Primeiro foi a surpresa e depois o
horror. E as imagens sucediam-se, mostrando os dois homens a correr para o
carro e a arrancar, gente, gente, polícias, um homem caindo e imobilizando-se
no chão. Em França! Em Paris! Aqui ao lado! E os comentários iam progredindo, os
jornalistas entrevistando e explicando, o mundo parara em redor da tragédia. Não
se tratava de torres perfuradas por aviões sabotados, com milhares de mortos em
consequência, em espectáculo inimaginável e inesquecível, catorze anos antes,
que nos apanhara à hora do acontecimento. Tratava-se do Semanário satírico “Charlie
Hebdo” atacado por dois encapuçados, que disparam contra jornalistas em
reunião na altura, matando e ferindo, vingando o seu profeta, doze mortos,
entre os quais o director do Semanário, onze feridos, e o mundo ficou
estarrecido. A França – a Europa - abrindo os braços aos refugiados do seu
próprio medo, e estes correspondendo com o seu ódio! Deviam ser jihadistas, os
insaciáveis buscadores de sangue.
A minha filha Paula chegou entretanto
e ficou também parada a ver. Da raiva contra os jihadistas e o pensamento numa
Europa explodindo sob a invasão de um islamismo extremista e avassalador,
passou ao comentário sobre os provocadores ocidentais, representantes de uma
atitude igualmente radicalista e provocatória, que não poupa nada nem ninguém,
nem mesmo os sentimentos religiosos, em nome da sua liberdade de expressão,
quantas vezes de duvidosa educação. Lembrei então o desenho do nariz do Papa
João Paulo II, em tempos, com um preservativo, por um nosso cartoonista, que eu
achara repugnante e grotesco, apesar da causa justa que defendia – o ataque ao
alastramento da SIDA - mas que talvez fosse de menor dimensão e mesmo provocação
do que muitos do tal hebdomadário francês, que ridicularizou o profeta islâmico,
hoje em tão grande notoriedade facciosista.
Durante o fascismo, ao que se diz
agora com muito assanhamento, não havia a tal liberdade de expressão que tanto se
reclama - e se tem - para podermos vazar o que nos vai na alma. Talvez por isso
a graça fosse mais subtil então. Hoje as paixões são livres, os desrespeitos
também, e das provocações não se fala. São as burcas a pretender penetrar nas escolas
francesas, são as banalidades grotescas de certos programas provocatoriamente
obscenos… e tudo o que por aí vai de pouco saudável. A pedir preservativo.
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