«O
misterioso caso do país que progrediu», mais
um artigo semanal de Alberto Gonçalves (DN, 14/12/14), constituído
ainda por «O verdadeiro crime» (11/12) e «Sobre
a tortura em democracia» de 13/12.
Consiste o primeiro na referência à exposição
televisiva de Ricardo Salgado. «capítulo de uma novela financeira
e policial em simultâneo”, por vários motivos entre os quais a
sobrecarga de siglas ali usadas, variadas e obscuras, naturalmente só para descodificação dos “habitués” e tendentes a lançar baralhação
nos espíritos, confundindo as pistas, de maneira que só depois da leitura do Financial
Times de 4/12, é que o autor se diz elucidado. O que, de facto, não passa
de bluff, já que “a velha ordem que perde fulgor”, feitas bem as
contas, em arrecuas passadistas, aparentemente nunca existiu – a menos que a “velha
ordem” segundo os Ingleses, que a seguem de modo correcto, desde a Magna Charta, consista, entre nós, que não tivemos Magna Charta, na
“santidade” dos tartufos de sempre, com as discrepâncias sociais em nós
habituais, e mais…
Transcrevo os dois parágrafos iniciais directamente
da Internet, e copio os dois seguintes, o DN, cioso das suas prerrogativas de
autoria, não permitindo que o transcreva todo:
O misterioso caso do país que progrediu
As
entrelinhas da alta finança são para mim tão insondáveis quanto os enredos dos filmes
policiais (nos livros do género nem toco). Após quinze minutos já não faço
ideia de que morreu a vítima, se a vítima é má ou boazinha, o que separa os
amigos dos inimigos da vítima e a importância na trama da jeitosa de biquíni
que enfeita o iate. Após vinte minutos, começo a duvidar de que haja mesmo uma
vítima. Após meia hora, desligo o televisor e literalmente vou dar banho ao
cão.
Não
estranho, por isso, ter resistido a um mero pedacinho da audição parlamentar a
Ricardo Salgado, capítulo de uma novela financeira e policial em simultâneo.
À partida, já me sentia atordoado com a variedade de siglas em cena: uma pessoa
que distingue com dificuldade o BES do BCP e o BPP do BPI nunca conseguirá
acompanhar os segredos que palpitam atrás do ESI, do BESA, do ESFG e muito
menos do GES. De seguida veio o violento uppercut, a cargo do jargão do ramo:
alguém espera sinceramente que eu saiba o que é, por exemplo, o ring-fencing?
Sei o que é o ringue, o lugar onde me estendia inanimado enquanto o árbitro
contava até dez - dez horas, ao que consta a duração do desempenho do Sr.
Salgado.
Contas
feitas, fiquei com meia dúzia de impressões espremidas a partir do que os
noticiários disseram, e que podiam ser partilhadas por qualquer motorista ou passageiro
de táxi: a peculiar gestão do Banco Espírito Santo, a conveniente proximidade
do BES ao regime, o antigo e o actual; a inconveniente chegada da troika, a
estupefacção do Sr. Salgado por ver desabar um mundo que, com alguma
propriedade (nos dois sentidos do termo), imaginava eterno: as extraordinárias
acusações do Sr. Salgado ao poder que, pela primeira vez, lhe voltou as costas.
Quanto
ao essencial, só o apanhei depois de espreitar o «Financial Times» do
passado dia 4, que, a propósito da queda do Sr. Salgado, da prisão de José
Sócrates e de uma ou duas coisinhas mais, resumiu a história assim: em
Portugal, a velha ordem perde fulgor. Isto percebi. E se na vida
houvesse finais, acho que este seria dos felizes.»
No
texto seguinte - «O verdadeiro crime» - sobre a “Festa do Avante”
no Seixal, revela a ilicitude da transação de 11 mil euros do BES para a dita
festa, o que é uma ninharia, convenhamos, (mas que se estranha num partido
sério e exigente de pureza sempre pronto a imputar crimes desses aos outros que
têm governado). Desta forma, os crimes de provocação maldosa na dita festa, no
alarde de iconografias sinistras da crueldade mundial, não são importantes, ao
que parece, a quem permite que o façam impunemente. Esse da tal transacção
supera os outros - dos retratos e grupos sinistros provocatórios, da dita festa
-servindo apenas como mais uma balela de escândalo semanal para satisfazer os nossos apetites fofoqueiros. Os outros, das imagens ou presenças sinistras
na festa, temos receio de as denunciar, que a esquerda é que está a
dar, pertence à camada intelectual, promotora da virtude, pretexto que também usaram, nos seus tempos. esses das iconografias nas bandeiras ou nas Tshirts. Temos medo…
Alberto Gonçalves não teve.
O verdadeiro crime
«Na “Festa do Avante!” passeiam-se sujeitos com
iconografia alusiva a Estaline, Lenine e Che Guevara? A Festa do Avante! acolhe
embaixadas de agremiações de assassinos como as FARC colombianas? O Avante!, que
organiza a Festa, publica desde há décadas textos em louvor dos mais
sanguinários regimes disponíveis? O PCP, que é dono da Festa e do Avante!,
possui uma história riquíssima em matéria
de repulsa por qualquer vestígio
de democracia ou liberdade?
Sem dúvida! Mas grave, grave, é que a pândega dos
comunistas no Seixal tenha alegadamente recebido 11 mil euros do BES, para
cúmulo de modo alegadamente ilícito. A transacção, que o partido nega e os
jornais garantem, transformou-se no típico escandalozinho da semana. Por este
andar, acabaremos a tentar linchar o Violador de Telheiras a pretexto de uma
multa de estacionamento.»
«Sobre a tortura em democracia» refere as
visitas a Sócrates, condenando-as na sua desumanidade, tanto dos que acham que
é um gesto de amizade, como dos que as condenam como privilégio injusto. Copio
o último dos três parágrafos, revelador de uma mente sensível e bem formada,
além da argúcia habitual na análise
e interpretação de cada caso da nossa vasta paleta de casos:
«Impressiona constatar que em pleno século XXI, não há aqui vestígio de comiseração ou pingo
de humanidade. No PS inteiro, apenas António Costa e as novas figuras do
secretariado hesitam em submeter o ex-chefe a tamanho sofrimento. Se não fosse
absurdo, diria que os restantes parecem alinhar numa conspiração para que o
prisioneiro 44 ceda ao desgaste emocional e confesse tudo. Por mim, sei que ante a perspectiva de aturar
os ilustres que acorrem a Évora, confessaria até a sabotagem do Hindenburg. E
sei não ser isto o que se espera de uma democracia digna do nome. Condenem ou
libertem o homem, mas poupem-no à tortura. Haja confiança no mundo.»
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