sexta-feira, 24 de abril de 2009

As saias de Elvira

Vem isto a monte por via da conversa que tive com a minha amiga Binha, que esteve em Paris e vem ofuscada, de causar inveja, com o brilho de um espaço criado por gente que se cultivou e que construiu um mundo onde se exige e onde se tem. A filha estuda na Universidade e o nível de exigência ali é grande. Trabalha-se, mas compensa-se o trabalho. Diz a Binha que também lá há manifestações, greves, reivindicações, cartazes, protestos. Contra as políticas, ou contra os políticos. Mas os noticiários são parcimoniosos, não empolam os casos, mais amplos nas referências às políticas mundiais.
Ao chegar, a decepção do costume, o sentimento da inanidade, do vazio, perante a especulação infindável e provinciana sobre os nossos temas jornalísticos, os dos despedimentos, do desemprego, da crise, da corrupção, dos casos de doença e de miséria, dos desesperos e da desesperança, sobrecarregando os noticiários, com muito ruído, muitas lágrimas, muita violência palavrosa. E o como vai o mundo relegado para o fim, também com especulação sobre o factual, o acidente, o rumor, o cãozinho português ou de origem lusitana, qual Viriato, a servir de brinquedo à mesa do rei... E os rodapés acumulando simultaneamente outras notícias, em mastigadelas que desconcentram.
As acusações. Mas o grave é que não temos bom senso, com o desrespeito que revelamos, com este acumular de sensacionalismos e efervescências dos nossos ataques.
Não evoluímos e parece até que regredimos, sentimentais que somos. Ou cada vez mais pobres, como o demonstram as bichas do desemprego ou das sopas da nossa generosidade.
Era Fradique Mendes que definia o nosso lirismo romântico como “enclausurado nas duas polegadas do coração, não compreendendo dentre todos os rumores do Universo senão o rumor das saias de Elvira...”.
O certo é que a nossa sensibilidade hoje continua de cariz lírico, a centrar as nossas preocupações políticas no imediatismo do rumor das saias, mais ou menos amarrotadas, de Elvira.

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