Entre os três artigos que neste
domingo pertencem à crónica “Dias Contados”, de Alberto Gonçalves
(D.N., 18/1/15), sendo o primeiro artigo ainda em torno dos Charlies
e dos seus direitos, destaco os dois últimos – “O Mistério da Educação”
(13/1), sobre problemas da Educação, “Lindo Serviço” (14/1) a
respeito da mudança da administração da RTP e do comentário seguinte, que ele acha
humorístico, de Maria Rueff, a quem ele nunca concedeu, contudo, o atributo de
humorista: “Conheço o Nuno Artur Silva há vinte anos. No fundo, o que eu
quero mesmo é que ele devolva à RTP a capacidade de ser Charlie.”
Julgo que a frase de Maria Rueff quer
apenas referir-se, na questão Charlie, a si mesma, a Ana Bola e outros actores
que com elas contracenaram, em grotescas figuras de imitação e troça, que,
provocando o riso imediato pelo reconhecimento da figura real que os seus
bonecos distinguiam em ataque directo, de desmesura burlesca, visando sobretudo
os governantes, não passavam de pura farsa, em caricaturas reconhecidas, chamariz
do riso alvar, bem distante da ironia mais subtil que nos dá a comédia – não nossa,
infelizmente - expressiva das sinuosidades dos caracteres humanos, e alcançando
uma maior dimensão crítica ou satírica, se não mesmo dramática, até por
inadaptação à realidade – caso do “Misantropo” de Molière, cuja
seriedade e intransigência contrastam com o mundo de futilidade e cinismo – o
mundo da sua amada Célimène, onde aquele – Alceste – naturalmente sairá
perdendo.
Mas vejamos o engraçado artigo de
Alberto Gonçalves:
«Lindo serviço» (14/1)
«Não
tinha Maria Rueff por humorista até ler, há dias no DN, o comentário da senhora
ao novo administrador da RTP para os conteúdos: : “Conheço o Nuno Artur
Silva há vinte anos. No fundo, o que eu quero mesmo é que ele devolva à RTP a
capacidade de ser Charlie”.
Além
de engraçadíssima, a frase abre um mundo de possibilidades para a futura
programação do canal público. “Ser Charlie” significa que se vai transformar
o “Prós e Contras” num espaço de achincalhamento de Maomé? Ou que o Telejornal
reservará meia hora para o inventário dos atentados em nome do islão? Ou que,
numa emissão especial da Praça da Alegria, os estúdios da estação
acabarão destruídos à bomba? Ou que a próxima administração admite
morrer pela liberdade?
Pensando
bem, qualquer das hipóteses é pouco provável. O mais certo é que, a fim de “ser
Charlie”, a RTP seja apenas aquilo que sempre foi: uma estratégia para
retirar dinheiro de todos de modo a patrocinar meia dúzia. Dito de outra
maneira, quem paga não escolhe e com aquele tipo de coragem que não se
distingue do descaramento, quem recebe não se importa. Não é o lendário
serviço público, mas é um lindo serviço.»
Quanto
ao «O Mistério da Educação», que foca as incapacidades de realização escolar em
vários domínios, de que enfermam os nossos alunos, incapacidades reconhecidas
pelo IAVE, com sugestões deste para as colmatar, o artigo de Alberto Gonçalves
é realmente um mimo de graça, no apontamento de idiotia rebuscada de quem ditou
o tal relatório, ao procurar no sinal de «igual» uma tentativa pedante de
explicitação do termo - talvez por motivos ideológicos, de efeito
milagroso sobre as cabeças dos camaradinhas juvenis, que assim se vão
habituando às reivindicações igualitárias, junto dos pais, professores e todos os
que eles se habituaram a considerar seus pares, por iguais dificuldades em
aprender educação ou, no caso dos adultos, permissivos ou inertes, de a ensinar
: «Vejamos um excerto do referido relatório: “Sugere-se que seja dedicada
especial atenção ao significado do sinal de igual (que estabelece uma relação
de igualdade dos valores apresentados em cada um dos lados do sinal),
trabalhando-se no sentido da passagem de uma visão “procedimental” (a seguir ao
sinal de igual coloca-se o resultado) para uma visão relacional.”
Há lá nada mais simples para as cabecinhas da segunda
classe! Leiamos o texto de Alberto Gonçalves:
«O Mistério da Educação» (13/1
«O Instituto de Avaliação Administrativa (IAVE) informa
que os alunos da segunda classe dominam escassamente o português (mas apenas na
escrita, na gramática e na leitura) e a Matemática (não entendem o conceito de
igualdade e mostram dificuldade em contar dinheiro). Em Física, Botânica,
Plasticina e Latim são fortíssimos, presume-se.
Isto é
grave? Vamos com calma. No que respeita ao Português, o próprio IAVE prova que
a respectiva compreensão é sobrevalorizada.
Vejamos um excerto do referido relatório: “Sugere-se que seja dedicada
especial atenção ao significado do sinal de igual (que estabelece uma relação
de igualdade dos valores apresentados em cada um dos lados do sinal),
trabalhando-se no sentido da passagem de uma visão “procedimental” (a seguir ao
sinal de igual coloca-se o resultado) para uma visão relacional.” Quem fala
assim possui, evidentemente, uma relação complicada com a língua (ou uma visão
relacional míope da mesma), pormenor que não impediu os senhores do IAVE de
emitir palpites alusivos.
Quanto
à Matemática, o facto de as nossas crianças desconhecerem a igualdade é capaz
de vir a ser-lhes útil num futuro em que, a julgar pelos indícios de
analfabetismo, não terão grande legitimidade para reivindicá-la. E no que toca
à contagem de dinheiro, o salário mínimo ou o subsídio de “inserção” contam-se
num instante. Excepto, claro, no caso dos felizardos que consigam emprego num
dos diversos, pedagógicos e indispensáveis organismos do Ministério da
Educação.»
Quanto às dificuldades de aprendizagem do Português e
dum modo geral das demais disciplinas, para além dos condicionalismos provenientes
da unificação do ensino e multiplicação de factores de descontrolo e
divergência, o facto tem a ver também com a multiplicidade de informação que de
repente se abate sobre os alunos, ainda mal habituados a uma leitura e escrita
correctas, com justificação gramatical elucidativa, e a quem desde cedo são
veiculadas informações sobre estruturas múltiplas, níveis de língua, variedades
da lusofonia, quando nem se aperceberam ainda da forma correcta de articular as
palavras.
«Coitado do Álvaro de Campos!»
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