condição. (12’)
De ter perfeição  
(13’)
 
mui alheia estais
(14’)
mui muito alcançais
(15’)
de pouca razão.(16’)

 E assim vamos preenchendo a vida, com graças do passado, com graças do presente, a disfarçar …


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