sábado, 17 de janeiro de 2015

Uma epístola que relativiza heroísmos



Um texto de história e de valores que relativiza, afinal, a coragem, a  qual abranda quando  o medo é real, contra os cinismos e os interesses por aí espalhados…  De José Augusto Fonseca. Publicado no “A Bem da  Nação

VAMOS  LÁ TER CALMA...ESQUECIMENTOS

Caro Amigo Henrique Salles da Fonseca,

1 – Três textos fizeram que, modestamente, viesse de novo à ribalta, acolhido pelo A Bem da Nação. O pano começa a descer sobre a boca de cena e apenas ficam na plateia os que não se esquecem, até para assistirem aos próximos andamentos. E os textos são de Berta Brás (a quem cumprimento) titulado "O Herdeiro", o de Manuel Serrão (Dr.) no Jornal de Notícias (14.01.2015) com "Os Anjinhos de Charlie" e o do Henrique "Je ne m'apelle pas Charlie".
2 - E tudo pelo miserável ataque e respectivas consequências sobre o Charlie Hebdo. E aí vem o "choradinho" dos valores ocidentais e do choque civilizacional em que os muçulmanos são o alvo. Mas gostaria de ter visto sempre, mas sempre, o mesmo empenho quando na Alemanha (RFA) o Baaden Meinnhof liquidava civis e militares, quando as Brigate Rosse na Itália liquidaram Aldo Moro ex-PM, quando o Herri Batasuna (País Basco) liquidava empresários que não pagavam o chamado imposto revolucionário, e o Sinn Fein (Irlanda do Norte) fazia "coisas" bem pouco católicas, sendo eu católico. E a questão que se coloca é esta: esta gente que actuava indiscriminadamente era muçulmana? E os valores ocidentais, aqui, onde estão?
3 - E por falar nestas "brutalidades" do chamado EI e da Al-Qaeda, quem foi que as animou? Começando pelos EUA (sou um ATLANTISTA) que ataca o Iraque para derrubar Saddam Hussein, dissolve o Exército Iraquiano e não prevê o DAY AFTER. O Presidente Obama (que admiro) vai à Universidade do Cairo e o seu discurso é quase um incentivo ao derrube do Patriarca Mubarak, que já com idade, pouco pode fazer para animar os seus. Discursa-se... e o "day after"? Depois a Líbia. O ditador Khadafy é derrubado com a ajuda de uma coligação ocidental, imitando Bush no Iraque e como não quis ver as consequências iraquianas, temos hoje a Líbia envolta numa tragédia, mesmo à porta da Europa Mediterrânica. E aqui não posso esquecer a senhora Clinton com "we came, we saw, he died" que, mesmo para quem, como eu, não gostava do teatro de Khadafy com a sua tenda por toda a Europa (e que a elite política europeia aceitava bem), acha declaração lamentável. E por último a tentativa de derrube do Presidente Bachir el Assad, filho do "leão de Damasco" Hafez el Assad, por grupos e mais grupos que eram já o ninho das víboras que nos atacam agora. Então, repito, ninguém viu ou preparou o "day after". E lembro o general Lamari, quando na Argélia a FIS e o GIA quiseram derrubar o poder argelino perante a complacência ocidental na década de 90, vendo o que se preparava disse e passo a citar " se para salvar a Argélia tiver que matar cem mil argelinos, não hesito". Declaração muito forte (que não aceito) mas com a mesma deixou o aviso: se o Ocidente não vê, vejo eu. E aquietou o que se preparava.
4 - Mas não é aqui que quero chegar. Quero chegar ao momento dos abraços (e não só). No Afeganistão (espero estar equivocado) já não vem longe o dia em que os Talibãs serão chamados a regressar ao governo (e vêm logo uns tantos que dizem que são Talibãs moderados). Na Síria também não tarda que se descubram também os moderados para conversar e que vão substituir o Presidente Assad. E depois ninguém se entende. E a tal pergunta: quem financia quem? Porque isto exige muitos meios e muito financiamento, que só pode vir de quem o tem. Pois é só olhar para alguns países dos petrodólares e temos a resposta. Mas no Ocidente (as elites) fingem que não vêem e "assobiam" para o lado.
5 - Pois. Muitos de nós agora já mais velhos (por fora e não esquecidos), ainda nos lembramos dos três Majores liquidados à queima-roupa na Guiné em 70, com um Alferes e dois intérpretes no Chão Manjaco, nos Comandos Africanos da Guiné liquidados sumariamente depois da independência. Todos sabemos quem mandou fazer isto e mesmo assim andámos aos abraços com o tal que mandou fazer estas "coisas" e que o disse abertamente. E quando "esse" foi derrubado por Nino Vieira cá o acolhemos com todas as mordomias. Claro: razões que a razão desconhece.
6 - E quase não tenho dúvidas que alguns (se não quase todos) que hoje disparatam em França são filhos e netos dos chamados HARKIS, que se bateram pela França na Argélia, os que conseguiram fugir, porque a maior parte, abandonados, sofreram o mesmo destino que os nossos Comandos na Guiné. E parafraseando ilustre Académico que conheço (e que nem sempre, com ele concordo), tudo isto "dói de raiva". E como diz Teresa de Sousa (Público) todos eles são terroristas "homegrown". E por ironia da história.
7 - Por último, e o Henrique Salles da Fonseca que me desculpe texto tão longo, peço que todos, mas todos, não culpem de forma geral os muçulmanos (e não só), por aquilo que alguns idiotas úteis fazem, lembrando que pelo menos 2 milhões de indianos e 500 mil africanos se bateram pela liberdade ocidental na II Guerra Mundial e não esquecendo a bravura dos 10 mil homens que entraram em Rangun para libertar a capital da Birmânia do jugo japonês e que três quartos deles ali estavam na Brigada de Infantaria dos Exércitos de Sua Majestade do UK. E esses três quartos eram oriundos das antigas colónias. Hei-de, um dia, com a compreensão do Henrique voltar a tudo isto. Mas por hoje chega.

Abraço,

José Augusto Fonseca
Parte inferior do formulário

Nenhum comentário: