Um artigo de Adriano
Moreira, de 2008, (publicado no “A Bem da Nação”) - «A HERANÇA
COMUM PERTENCE À HISTÓRIA» - evocador
de um Homem de quem a Pátria se deveria orgulhar, mas logo posto à margem nos
oportunismos palreiros próprios das viragens, para os senhores que se iriam
seguir. Um homem de idêntico carisma intelectual e moral - Adriano Moreira – o evoca,
sem receios e sem tabus, mas com delicadeza, saber, carinho e estima que a
outros também mereceria, mas menos corajosos em o reconhecer. Retrato de um
homem superior, cuja casa onde nasceu se mantém desprezada e esquecida na sua
rusticidade, em Santa Comba Dão, e cujo nome da ponte última que mandara fazer,
foi arrancado a favor de uma data, como marca simbólica da era da depredação instituída
a partir dessa.
Retrato de um homem superior, quer na sua capacidade
intelectual, quer na humildade com que submete os seus escritos à opinião dos
colaboradores, segundo Adriano Moreira, quer na preservação do território
nacional, no amor e respeito pela sua pátria e pela sua história, quer mesmo pelos
valores religiosos a que se submeteu, segundo Adriano Moreira, “A brevidade da vida
iluminada pelos valores eternos. O poder ao serviço de uma ética que o antecede
e transcende”.
«Assim viveu, acertando
ou com erros, mas sempre autêntico. Com princípios. O único remédio
conhecido contra a corrupção do poder. E muito principalmente quando se
trata de um poder carismático, como era o seu caso. Um desses homens raros que
a fadiga da propaganda não consegue multiplicar. Porque ou as vozes vêm do alto
ou não existem. Não há processo de substituir o carisma. Por isso, também,
essa luz, que tão raramente se acende, é toda absorvida pelo povo, o único
herdeiro. Soma-se ao património geral. Inscreve-se no livro de todos. Pertence
à História. Transforma-se em raiz.»
Infelizmente, a raiz nacional em que aquele se
transformou pelos seus valores, segundo Adriano Moreira, está condenada a
apodrecer, tal como a casa de Santa Comba.
«A HERANÇA COMUM
PERTENCE À HISTÓRIA»
De vela ao cadáver de
Salazar, fui-me lembrando de muitos acontecimentos relacionados com a vida
pública da nossa terra, em que a sua presença foi dominante. E também de alguns
relacionados apenas com o seu modo de ser, que marcou o estilo do governo e da administração,
e o estilo de uma geração de dirigentes. Dos que o seguiram e dos que o
combateram. Todos marcados, na sua intimidade mais funda, pelo homem e pela sua
acção.
Recordarei aqui duas
imagens persistentes. Numa manhã de domingo, do ano de Angola Mártir, fui
visitá-lo ao forte do Estoril. Como cheguei a pé, não tocaram a sineta que
habitualmente chamava para abrirem os portões do caminho de acesso dos
automóveis. Subi a breve escada que ali existe. Ao fundo do pátio, onde se
encontra a capela, as portas desta estavam abertas. De frente para o altar, a
sós com Deus, Salazar cuidava da toalha, e das flores e das velas. Pensei que
não tinha o direito de surpreender esta intimidade. Regressei vagaroso pelo
mesmo caminho. Pedi para tocarem a sineta. Quando voltei a subir a breve escada
do pátio, já ele estava sentado na sua velha cadeira, mergulhado nos negócios
do Estado. Era a imagem de um homem de fé segura, sabendo que haveria de
prestar contas. A brevidade da vida iluminada pelos valores eternos. O poder ao
serviço de uma ética que o antecede e transcende.
Acrescento outra imagem
desse tempo. Recordo os discursos, as notas, as entrevistas, as declarações, em
que sucessivamente definia a doutrina nacional de sempre para a crise da época.
Tudo escrito pela sua mão. Mas depois, não obstante a urgência e a autoridade
pessoal, tinha a humildade de chamar os colaboradores e, em conjunto, discutir,
e emendar. A grandeza natural de quem pode aceitar dos outros, sendo sempre o
primeiro.
E assim foi exercendo o
seu magistério. Com fé em Deus e recebendo agradecido os ensinamentos do povo.
Porque nunca pretendeu sabedoria superior à de entender e executar o projecto
nacional. E nunca quis mais do que amar até ao último detalhe a maneira
portuguesa de estar no mundo, preservando e acrescentando a herança.
O Ultramar foi a última
das suas preocupações maiores. Como se, ao crescer em anos e diminuir em vida,
quisesse guardar todas as energias para sublinhar a essência das coisas. Todos
os cuidados para a trave mestra. Doendo-se por cada jovem sacrificado. Rezando,
e esperando que o sacrifício fosse atendido e recompensado. De joelhos perante
Deus e de pé diante dos homens. Humilde com o seu povo, orgulhoso perante o
mundo.
Assim viveu, acertando ou
com erros, mas sempre autêntico. Com princípios. O único remédio conhecido
contra a corrupção do poder. E muito principalmente quando se trata de um poder
carismático, como era o seu caso. Um desses homens raros que a fadiga da
propaganda não consegue multiplicar. Porque ou as vozes vêm do alto ou não
existem. Não há processo de substituir o carisma. Por isso, também, essa luz,
que tão raramente se acende, é toda absorvida pelo povo, o único herdeiro.
Soma-se ao património geral. Inscreve-se no livro de todos. Pertence à História.
Transforma-se em raiz.
8 de Outubro de 2008
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